Toxicologista integrava o ‘gabinete paralelo’ de Bolsonaro junto com Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto. Eles defendiam o uso de cloroquina, ivermectina e outras drogas ineficazes. Wong morreu de Covid usando todas elas e mais ozonioterapia retal
Um áudio com ameaças do presidente da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Jr, a um ex-médico da instituição, foi divulgado na sessão da CPI da Covid nesta quarta-feira (22). A Prevent Senior foi denunciada por ter realizado experiências com cloroquina, ivermectina e outras drogas sabidamente ineficazes, contra a Covid-19 sem o conhecimento e a autorização dos pacientes ou de seus familiares.
A denúncia foi feita por uma reportagem de 16 de setembro da GloboNews onde ela mostrou áudios e mensagens de gestores da Prevent Senior indicando o tratamento precoce e ordenando que nada fosse dito aos familiares ou aos próprios pacientes. A reportagem também mostrou que a Prevent Senior conduzia uma pesquisa sobre a eficácia da hidroxicloroquina omitindo os dados dos pacientes que morriam durante o tratamento.
MÉDICOS DENUNCIARAM ESQUEMA
Um grupo de médicos ligados à Prevent Senior se afastou da empresa e apresentou prontuários e documentos à CPI comprovando que eles eram obrigados a prescrever cloroquina, ivermectina, azitromicina e outras drogas do chamado Kit Covid para pacientes internados na instituição. O profissional que aparece no áudio mostrado na CPI sendo ameaçado pelo dono da empresa, assim como outros que se afastaram da Prevent Senior, haviam se recusado a seguir as ordens anticientíficas e negacionistas da direção da instituição.
Agora veio à tona a denúncia de que o pediatra e toxicologista ligado a Bolsonaro, Anthony Wong, de 73 anos, morto em 15 de janeiro, no Hospital Sancta Maggiore do Itaim Bibi, na Zona Sul de São Paulo, pertencente da Prevent Senior, teve seu atestado de óbito falsificado.
Reportagem publicada pela revista Piauí desta terça-feira (21), intitulada “Morte em Segredo”, revela que o pediatra se internou em 17 de novembro com Covid-19, fez teste positivo para Covid-19 e evoluiu com complicações, vindo a falecer posteriormente. Segundo a revista, Wong foi submetido a diversos tratamentos, entre eles, cloroquina, ivermectina, ozonioterapia e outros. A morte se deu por complicações do quadro inicial que o levou se internar.
O atestado de óbito emitido pelo hospital não registrou a presença de Covid-19. No áudio, apresentado pela CPI, o médico cita a falsificação do atestado de óbito de Wong pela Prevent Senior e é nesta hora, inclusive, que a ameaça a ele e sua família torna-se mais explícita. A revista Piauí teve acesso ao conteúdo do prontuário médico de Wong com mais de 2.000 páginas, no qual se descreve todo o tratamento até sua morte. Teve acesso, também, ao atestado de óbito, onde não há qualquer menção à morte por Covid.
WONG DEU ENTRADA COM COVID-19
Segundo a reportagem, quando deu entrada no Sancta Maggiore, Wong contou que estava com sintomas de Covid-19 havia oito dias. Também disse que vinha fazendo uso de hidroxicloroquina. Um exame de PCR feito no hospital confirmou a presença do Sars-CoV-2. Era a segunda vez que Wong contraíra a doença. Da primeira, no início da pandemia, em abril de 2020, recuperou-se bem. Disse que fora assintomática.
Anthony Wong, a oncologista Nise Yamaguchi e o virologista Paolo Zanotto faziam parte do “gabinete paralelo”, estrutura montada nas sombras por Bolsonaro para defender o “tratamento precoce” e o uso das drogas ineficazes no tratamento de Covid-19.
Bolsonaro repetiu a defesa dessas drogas ineficazes em seus discurso realizado na terça-feira (21), na abertura da Assembleia Geral da ONU. Durante a viagem aos EUA, Bolsonaro foi impedido de entrar em vários lugares em Nova Iorque por não ter tomado vacina. Não bastasse todo esse vexame, dois membros da delegação brasileira foram infectados com Covid-19, inclusive o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que teve que permanecer em quarentena pos12 dias em Nova Iorque.
Em outubro de 2020, Wong afirmou categoricamente, sem qualquer base científica, que o brasileiro tinha imunidade alta contra os diversos tipos de coronavírus: “Se fossem feitos testes como os que foram feitos em outros países, nós verificaríamos talvez que o índice de imunidade da população em geral também é alta, especificamente para a Covid-19”, disse. Ao contrário do que ele previu, o Brasil, com quase 600 mil mortes, é o segundo país do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, em número absoluto de mortos por Covid-19.
KIT COVID FOI USADO
No dia da internação, segundo consta do prontuário médico, Wong autorizou ser medicado com o “kit Covid” da Prevent Senior, composto de hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina. O tratamento precoce durou quatro dias, e Wong passou a usar outros remédios, todos sem comprovação pela ciência, diz a revista. Recebeu heparina inalatória, cujo efeito em infecções virais é desconhecido, e metotrexato venoso, tradicionalmente prescrito no tratamento de doenças autoimunes e inflamatórias crônicas, como artrite, mas sem efeito comprovado contra a Covid.
Juntamente com essa leva de tratamentos experimentais, Wong recebeu mais de vinte sessões de ozonioterapia retal, tratamento que até mesmo o Ministério da Saúde no governo Bolsonaro desaconselha.
Segundo o prontuário, a médica responsável pelo paciente era justamente Nise Yamaguchi. No nono dia de tratamento, Wong desenvolveu uma hemorragia digestiva que, segundo o prontuário, foi revertida em menos de 24 horas, depois de ele ter recebido transfusões de sangue. Durante o restante do período, ele deixou de ser medicado com o kit Covid — ficou apenas com a ozonioterapia e o metotrexato venoso. Wong também desenvolveu insuficiência renal e foi submetido a frequentes sessões de hemodiálise
O médico faleceu às 17h25 do dia 15 de janeiro. O atestado de óbito, no entanto, não registrou a presença sabida de Covid-19. Ouvido pela revista, o epidemiologista Wanderson Oliveira afirmou que “a declaração de óbito deveria mostrar o código para Covid senão como causa básica da morte, ao menos como causa secundária”. Wanderson Oliveira foi o responsável pela elaboração dos protocolos de manejo de corpos do Ministério da Saúde quando era secretário de Vigilância em Saúde, na gestão de Luiz Henrique Mandetta.