O presidente chinês, Xi Jinping, chamou os EUA e a Otan a entabularem conversações com a Rússia para resolver os problemas de segurança na Europa por trás da crise na Ucrânia e manifestou sua oposição a sanções indiscriminadas, durante reunião em vídeo, de quase duas horas, com o presidente dos EUA, Joe Biden, na sexta-feira (16), de acordo com o jornal Global Times. A reunião foi por solicitação de Washington.
“Como membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas e as duas principais economias do mundo, devemos não apenas guiar as relações China-EUA no caminho certo, mas também assumir nossa parcela de responsabilidades internacionais e trabalhar pela paz e tranquilidade mundiais”, asseverou Xi.
O presidente chinês observou que o cenário internacional experimentou novos e importantes desenvolvimentos desde a primeira conferência virtual entre ele e Biden, em novembro passado, acrescentando que “conflito e confronto não são do interesse de ninguém, e paz e segurança são o que a comunidade internacional deve valorizar mais”.
Ele convocou Biden a enfocar adequadamente os pontos de conflito das questões globais e, ainda mais importante, “ter em mente a estabilidade global e o trabalho e vida de bilhões de pessoas”.
NÃO ÀS SANÇÕES
“Sanções abrangentes e indiscriminadas somente farão as pessoas sofrerem. Se escaladas, elas poderiam provocar sérias crises na economia global e no comércio, finanças, energia, alimentos e cadeias de suprimento e industriais, estropiando a já debilitada economia mundial e causando perdas irreparáveis”, reiterou o líder chinês.
“Quanto mais complexa a situação, maior a necessidade de manter a cabeça fria e racional”, acrescentou Xi, apontando que quaisquer que sejam as circunstâncias, “sempre há a necessidade de coragem política para criar espaço para a paz e deixar espaço para um acordo político”.
“Como dizem dois ditados chineses, ‘precisa de duas mãos para bater palmas’ e ‘aquele que atou no tigre o sino deve tirá-lo’”, apontou Xi. “É imperativo que as partes envolvidas demonstrem vontade política e alcancem um acordo apropriado em vistas das necessidades tanto imediatas quanto de longo termo”, enfatizou o presidente chinês.
“A prioridade premente é manter o diálogo e a negociação, evitar baixas civis, evitar uma crise humanitária e cessar as hostilidades tão logo quanto possível”, ressaltou.
FIM DA MENTALIDADE DE GUERRA FRIA
Xi disse que uma solução duradoura implicaria em que os principais países se respeitem mutuamente, rejeitem a mentalidade de Guerra Fria, se abstenham da confrontação de bloco, e construam passo a passo “uma arquitetura de segurança para a região e para o mundo que seja equilibrada, efetiva e sustentável”.
“A China está fazendo o máximo que pode pela paz e continuará a jogar um papel construtivo”, apontou Xi.
As duas partes consideraram “construtiva” a reunião, que durou quase duas horas. Na interpretação do The New York Times, “Biden advertiu a China” sobre as “conseqüências” de apoiar a Rússia.
O presidente Xi também conversou por videoconferência com o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, que integra os BRICS, e que se pronunciou contra as sanções, acrescentando que o conflito na Ucrânia poderia ter sido evitado se a Otan não tivesse tentado se expandir para o leste.
QUEDA DE BRAÇO PRÉVIA
Poucas horas antes da reunião, a China, em um movimento raro, na descrição do Global Times, “enviou sinais duros, afirmando que nunca aceitará ameaças e coerções dos EUA sobre a questão da Ucrânia e prometendo dar uma resposta forte se os EUA tomarem medidas que prejudiquem os interesses legítimos da China”.
Também poucas horas antes da reunião, o governo de Taiwan afirmou que um porta-aviões chinês passou pelo Estreito que separa a ilha da China continental.
Nos dias que antecederam a reunião, o lado norte-americano desencadeou uma campanha de desinformação sobre inexistente “apoio militar” da China à Rússia – é Moscou que exporta armas para a China, não o contrário – e ameaçou Pequim com “conseqüências terríveis” se a China não se submetesse às ilegais sanções com que Washington tenta estrangular a Rússia.
O secretário de Estado Antony Blinken afirmara na véspera que o objetivo do telefonema de Biden era deixar claro que a China “será responsável por quaisquer ações que tomar para apoiar a agressão da Rússia, e não hesitaremos em impor custos”.
Dias antes, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, dissera que os EUA têm meios para “tomar medidas” contra a China se Pequim não cumprir as sanções aplicadas à Rússia.
As pressões incluíram, ainda, uma reunião em Roma esta semana entre o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, e o diplomata chinês, Yang Jiechi.
Já a Bloomberg News interpretou em sua manchete que “Biden procura a ajuda da China com Putin”. Um artigo de opinião da Bloomberg registrou que quanto pior a Rússia se sair “maiores serão os riscos que a América e seus aliados europeus podem enfrentar”.
Fontes disseram ao GT que as sanções dos EUA e do Ocidente contra a Rússia “foram feitas puramente por meio de jurisdição de braços longos, sem permissão da ONU. E tal prática de enquadrar as relações com outros países com base em sua lei doméstica e forçar terceiros países a aceitá-la é, sem dúvida, contrária ao espírito do direito internacional e aos princípios da Carta da ONU”.
UMA SÓ CHINA
Também esteve em pauta a questão da contínua violação, por Washington, do princípio de Uma Só China e dos acordos que regem as relações bilaterais há 50 anos. Segundo comentário do Global Times, Xi disse a Biden que levaria “muito a sério” as declarações do norte-americano de que os EUA “não buscam uma nova Guerra Fria”, nem mudanças no sistema da China, nem aliança mais forte contra a China, e menos ainda apoiam o ‘secessionismo de Taiwan’ ou o conflito com a China.
Embora – como qualquer um sabe – o que Washington faz é exatamente tudo ao contrário do que Biden voltou a prometer na videoconferência. O que deve explicar o alerta de Xi de que o manuseio incorreto da questão de Taiwan “terá um impacto perturbador nos laços bilaterais, e que a China espera que os EUA dêem a devida atenção a essa questão”.
Washington, nos últimos meses, acelerou sua ‘estratégia do Indo-Pacífico’ – a criação de uma ‘Otan’ anti-China – e continuou enviando sinais errados aos secessionistas de Taiwan, como a venda de mais armas e a ida à ilha de ex-diplomatas norte-americanos. Além das provocações contra Xinjiang chinesa, Tibet e Hong Kong e da guerra comercial e tecnológica.
UCRÂNIA, PONTE ENTRE ORIENTE E OCIDENTE
Na ONU, o embaixador chinês Zhang Jun disse que a Ucrânia deveria se tornar “uma ponte entre o Oriente e o Ocidente, não um posto avançado para confronto entre as grandes potências”.
Ele assinalou que a questão da Ucrânia não ocorreu de repente durante a noite. “É o resultado da interação de vários fatores durante um longo período de tempo”.
“A China defende a visão de segurança comum, abrangente, cooperativa e sustentável. Acreditamos que a segurança de um país não pode ser feita à custa da segurança de outros, e que a segurança regional não deve depender da mobilização ou mesmo da expansão de blocos militares. As preocupações legítimas de segurança de todos os países devem ser respeitadas. No contexto de cinco rodadas sucessivas de expansão da OTAN para o leste, as legítimas aspirações de segurança da Rússia devem receber atenção e serem devidamente abordadas”.
Ele conclamou a negociações que conduzam a “um mecanismo de segurança europeu equilibrado, eficaz e sustentável” e a uma “solução abrangente da questão da Ucrânia”.