
Entre as “causas profundas” às quais o presidente russo se refere, tem principalidade o fim da perseguição pelo regime neonazi – instalado na Ucrânia com participação dos EUA no golpe de 2014 – aos falantes de russo, sua língua, seus símbolos, sua integridade com a cultura russa
A Rússia “está pronta” para trabalhar com Kiev sobre um possível futuro tratado de paz, disse o presidente russo Vladimir Putin comentando com jornalistas sua conversa telefônica desta segunda-feira (19) com o presidente norte-americano Donald Trump, que considerou “significativa, franca e muito útil”, acrescentando que “estamos no caminho certo”.
A conversa durou mais de duas horas e ocorreu em Sochi, no Mar Negro, a partir de uma escola de música para superdotados, na qual Putin participou de uma reunião do conselho da entidade.
“Concordamos com o presidente dos Estados Unidos que a Rússia proporá e está pronta para trabalhar com o lado ucraniano em um memorando sobre um possível futuro acordo de paz, definindo uma série de posições, como, por exemplo, os princípios de solução e o momento de um possível acordo de paz. Incluindo um possível cessar-fogo por um determinado período, se acordos apropriados forem alcançados”, destacou Putin.
O presidente russo reiterou que a posição russa é clara e “o principal para nós é eliminar as causas profundas desta crise”.
Putin observou que a Ucrânia foi levada à mesa de negociações graças ao apoio dos EUA. “Agradeci ao Presidente dos Estados Unidos por seu apoio à retomada das negociações diretas entre a Rússia e a Ucrânia [em Istambul] sobre a possível conclusão de um acordo de paz. Retomada das negociações, que foram interrompidas pelo lado ucraniano, como se sabe, em 2022”.
Ainda segundo Putin, o presidente norte-americano declarou sua posição sobre a cessação das hostilidades, um cessar-fogo, e observou que a Rússia também defende uma resolução pacífica para a crise ucraniana.
“Os contatos entre os participantes da reunião e as negociações em Istambul foram retomados, o que nos leva a crer que, em geral, estamos no caminho certo. A questão, claro, é que os lados russo e ucraniano demonstrem o máximo desejo de paz e encontrem compromissos que sejam vantajosos para todas as partes”, assinalou Putin.
O presidente Trump se manifestou sobre a conversa telefônica com Putin através de sua rede Truth Social, dizendo acreditar que “correu muito bem”.
“Rússia e Ucrânia iniciarão imediatamente negociações para um cessar-fogo e, mais importante, para o fim da guerra. As condições para isso serão negociadas entre as duas partes. O tom e o espírito da conversa foram excelentes”.
O presidente norte-americano também mostrou estar aberto a uma parceria comercial com a Rússia, que afirmou ter “potencial ilimitado” e a participar da reconstrução da Ucrânia.
Zelensky, com quem Trump falara por alguns minutos antes da conversa do chefe da Casa Branca com Putin, já foi posto a par dos resultados, assim como alguns líderes europeus, segundo a mídia.
O enviado especial de Trump para a crise na Ucrânia, Steve Witkoff, já previra que a conversa seria “um sucesso”, enquanto certos órgãos da mídia imperial torciam abertamente pelo seu fracasso e por mais sanções contra a Rússia. “Sua sensação é que ele precisa falar ao telefone com o presidente Putin, e isso vai resolver parte do impasse e nos levar ao ponto que precisamos”, disse o enviado de Trump, Steve Witkoff. “Acho que será uma ligação muito bem-sucedida.”
A conversa Trump-Putin foi confirmada no sábado (17) pelo porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, confirmou, no sábado (17), que uma conversa telefônica entre os dois presidentes está sendo preparada. Na véspera, os representantes de Moscou e Kiev se reuniram em Istambul pela primeira vez em três anos. Após as negociações, o chefe da delegação russa, Vladimir Medinsky, declarou que o lado russo está “satisfeito com o resultado e pronto para continuar o contato”.
As “causas profundas” a que Putin se refere frequentemente são a expansão da Otan para leste, até às portas da Rússia, apesar dos compromissos assumidos quando da reunificação alemã, bem como a quebra do princípio da segurança indivisível proclamada pelas Ata de Helsinki. Ao que se somam o golpe de 2014 que instaurou um regime neonazi, que passou a perseguir os falantes de russo, os crentes ortodoxos e os símbolos russos e soviéticos e o cínico descumprimento dos acordos de Minsk. Até que a iminência de uma operação de limpeza étnica no Donbass forçou a Rússia a agir, depois de oito anos de guerra de Kiev contra a população etnicamente russa. Observe-se que absorção da Ucrânia pela Otan se daria após os EUA rasgar em 2019 o tratado INF Reagan-Gorbachev de 1987, que eliminara a ameaça de guerra nuclear no teatro europeu, agravando a urgência da crise no Mar Negro.
Depois de todos os rasga-acordos já cometidos contra a Rússia desde 1997, o que inclui Kiev – 2014, Minsk-2015 e Istambul-2022, não é surpresa que Moscou exija garantias efetivas e a “eliminação das causas profundas”.
Além das confissões de Angela Merkel e de François Hollande de que os acordos de Minsk só foram assinados para dar tempo para armar o regime de Kiev, mais recentemente o então principal negociador em Istambul em 2022 por Kiev, David Arakhamia, admitiu que se chegou a um acordo de não-ingresso na Otan, que foi rasgado com a chegada do premiê britânico, com a ordem de Washington de não assinar, fazer a guerra, que ia ter armas e dinheiro à vontade para os neonazis e sanções excruciantes para Moscou.
“Após o nosso retorno de Istambul, Boris Johnson visitou Kiev e disse que nós não deveríamos assinar nada com os russos e [disse] ‘vamos só continuar lutando’”.
Em suma, as centenas de milhares de soldados ucranianos que morreram na guerra não precisavam ter morrido e a guerra poderia ser evitada simplesmente pela restauração da neutralidade estabelecida na constituição ucraniana desde 1991 e pelo respeito aos direitos dos russos étnicos.