“A contribuição da política fiscal para a recuperação da economia vai ser muito pequena”, advertiu Oreiro. Para Marconi, “o limite de 70% é bastante restritivo”. “O teto de crescimento do gasto primário de 2,5% é muito inferior ao crescimento real médio do gasto nos governos Lula”, diz Pedro Rossi
O novo arcabouço fiscal, apresentado na quinta-feira (30) pelo ministro da Fazenda do governo Lula, Fernando Haddad, recebeu comentários favoráveis de representantes do mercado financeiro e opiniões em tom mais críticos por parte de economistas que defendem uma maior independência do governo em relação à amarras fiscais e monetárias impostas ao país por este mesmo mercado financeiro.
José Luis Oreiro, professor de Economia da UnB, afirmou ao HP que o arcabouço está na dependência da receita e que “não dá para controlá-la, apenas os gastos”. “A meta é um crescimento de meio ponto percentual do superávit primário em relação ao PIB por ano entre 2023 e 2026. “A receita, a princípio, o governo não controla porque depende do comportamento do PIB”, ressaltou o economista.
Oreiro disse ainda que o governo manteve a lógica do teto de gastos, “só que ela dá uma flexibilizada”. “O máximo que o gasto pode crescer entre um ano e outro é 2,5%. Este é o gasto total da União. Só que no gasto total da União estão os gastos previdenciários. Então, para respeitar o teto da banda, os outros itens da despesa vão te que crescer menos”, apontou. “E quais são os outros itens? Você tem dois que são fundamentais, são os gastos com o funcionalismo público e os gastos de investimento”, acrescentou Oreiro.
RECUPERAÇÃO DURANTE CRISES
Ele alerta que, “havendo uma crise, o governo não conseguirá recuperar a economia”. “O que acontece se a economia entrar em recessão? Porque você tem um limite mínimo de crescimento dos gastos que é 0,6% ao ano. Vamos supor que a economia em 2024 caia 2%. A contribuição da política fiscal para a recuperação da economia vai ser muito pequena”, advertiu. Ele ainda destacou que o equilíbrio fiscal se obtém com o crescimento econômico.
Nelson Marconi, professor da FGV-Eaesp e coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo na Fundação Getúlio Vargas, disse à Folha de S. Paulo que a proposta dá uma sinalização importante para o mercado. “Agora, se ela é crível e se realmente vai ser apoiada pela sociedade, vai depender muito das outras medidas que o governo anunciar”, afirma.
Segundo o economista, o desenho proposto pelo governo é melhor e mais flexível, mas alguns pontos ainda precisam ser esclarecidos. O principal é como aumentar a arrecadação. “Se pensarmos num cenário de inflação a 4%, para que a despesa cresça na mesma magnitude, a receita precisaria subir 5,7% acima da inflação. Então o que o governo está apostando no fundo é que vai [conseguir] aumentar a receita”, diz.
Ele lembra que Lula e seus ministros têm prometido uma atenção maior em questões sociais. Por isso, embora as despesas com saúde e educação estejam fora do limite de gastos, há maior expectativa de desembolso para políticas públicas.
LIMITES RESTRITIVOS
O problema, ele diz, “é que a única forma de entregar as promessas, considerando o modelo apresentado, é cortando investimentos ou aumentando o caixa. Como é improvável que o governo adote o primeiro caminho, resta saber qual estratégia será usada para captar mais recursos”.
Segundo Marconi, essas metas também só são factíveis se a arrecadação for consideravelmente crescente. “Combinando o que o governo pretende fazer com o objetivo de superávit, a única forma de alcançar isso é através de crescimento de receita. A não ser que vá cortar recursos para saúde, educação, segurança e fiscalização. Aí chega no superávit”, diz.
Sobre a afirmação de representantes da sistema financeiro de que o limite de gastos nos 70% definidos pelo governo estão num patamar bem calibrado, Marconi discorda. Para ele, “o limite é bastante restritivo, e deve ser elevado no Congresso para algo em torno de 80% ou 90%”. “Acho que o governo está colocando um percentual para negociação, porque [70%] é baixo, dado o que ele está se propondo a fazer”, afirma.
Segundo Marconi, o ideal seria tirar os investimentos da regra. “A política fiscal tem que ser anticíclica. Vincular o crescimento da despesa ao aumento de receita é justamente pró-cíclico”, diz. “Tudo bem que há um piso [para investimentos], mas é fraco”, acrescenta.
Pedro Rossi, economista e professor da Unicamp, destacou em suas redes sociais que “é evidente o avanço em relação ao teto do Guedes, a proposta é mais flexível, tecnicamente bem construída, criativa na tentativa de amenizar o caráter pró-cíclico e até inovadora em alguns aspectos”.
No entanto, prosseguiu o economista da Unicamp, “o teto de crescimento do gasto primário de 2,5% é muito inferior ao crescimento real médio do gasto no governos Lula 1 e 2 (5,2% ao ano) e Dilma (3,5%) e mesmo FHC. Esse crescimento do gasto primário permitiu a expansão dos serviços públicos, programas sociais, seguridade e o investimento publico”.
O professor da Unicamp se somou a Nelson Marconi ao afirmar que as metas fiscais são desnecessariamente exageradas. “A banda é um avanço em relação ao regime de metas tradicional, mas poderia ter metas menos ambiciosas e bandas mais largas para acomodar choques. A utilização do excedente do primário para investimento também é boa, mas a alternativa seria tirar o investimento do teto”, afirmou.
PRIORIDADE NO CRESCIMENTO
“O objetivo central da politica econômica deveria ser emprego e o crescimento. Aliás, o Brasil vai estabilizar a divida quando voltar a crescer de verdade. Para isso o gasto público é fundamental”, acrescentou. “A prioridade dada ao resultado fiscal e estabilidade da divida pode custar caro. O risco é a regra representar mais um freio na economia (além do monetário) e aumentar a chance da extrema direita voltar em 4 anos”, defendeu Rossi.
Pedro Rossi disse ainda que o fim dos limites à Saúde e Educação é bom, mas advertiu para alguns problemas. “Com o fim da EC95 temos a volta dos antigos pisos constitucionais da saúde e educação. Isso é muito bom mas pouco compatível com o teto: se a receita cresce 10%, saúde e educação vão crescer 10% mas o conjunto dos gastos vai crescer 2,5%, o que cria um problema no orçamento”, disse.
Para o economista, “considerada a atual previsão de crescimento e carga tributaria, o teto de 2,5% não deve ser atingido no governo Lula. Ou seja, o gasto cresce menos a não ser que o governo aumente a carga tributaria”.
Rossi advertiu que as regras podem acabar reduzindo o tamanho do Estado. “A relação gasto/PIB pode cair se não houver aumento de carga tributaria, ou um crescimento do PIB não desejado (negativo ou próximo de zero). Ou seja, a regra não garante a sustentação do patamar de gasto/PIB e o tamanho do Estado na economia pode diminuir”, afirmou.
O economista apontou que “o novo teto de gastos vai ter o mesmo problema do teto anterior: um ‘efeito achatamento’ onde algum gastos (como seguridade, saúde, educação, bolsa família turbinado) crescem mais e pressionam outros gastos, especialmente discricionários”. “Isso dará pouca margem para expansão do investimento publico dentro do teto (apesar do novo piso que o protege de cortes), para aumentos do salario mínimo que pressiona a seguridade, e para o funcionalismo publico”, alertou.
Pedro Rossi assinala a dificuldade de se garantir investimentos relevantes. “No caso do investimento vale destacar que o excesso de superávit (para além do limite superior da banda) vira investimento. Logo uma expansão relevante do investimento vai depender da geração desses superávits”, afirmou o professor.
Ele chama a atenção para as pressões pelo desvinculamento do orçamento. “O governo vai ter que cortar gastos em outras áreas em meio à fartura para garantir os pisos constitucionais. Voltaremos ao debate sobre reformas para liberar gastos discricionários, rever pisos constitucionais da saúde e educação, gastos obrigatórios, peso do funcionalismo, etc”, denunciou.
BOA VONTADE DO BANCO CENTRAL
Assim como Oreiro, Rossi também alerta para as dificuldades que ocorrerão em períodos de crise. “O piso mínimo para o crescimento do gasto 0,6% é insuficiente em caso de uma recessão ou mesmo para a recuperação econômica que precisamos. A ver se o texto vai trazer clausulas de escape”, observou. “O instrumento de política expansionista fica atrofiado. O estimulo econômico vai depender muito mais da composição do gasto, de políticas de crédito, das estatais e do cenário externo, e também da boa vontade do Banco Central”, acrescentou.
“Se o primário ficar abaixo do piso da banda da meta, o gatilho para reduzir o crescimento das despesas em 50% da receita é duro e pró-ciclico, considerando que o resultado normalmente não é atingido em caso de PIB e receita abaixo do previsto”, apontou. “Ou seja, pode haver momento de economia em desaceleração precisando de estimulo publico e o regime vai prever desaceleração do gasto”, prosseguiu Rossi.
“Nos últimos anos, fomos pautados pela necessidade de um teto de gastos que nunca foi imprescindível. No governo FHC não tinha teto, no Lula também. O gasto público no governo Lula cresceu em torno de 5% ao ano em termos reais, o resultado primário era alto e a dívida caiu”, observou.
Todos esses economistas se alinham com a opinião expressada por André Lara Resende, em entrevista à jornalista da Globo, Miriam Leitão, na quarta-feira (29) de que não há crise fiscal e nem descontrole da dívida. Ele lembrou que “a dívida pública é em reais, moeda emitida pelo governo – e não está fora do controle como apregoam os representantes do mercado financeiro”. Resende destacou que a única saída para a crise do país é o aumento dos investimentos públicos.
“O Brasil tem hoje quase 20%, um pouco menos, de reservas internacionais, ou seja, ele vendeu mais do que importou e isso criou reservas, o que é uma extraordinária segurança pro Brasil. É óbvio que essas reservas internacionais têm que ser deduzidas. É algo que o país tem de um ativo que tem que ser deduzido do passivo, que é a dívida que ele emitiu. Se você pegar 73% e deduzir os 20% dá 53%”, disse Lara Resende.
NÃO HÁ CRISE FISCAL
Ele acrescentou que “o Tesouro tem uma conta única do Tesouro no Banco Central e essa conta no final do ano passado estava com quase 10% do PIB em moeda. É um ativo do Tesouro. O Tesouro emitiu a dívida estava com moeda. Os dois, moeda e dívida, são passivos do Tesouro. Então ele só fez uma troca: ele disse emiti mais de dívida e retirei da moeda que está na minha conta no Banco Central. Isso também tem que ser deduzido para a dívida líquida líquida das reservas internacionais e das reservas em reais do Tesouro no Banco Central. E isso nós chegamos ao número de 45% do PIB”, destacou o economista.
Questionado sobre a ata do Copom, Lara Resende disse que foi “arrogância”. “O BC está se arvorando com uma equipe de jovens tecnocratas que acreditam piamente nos modelinhos equivocados que eles estão olhando e se acham no direito de passar pito no Congresso, o presidente eleito e o Judiciário. O BC, com a autonomia que lhe foi concedida, passou a se considerar um quarto poder. É um quarto poder que dá lições de moral e se considera acima dos demais poderes. É muito preocupante”, afirmou.