Funcionários apontam uso político da instituição. “É inconcebível o uso de um cargo público para fazer publicidade a qualquer candidato, diz a nota. Falsificação de dados pelo diretor do órgão municiou Bolsonaro a dizer que “não tem ninguém pedindo pão na porta da padaria”. Para ele, não há fome no Brasil, mas, 33 milhões de brasileiros não têm o que comer
A denúncia feita pela Associação dos Funcionários do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Afipea) de que o presidente do órgão manipulou dados para encobrir a fome no Brasil e tentar aliviar o desastre do governo Bolsonaro só confirma o aparelhamento que Planalto tenta fazer de órgãos e instituições de Estado em benefício de seus planos eleitoreiros. Foi assim com a Receita Federal, com a Polícia Federal, com as FFAA e, agora, com o IPEA.
Leia aqui a nota dos servidores do IPEA na íntegra
Os funcionários do IPEA dizem no documento que o presidente do órgão divulgou estudo feito por ele mesmo sem nenhuma avaliação dos demais pesquisadores, o que não é uma prática do instituto. “É inconcebível o uso de um cargo público para fazer publicidade a qualquer candidato à presidência ou outros cargos eleitorais, em desrespeito aos servidores e suas incumbências”, destacou a nota.
MENTIRAS PARA ESCONDER A FOME
Para sustentar suas opiniões políticas, o presidente do IPEA, Erik Figueiredo, tentou desqualificar o estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PENSSAN), que congrega pesquisadores e pesquisadoras de diversas e prestigiosas universidades e instituições de pesquisa do Brasil e do exterior, que detectou 33 milhões de brasileiros em situação de fome. O estudo apontou também que mais de 100 milhões e brasileiros vivem na condição de insegurança alimentar.
Os funcionários do IPEA também denunciaram que Erik Figueiredo deu uma entrevista coletiva divulgando dados de seu trabalho pessoal como se fosse da instituição. O objetivo era contestar os dados da PENSSAN e fazer propaganda política favorável ao governo federal. A entidade denunciou o presidente do instituo por abuso de poder político. O “trabalho” de Erik Figueiredo passou a ser usado por Bolsonaro para dizer que não há fome no Brasil.
Foi por isso que ele questionou os repórteres, durante uma entrevista nesta semana, perguntando se alguém já tinha visto pessoas pedindo um pão na porta de uma padaria. “Sobre a fome não é isso tudo que estão dizendo”, afirmou Bolsonaro. No debate da Band, ele citou o estudo de Erik Figueiredo para, mais uma vez, contestar a existência de fome no Brasil. Confirmando o objetivo político da manipulação do IPEA, na apresentação de Erik Figueiredo estava presente o ministro da Cidadania, Ronaldo Bento.
ALGUÉM JÁ VIU PESSOAS PEDINDO PÃO NA PORTA DE PADARIAS?
“A divulgação e publicização de pesquisas no Ipea está condicionada, à discussão, avaliação e aprovação prévia pelos pares, e a sua finalidade precípua é a preservação da qualidade e do rigor dos trabalhos divulgados”, defendeu a entidade na denúncia apresentada à Procuradoria. A associação também afirma que a conduta do presidente contraria as regras de conduta do instituto durante o período eleitoral que orienta que pronunciamentos e entrevistas só podem ser concedidos se forem de natureza administrativa.
O ponto levantado pelo presidente do IPEA é de que o aumento da fome traria um aumento no número de internações hospitalares por doenças decorrentes da fome e da desnutrição. “De forma surpreendente, esse crescimento [dos indicadores de insegurança alimentar] não tem impactado os indicadores de saúde ligados à prevalência da fome, o que contraria frontalmente a literatura especializada”, afirma o estudo do presidente do IPEA.
A direção da PENSSAN rebateu o documento de Erik Figueiredo. “Uma leitura minimamente cuidadosa das referências utilizadas na nota do Presidente do IPEA em sua nota revelaria que os dados de “prevalência de desnutrição” da FAO se referem à “prevalência de subalimentação” (Prevalence of Undernourishment-PoU) e não à desnutrição. Ademais, eles não são baseados em entrevistas, como consta na referida nota, mas sim em dados secundários indiretos”, argumentou.
A falsificação de dados por parte do presidente do IPEA para aliviar o desgoverno Bolsonaro na crise de fome no Brasil foi respondida também pela direção da PENSSAN. “É absolutamente falsa a afirmação contida na nota do presidente do IPEA sobre a falta de comparabilidade dos resultados baseados em estatísticas oficiais e não governamentais que geraram a série histórica 2004-2022, assim como é falacioso o argumento que contesta o inequívoco aumento progressivo da fome nos últimos 4 anos”, diz o documento da entidade.
33 MILHÕES NÃO TÊM O QUE COMER
“Não podemos admitir tentativas, como a manifestação do Presidente do IPEA, de desqualificar o exercício de uma ciência cidadã compromissada com o conhecimento e o debate cientificamente fundamentado da realidade social do país. Ainda mais grave, não se pode calar frente a intentos despudorados, sejam eles “técnicos” ou mensagens em redes sociais, de encobrir a dura realidade de parcela significativa da população brasileira sem as condições mínimas para se alimentar e viver dignamente”, diz o documento.
Leia aqui a resposta da PENSSAN na íntegra
“A desnutrição, prosseguem os especialistas, “é convencionalmente identificada com medidas corporais individuais, tais como o peso e a estatura”.
“A segurança/insegurança alimentar aferida pela EBIA e FIES é mensurada a partir de entrevista com pessoas que relatam sua experiência de maior ou menor acesso aos alimentos. Cabe esclarecer, portanto, que são três indicadores distintos: (i) a PoU é uma forma de medir indiretamente a segurança/insegurança alimentar; (ii) a EBIA e a FIES são indicadores diretos da capacidade dos indivíduos e famílias acessarem alimentos em quantidade suficiente e qualidade adequada; (iii) os indicadores de desnutrição compõem as evidências de impactos potenciais nos indivíduos da insegurança alimentar e da fome”, diz a resposta da entidade.
“Na nota do presidente do IPEA esses indicadores são indevidamente mesclados, no mínimo para justificar omissões e fundamentar interpretação equivocada e tendenciosa das políticas de transferência de renda e de enfrentamento da pobreza”, completam os diretores da PENSSAN.
PARLAMENTAR DENUNCIA USO POLÍTICO DO IPEA
“As regras estabelecidas para a condução de entrevistas são rígidas. É inconcebível o uso de um cargo público para fazer publicidade a qualquer candidato à presidência ou outros cargos eleitorais, em desrespeito aos servidores e suas incumbências”, destacou presidente da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, deputado Professor Israel Batista (PSB-DF).