Em uma das mensagens trocadas entre Moro e Bolsonaro e entregues pelo ex-ministro da Justiça à Polícia Federal, durante seu depoimento neste fim de semana em Curitiba, Jair Bolsonaro foi enfático: “quero o Rio”
As denúncias feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro, de que Jair Bolsonaro quer intervir politicamente na Polícia Federal para controlar suas ações e investigações foram confirmadas com a indicação de Rolando Souza, braço direito de Alexandre Ramagem, para a diretoria-geral da PF.
Moro vinha sofrendo pressões para entregar o controle da corporação ao grupo de golpistas que atua dentro do Palácio do Planalto. A resistência de Moro irritou tanto a família que Eduardo Bolsonaro agora acusa o ex-ministro de não ter sido leal ao presidente. “Ele não era ministro, ele era um espião”, disse o parlamentar.
O ex-ministro Sérgio Moro rebateu a acusação do deputado em suas redes sociais: “Há lealdades maiores do que as pessoais”, disse.
Em uma das denúncias feitas por Moro e entregues pelo ex-ministro da Justiça à Polícia Federal durante seu depoimento neste fim de semana em Curitiba está a fala enfática de Jair Bolsonaro a Moro: “quero o Rio”. Referência à superintendência da PF no Rio de Janeiro.
Rolando Souza é subalterno de Ramagem na Abin e, assim que tomou posse nesta segunda-feira (04) na direção da PF, fez imediatamente a troca do superintendente da PF do Rio de Janeiro a mando de Bolsonaro. Estava cumprida a primeira exigência feita pelo presidente.
Assim que assumiu a presidência, Bolsonaro abriu uma crise com a Polícia Federal exatamente porque queria intervir na superintendência da PF do Rio de Janeiro. Na ocasião ele anunciou publicamente, sem consultar ninguém, a substituição do superintendente do órgão no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, responsável pelas investigações no estado.
Durante seu depoimento, Sergio Moro falou várias vezes sobre o interesse de Bolsonaro em trocar o superintendente da PF no Rio.
Entre as atividades da PF no Rio está a Operação “Furna da Onça” que descobriu um esquema de lavagem de dinheiro no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho do presidente.
As investigações apontaram para a participação da milícia na lavagem de dinheiro do gabinete do deputado. A mãe e a ex-mulher do miliciano morto recentemente na Bahia, Adriano da Nóbrega, eram funcionárias fantasmas do gabinete de Flávio. Fabrício Queiroz era o operador do esquema.
A reação da corporação à atropelativa substituição de Saadi foi forte à época e Bolsonaro teve que recuar. Os delegados admitiram a saída de Saadi, mas não aceitaram o nome da preferência do presidente.
Na semana passada Bolsonaro foi impedido de nomear Alexandre Ramagem para o comando da PF exatamente porque o Supremo Tribunal Federal viu na indicação do chefe da Abin a intenção de Bolsonaro de tentar controlar a PF, ou seja, viu na indicação um problema de desvio de finalidade.
A finalidade de Bolsonaro ao indicar uma pessoa intimamente ligada a investigados pela PF para comandar a instituição não era uma boa administração da PF, mas sim a interferência nas investigações em curso dentro da corporação.
Logo na primeira decisão, o substituto de Ramagem, que, na verdade, é apenas um preposto do chefe da Abin na Polícia Federal, atende à exigência de Bolsonaro e troca o comando do Rio. O advogado de Sérgio Moro viu nesta decisão uma comprovação clara do que denunciou o ex-ministro.
Dentre as mensagens trocadas entre o ex-ministro e o presidente da República, a perícia da Polícia Federal confirmou a existência do diálogo no qual Bolsonaro manifesta a Moro uma preocupação com inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre fake news que poderia atingir dez a doze deputados bolsonaristas.
Na conversa, revelada pelo “Jornal Nacional”, Bolsonaro afirma a Moro: “Mais um motivo para a troca”, uma referência à sua intenção de demitir Valeixo. Segundo Moro, quando Bolsonaro foi alertado de que isso caracterizava uma interferência política na PF, o presidente admitiu que era interferência mesmo.
No depoimento de sábado (02), que Sérgio Moro espera que o ministro Celso de Mello torne público em breve, o ex-ministro da Justiça indicou à Polícia Federal a existência de pelo menos sete provas para corroborar as acusações de que Bolsonaro tentou interferir indevidamente na PF.
Dentre essas provas, Moro citou que ministros da ala militar do governo federal – Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) – foram testemunhas das pressões de Bolsonaro sobre ele para mudar a direção da PF e poderão confirmar seus relatos.
O principal elemento de prova é o próprio aparelho celular de Moro, que foi entregue aos investigadores para cópia do conteúdo das conversas com Bolsonaro e com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).
Como o ex-ministro apagava com frequência suas mensagens por temer um novo ataque hacker, as conversas são relativas a um período recente, de aproximadamente 15 dias. Os peritos da PF conseguiram recuperar as mensagens referentes a esse período.
Fazem parte desse conjunto de provas tanto os elementos entregues diretamente por Moro como a indicação de testemunhas e documentos a serem obtidos pela investigação da PF. O procurador-geral pediu ao STF para ouvir três ministros militares do governo que, segundo Moro, presenciaram pressões de Bolsonaro para controlar a PF.
Além dos ministros, cinco delegados da PF serão convocados para depor. Ainda será ouvida a deputada Carla Zambelli (PSL), aliada de Bolsonaro, que é casada com um bolsonarista que comanda a Força Nacional de Segurança.
Zambelli tentou influenciar Moro a aceitar a indicação de Ramagem em troca de um pedido que ela faria para Bolsonaro nomear Moro para o STF. Tudo isso está na troca de mensagens que Moro entregou para a Polícia Federal.