Multidão toma as ruas da região contra a imposição – que se apoia nas forças de ocupação da Otan – de prefeitos kosovares rejeitados nas urnas em municípios de maioria sérvia
Milhares de manifestantes seguem resistindo, no norte do Kosovo ocupado, à imposição de prefeitos de araque a quatro municípios de maioria sérvia pelo regime de Pristina. A repressão aos manifestantes conta com tropas de choque, bem como à KFOR, a força de intervenção da OTAN na região desde 1999.
A região é ocupada desde aquele ano em que forças da OTAN apoiaram a desintegração da então Iugoslávia, instauraram um protetorado ‘kosovar-albanês’ ao tempo em que foi criada a segunda maior base militar dos EUA na Europa, Camp Bondsteel.
Na segunda-feira, milhares de sérvios do Kosovo se reuniram em frente às prefeituras de Zvechan, Zubin Potok, Leposavich e Mitrovica do Norte, exigindo a retirada da tropa de choque e dos prefeitos albaneses, que não chegaram ao cargo mediante aprovação nas urnas e sim por imposição do regime separatista de Pristina.
O confronto, que poderia ser facilmente evitado se houvesse a mínima disposição de respeitar os sérvios, deixou 52 manifestantes feridos, sendo três em condição grave e também deixou 30 policiais feridos.
“Vários milhares de cidadãos se reuniram hoje em frente a prefeitura, em frente ao qual soldados da KFOR e membros da Polícia Especial de Kosovo ainda estão destacados”, registrou a RT na quarta-feira (31). Os militares da KFOR instalaram várias fileiras de arame farpado ao redor da prefeitura. Atrás do cordão, unidades policiais kosovares usavam carros blindados.
“Os cidadãos reunidos exibiram uma bandeira sérvia de 250 metros”, informou o portal, que acrescentou que o ex-presidente da Assembleia Municipal de Zvecan, Srdan Milosavljevic, pediu aos presentes que protestassem pacificamente .
Os manifestantes exigiram novamente a retirada da unidade especial de polícia kosovar do norte de Kosovo e Metohija, o acesso dos funcionários sérvios ao prédio da prefeitura e a libertação de dois sérvios detidos durante os distúrbios de 29 de maio . No município vizinho de Leposavic, os sérvios também saíram às ruas para protestar em frente à prefeitura.
Até hoje, a maior parte dos países do mundo – inclusive o Brasil – não reconheceu Kosovo, e a sucessora da Iugoslávia, a Sérvia, continua se recusando a fazê-lo, apesar de todas as pressões de Washington e de Bruxelas.
Belgrado reagiu aos confrontos colocando seu exército em alerta máximo e deslocou tropas para a linha de demarcação, para impedir nova limpeza étnica contra a população sérvia sob ameaças cada vez maiores e mais frequentes. O presidente Aleksandar Vucic exigiu que as autoridades de Pristina cancelassem a nomeação dos “prefeitos” biônicos.
EUA QUER CRIAR SEGUNDO FOCO DE GUERRA NA EUROPA
Analistas acusam os EUA de estarem por trás dessa provocação, que ameaça a Europa com um segundo foco de guerra. Washington vem pressionando o governo Vucic a se submeter e endossar as sanções antirrussas, enquanto Bruxelas tenta forçar Belgrado a engolir a “independência” de Kosovo.
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse a repórteres na segunda-feira que a atual escalada em Kosovo é alarmante e que uma grande situação explosiva pode surgir no coração da Europa, segundo a agência de noticias TASS. É a segunda provocação desde o início do ano contra os sérvios de Kosovo – antes, o mote foi a proibição por Pristina de automóveis com placas sérvias.
BOICOTE SÉRVIO
Os ânimos vinham se exaltando desde abril, quando as comunidades sérvias amplamente majoritárias nessas áreas decidiram realizar um boicote ao pleito local, para exigir que fosse cumprido o acordo de 2013 que determinou a constituição da associação de municípios sérvios. O boicote foi um sucesso, com um comparecimento às urnas inferior a 4%.
Assim mesmo, o regime de Pristina decidiu nomear “vencedores” seus candidatos pró-Otan, apesar da ausência de quórum e da votação mínima que obtiveram, o que torna ilegal a nomeação de biônicos. A tropa de choque foi enviada para invadir as quatro prefeituras e instalar ali os farsantes, provocando o acirramento dos protestos, seguidos da chegada dos soldados da KFOR, a força de intervenção da Otan.
O Conselho de Segurança Nacional da Sérvia informou no sábado que o contingente da Otan (KFOR) em Kosovo não agiu de acordo com sua autoridade sob a Resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU durante a ação da força policial da autoproclamada república no norte da província na sexta-feira. O presidente Vucic exigiu que a Otan “pare, com urgência, a violência contra os sérvios” em Kosovo e Metohija.
INTERVENÇÃO GROSSEIRA
“A principal razão para o agravamento da situação é que Pristina não cumpre os acordos de Bruxelas de 2013. Os albaneses assumiram as obrigações de cumpri-los, criar e não impedir as atividades da Comunidade de Municípios Sérvios. Mas nada disso foi feito mesmo dez anos depois”, disse à RT o pesquisador do Instituto de Estudos Europeus em Belgrado, Stevan Gajic. Ele explicou que 95 a 97% dos habitantes dos quatro municípios são sérvios.
Depois do boicote, o “primeiro-ministro” do Kosovo, Albin Kurti, enviou tropas de choque e ordenou a ocupação das prefeituras para instalar os farsantes. “Claro, os sérvios se opuseram a uma intervenção tão grosseira”, acrescentou Gajic.
“Em vez de proteger o povo, a KFOR passou a proteger os comandos armados da ‘agressão’ aos sérvios desarmados. A situação nos municípios tem sido extremamente tensa nos últimos dias”, assinalou Gajic. “Penso que a única opção para uma solução pacífica é que as forças especiais albanesas sejam escoltadas pela KFOR de volta aos pontos de destacamento permanente”. Ele acrescentou temer que Pristina “tente repetir os pogroms contra sérvios que ocorreram em 1999 e 2004”. Se o Ocidente não expulsar as forças especiais albanesas, a Sérvia “não terá escolha a não ser defender sua população e protegê-la”.
“Quando as Forças da Otan tiveram algo a ver com a manutenção da paz? Elas são uma máquina de guerra que prospera na guerra e serve aos interesses do império dos EUA e ao complexo industrial militar”, denunciou, pelo Twitter, o eurodeputado Mick Wallace na terça-feira (30), repudiando a repressão aos sérvios étnicos.
MOSCOU E PEQUIM CONDENAM ESBULHO
Também a Rússia e China condenaram o esbulho e a repressão. “Apelamos ao Ocidente para finalmente silenciar sua falsa propaganda, parar de culpar os sérvios desesperados pelos incidentes em Kosovo que estão pacificamente, sem armas em suas mãos, tentando defender seus legítimos direitos e liberdades”, enfatizou porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia.
A China disse na terça-feira que apoia os esforços da Sérvia para salvaguardar sua soberania e integridade territorial, e instou a OTAN a respeitar a soberania e integridade territorial do país relevante e fazer coisas que conduzam à paz regional. Pequim se opõe “a ações unilaterais” das instituições temporárias em Pristina e pede que “cumpram seu dever de estabelecer uma associação de municípios de maioria sérvia”, acrescentou a porta-voz Mao Ning.
Para o comentarista de TV e especialista militar Song Zhongping, como o conflito Rússia-Ucrânia consumiu grande parte da energia e dos recursos dos EUA, é provável que Washington “veja o agravamento da divisão entre a Sérvia e o Kosovo como uma oportunidade que pode aproveitar para enfraquecer a influência da Rússia na Sérvia e nos Bálcãs”.
Song destacou ao Global Times que as forças da Otan não se envolveram verdadeiramente na manutenção da paz na Sérvia e Kosovo, mas visaram impor a “independência de Kosovo” e ajudaram Kosovo a oprimir os sérvios.
Ele assinalou ainda que Washington “na verdade espera ver o caos na Europa, bem como a confusão da economia europeia e a dependência da Europa dos EUA. Os EUA não querem que exista uma Europa unida e forte”.
“O objetivo final dos EUA é fazer com que a Europa e a Rússia sofram perdas, o que está mais de acordo com sua estratégia global e interesses hegemônicos. Agora os EUA veem a Europa como dois barris de pólvora, um em uma guerra quente e outro prestes a explodir. Aos olhos de Washington, a crise da Europa é uma oportunidade para os EUA aproveitarem”, concluiu.