Em entrevista ao HP, Ricardo Alban, presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), detalhou sua proposta de pacto nacional: “Precisamos nos unir em esforço conjunto por um novo ciclo de expansão ‘inclusiva e duradoura’”. “Isso passa, necessariamente, pela união de forças de todos os setores econômicos, das entidades que representam os trabalhadores, da sociedade civil organizada”, Para Alban “esse pacto deve ser guiado por uma visão de país, sempre olhando para o futuro”.
Segundo o presidente da CNI, “ao longo de sua história, mesmo em um contexto doméstico adverso, o Brasil praticou políticas industriais que produziram casos de sucesso, como exemplificam o Proálcool e a Embraer”.
Para Alban, em paralelo a uma política industrial consistente, deve-se reduzir o Custo Brasil. O crédito “é limitado e caro, problema que se agravou ainda mais com o recente ciclo de alta da taxa de juros, o que ameaça a continuidade dos investimentos voltados à inovação e à modernização produtiva e ao aumento da produtividade”.
Leia a seguir a íntegra da entrevista.
CARLOS PEREIRA
Hora do Povo – Em entrevistas recentes, representantes sindicais manifestaram apoio a uma proposta de aliança estratégica (pacto) com o setor industrial com vistas à reindustrialização e o contrabalanceamento da influência do mercado financeiro na política pública e meios de comunicação. Considerando sua recente convocação para um pacto nacional, como o senhor avalia a convergência dessas propostas e quais são os principais obstáculos para sua implementação?
Ricardo Alban – O pacto é por um Brasil mais próspero, capaz de aproveitar todo o seu potencial e de valorizar suas vocações, que consiga competir de forma isonômica com outros países, que tenha estabilidade macroeconômica, mão de obra qualificada, seja referência para o investidor estrangeiro, tenha segurança jurídica e, sobretudo, crie mais e melhores empregos para aumentar a qualidade de vida dos brasileiros.
Esse pacto deve ser guiado por uma visão de país, sempre olhando para o futuro, de forma a refletir o que queremos para as próximas gerações. Isso passa, necessariamente, pela união de forças de todos os setores econômicos, das entidades que representam os trabalhadores, da sociedade civil organizada, dos três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e dos três níveis de governo – União, estados e municípios. O sucesso dessa iniciativa depende, fundamentalmente, desse trabalho conjunto. O pacto não é algo da indústria, mas sim de todos.
A partir desse esforço e com sintonia entre as partes, será possível tirarmos do trilho do crescimento do Brasil alguns entraves, conjunturais e estruturais, que têm limitado o desenvolvimento econômico. Além disso, evitaremos que, mais uma vez, sejam perdidas oportunidades.
Hora do Povo – O senhor mencionou que o momento atual representa essa janela de oportunidade crítica (‘talvez a última grande oportunidade’) para um projeto de desenvolvimento industrial brasileiro. Considerando os indicadores macroeconômicos que apontam para uma significativa desindustrialização nas últimas décadas, quais foram os elementos bem-sucedidos das políticas industriais históricas do Brasil e quais são as principais deficiências das estratégias recentes?
Ricardo Alban – Não deve haver controvérsia sobre a importância dos grandes desafios que estão postos, que também representam enormes oportunidades para o Brasil, como a corrida global para a descarbonização da economia e o aumento das tensões geopolíticas, com a reorganização de cadeias globais de valor e a busca por novos fornecedores. Também não devemos mais perder tempo debatendo sobre a necessidade ou não de se ter política industrial, e sim sobre como aperfeiçoar as medidas para torná-las efetivas e bem-sucedidas.
Com a Nova Indústria Brasil (NIB), que é uma estratégia moderna, aliada a outros planos estruturantes, como o novo PAC e o Plano de Transformação Ecológica, podemos pavimentar o caminho para as transformações que nossa economia precisa para se manter competitiva. Isso não é diferente do que está fazendo o resto do mundo, como mostrou o relatório “O Retorno da Política Industrial em Dados” do Fundo Monetário Internacional (FMI), que identificou mais de 2,5 mil medidas de política industrial sendo implementadas globalmente em 2023.
Ao longo de sua história, mesmo em um contexto doméstico adverso, o Brasil praticou políticas industriais que produziram casos de sucesso, como exemplificam o Pró-álcool e a Embraer. O Pró-álcool, lançado em 1975, fez do Brasil o maior produtor e exportador de etanol de cana-de-açúcar, reduzindo a dependência nacional de importados e diversificando a indústria de energia em direção aos renováveis. Também a Embraer, terceira maior fabricante de jatos comerciais do mundo, representa o desenvolvimento da indústria aeronáutica, intensiva em tecnologia e trabalho qualificado.
É importante ainda destacar que a agenda de política industrial tem que evoluir em paralelo à agenda de redução do Custo Brasil. Um passo importante, nesse sentido, é a reforma tributária do consumo, que está em fase avançada de regulamentação e representa ganho significativo para a competitividade das empresas. Um segundo fator fundamental da agenda do Custo Brasil diz respeito ao crédito, que é limitado e caro, problema que se agravou ainda mais com o recente ciclo de alta da taxa de juros, o que ameaça a continuidade dos investimentos voltados à inovação e à modernização produtiva e ao aumento da produtividade.
Por último, é preciso mencionar o desafio de governança e coordenação das inúmeras ações que compõem a NIB, envolvendo diferentes ministérios e a necessidade de monitoramento dessas iniciativas para medir e avaliar os resultados alcançados e fazer as correções que se mostrarem necessárias, boas práticas que devem guiar toda política pública.
Hora do Povo – Em 2024, observamos uma transferência significativa de recursos públicos, que podem alcançar cerca de R$ 1 trilhão para o pagamento do serviço da dívida pública. Como o senhor avalia a sustentabilidade desta política fiscal e quais alternativas poderiam ser consideradas para otimizar a alocação desses recursos?
Ricardo Alban – É fundamental a racionalização das despesas públicas, de forma que os gastos sejam mais eficientes e permitam a estabilização da dívida. Por isso, foi muito positiva a iniciativa do Governo Federal e do Congresso Nacional, no fim de 2024, de adotar medidas capazes de conter o crescimento das despesas federais. Entendemos, inclusive, que devem ser tomadas novas medidas nesse sentido, de forma a assegurar o equilíbrio fiscal, que é um elemento importante para a estabilidade macroeconômica e, sobretudo neste momento, para permitir a reversão do processo de depreciação do real e viabilizar a redução da Selic.
Se não avançarmos nessa agenda de contenção de despesas, ficaremos reféns de um ciclo vicioso, no qual a Selic elevada – justamente por conta da preocupação com o quadro fiscal – pressionará as despesas com a dívida pública, já que a Selic indexa parte considerável dos títulos públicos. Segundo estimativa do Banco Central, cada ponto percentual a mais na Selic representa R$ 50,3 bilhões a mais na dívida bruta.
Hora do Povo – Considerando o impacto da taxa de câmbio sobre a competitividade da indústria nacional, especialmente no setor de bens de capital, qual sua perspectiva sobre a implementação de uma política industrial focada no desenvolvimento do setor de máquinas e equipamentos nacional como alternativa à importação?
Ricardo Alban – O setor de máquinas e equipamentos está entre os setores produtores de bens mais complexos e sofisticados, produção que tende a criar externalidades positivas mais elevadas sobre o restante da economia, como maior nível de educação, maior capacidade tecnológica, maior criação de novos produtos ou serviços. Países industrializados avançados, como Alemanha e Coreia do Sul, possuem uma estrutura produtiva mais concentrada nesses setores produtores de bens de capital e de bens duráveis, como o setor de máquinas e equipamentos.
Portanto, é benéfico para o crescimento de longo prazo do Brasil conseguir recuperar e criar capacidades no setor de máquinas e equipamentos. De um lado, de forma acertada, para responder a um problema histórico de baixa produtividade, temos importantes incentivos hoje voltados à inovação e à modernização produtiva, que estão presentes no Plano Mais Produção, que centraliza os recursos financeiros da Nova Indústria Brasil (NIB), e na recém-regulamentada lei de depreciação acelerada para a compra de bens de capital.
Em anúncios recentes sobre a missão 1 da NIB voltada às cadeias agroindustriais, o governo busca fortalecer a produção nacional de máquinas para a agricultura. Já há resultados positivos, com crescimento registrado pela produção nacional de máquinas e equipamentos no acumulado no ano até novembro de 2024.
De outro lado, os empresários industriais estão relatando em nossas pesquisas preocupações crescentes com a competição desleal e com a forte concorrência com importados, em especial com origem na China. De fato, registramos em 2024 alta das importações de máquinas e equipamentos a um ritmo muito mais alto que o da produção nacional. Uma das razões é a elevada taxa de juros, que encarece o produto nacional, enquanto, para importados, os fornecedores conseguem oferecer financiamento com taxas de juros mais acessíveis.
Hora do Povo – Em um contexto de livre mobilidade de capitais e globalização financeira, como o senhor avalia os mecanismos de proteção da moeda nacional contra movimentos especulativos e seus impactos na economia real? Qual a alternativa?
Ricardo Alban – A indústria é afetada tanto pelo nível da taxa de câmbio, quanto pela volatilidade. Por um lado, a taxa de câmbio mais depreciada, como temos observado recentemente, tende a pressionar os custos das empresas, ao deixar mais caros os insumos importados – na média da indústria de transformação, 23,7% dos insumos são importados. Por outro lado, o câmbio mais desvalorizado deve favorecer as exportações de bens industriais, assim como melhorar as condições de concorrência com os produtos importados.
A elevada volatilidade do câmbio, por sua vez, traz incerteza e dificulta a tomada de decisão no setor industrial. Isso porque compromete o processo de formação de preços, tanto nas exportações como nas vendas domésticas (que concorrem com os importados). Além disso, a volatilidade cambial torna mais complexa e imprecisa a projeção de custos, por conta do efeito das importações. Cabe ao Banco Central intervir no mercado de câmbio, quando necessário, para reduzir sua volatilidade e, assim, evitar incertezas no mercado.
Hora do Povo – Historicamente, o Estado brasileiro desempenhou um papel fundamental como indutor e promotor do desenvolvimento econômico. Diante das pressões para a minimização do papel estatal e priorização do equilíbrio fiscal, qual deveria ser, em sua visão, o modelo ideal de intervenção estatal para o desenvolvimento industrial brasileiro?
Ricardo Alban – Existem exemplos recentes de políticas públicas de estímulo a setores econômicos e, em especial, a indústria, que representam muito bem essa nova classe de medidas estatais, baseada em uma abordagem moderna, criteriosa e eficaz de promover o desenvolvimento de determinadas atividades estratégicas para o país, com foco na sustentabilidade, produtividade e inovação, e em harmonia com a responsabilidade fiscal. Podemos citar a Nova Indústria Brasil (NIB), o programa Brasil Mais Produtivo e o MOVER. Em relação à NIB, cabe destaque à recém-criada política de depreciação acelerada para a aquisição de bens de capital, medida fundamental para incentivar os investimentos produtivos e, consequentemente, a modernização do parque fabril.
Hora do Povo – Quais seriam os elementos fundamentais do pacto que o senhor propõe? Qual o programa mínimo proposto?
Ricardo Alban – O pacto deve ser balizado por elementos que levem o Brasil para o caminho da prosperidade, com mais criação de riqueza e, principalmente, com mais e melhores empregos, além de renda para a população.
Estamos falando de elementos diversos que compõem uma agenda que deve ser construída a partir de contribuições de todos os setores econômicos, numa articulação conjunta e com igual protagonismo dos diversos agentes da nossa sociedade, como as entidades que representam os trabalhadores e, evidentemente, os três Poderes e os três níveis de governo.
A ideia do pacto é construir um consenso em torno de metas fiscais e de políticas econômicas estruturantes, garantindo que haja estímulos seletivos que assegurem a continuidade dos investimentos, enquanto se busca o equilíbrio das contas públicas.
Necessariamente, isso envolve regras claras de responsabilidade fiscal associadas a estímulos para setores estratégicos, como a indústria e o agronegócio.
O sucesso dessa empreitada depende da união entre todos os setores econômicos. Só assim poderemos dissipar expectativas negativas e imprimir ao país um novo ciclo de expansão inclusiva e duradoura.