O que há de mais suspeito na prisão dos supostos “hackers” de Araraquara (logo na Morada do Sol!) é a euforia desbragada do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.
Como se as prisões fossem uma absolvição dos delitos que cometeu na função de juiz, colocando em risco os resultados de uma das mais importantes operações já realizadas no país, a Operação Lava Jato.
Vamos admitir, só para raciocinar, que os “hackers” que foram presos tenham sido a fonte das mensagens de The Intercept Brasil.
Isso está longe de estar provado, mas vamos admiti-lo, por um momento.
Mas isso não é a prova de que as mensagens são verdadeiras?
Porque, aquilo que importa no caso é exatamente isso: se as mensagens de Moro para o procurador Dallagnol são verdadeiras ou não.
No mandado de busca, assinado pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, são citados, como vítimas do ataque, Sérgio Moro, o desembargador federal Abel Gomes, do TRF-2, o juiz federal Flávio Lucas e os delegados da PF Rafael Fernandes e Flávio Vieite.
O procurador Deltan Dallagnol não aparece como vítima do “hackeamento”. O “hackeado” é Moro.
Depois, em comunicados posteriores da PF, apareceram “indícios” de 1.000 vítimas, inclusive, na manhã da quinta-feira (25/07), Bolsonaro (diz a nota do Ministério da Justiça que “aparelhos celulares utilizados pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, foram alvos de ataques pelo grupo de hackers preso na última terça feira (23). Por questão de segurança nacional, o fato foi devidamente comunicado ao presidente da República”).
Claro, só faltava Bolsonaro. O que torna tudo mais suspeito, inclusive porque um dos presos, Gustavo Henrique Elias Santos (ou DJ Guto Dubra), era um fanático bolsonarista (v. a reportagem de Ivan Longo, Um dos “hackers” de Araraquara é apoiador de Bolsonaro).
Mas, voltemos à nossa hipótese: admitindo-se que os presos “hackearam” Moro – e que essa foi a fonte das mensagens publicadas por The Intercept Brasil – essa seria uma prova de sua veracidade.
No entanto, diz o ministro Moro que não é assim. Em sua nota, diz ele: “Pessoas com antecedentes criminais, envolvidas em várias espécies de crimes. Elas, a fonte de confiança daqueles que divulgaram as supostas mensagens obtidas pelo crime”.
Mas, afinal de contas, se Moro diz que foi “hackeado”, por que as mensagens são “supostas”?
Será que os hackers, depois da trabalheira desgraçada para conseguir as mensagens, se deram ao trabalho de alterá-las?
Pois é isso o que Moro está insinuando.
Mas por que ele não diz isso claramente?
Por que foi incapaz de apontar um único trecho que tenha sido alterado, mesmo quando instado a fazê-lo, pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), em seu depoimento na Câmara? (v. HP 03/07/2019, Moro não responde a Molon: “existe algum diálogo que V. Exª negue?”).
É óbvio que Moro quer, ainda, manter duas versões diferentes – a de que foi “hackeado” e a de que as mensagens são falsas, como se tivesse duas almas, ou como se a realidade pudesse ser uma coisa e outra coisa ao mesmo tempo.
Mas, se são falsas, por que ter o trabalho de “hackeá-las”?
C.L.
Abaixo, as notas de The Intercept Brasil, do jornal Folha de S. Paulo e da revista Veja, que publicaram as mensagens de Moro e Dallagnol, sobre a operação da PF:
Nota de The Intercept Brasil
O Intercept Brasil, assim como a melhor imprensa mundial, não comenta assuntos relacionados à identidade de suas fontes anônimas.
O sigilo de fonte é um direito garantido pela Constituição Federal brasileira de 1988.
A tentativa de ligar supostos hackers ao Intercept Brasil é mais uma etapa dos constantes ataques aos quais nossa redação tem sido submetida desde que iniciou a publicar a série “As mensagens secretas da Lava Jato”. Trata-se de um claro ataque à liberdade de imprensa.
A operação deflagrada pela Polícia Federal não muda o fato de que a Constituição Federal garante o direito do Intercept de publicar suas reportagens e manter o sigilo da fonte, mesmo direito garantido para toda a imprensa brasileira.
O Intercept Brasil vê com preocupação as conclusões precipitadas do ministro Sergio Moro sobre uma investigação que sequer teve seu inquérito concluído. Esperamos que a polícia federal, comandada por Moro, tenha autonomia para conduzir uma investigação isenta, investigação essa que interessa diretamente ao ministro Moro.
O Intercept Brasil continuará exercendo seu trabalho com o rigor jornalístico que sempre pautou sua redação, firme em seu compromisso com o interesse público e com as premissas do bom jornalismo investigativo.
Nota da Folha de S. Paulo
A Folha teve acesso ao pacote de mensagens atribuídas aos procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato e ao então juiz Sergio Moro e obtidas pelo site The Intercept Brasil. O site permitiu que o jornal analisasse o seu acervo, que diz ter recebido de uma fonte anônima.
A Folha não detectou nenhum indício de que ele possa ter sido adulterado. O jornal já publicou cinco reportagens decorrentes deste acesso. A Folha não comete ato ilícito para obter informações, nem pede que ato ilícito seja cometido neste sentido; pode, no entanto, publicar informações que foram fruto de ato ilícito se houver interesse público no material apurado.
Nota da Veja
No dia 7 de junho, VEJA estabeleceu uma parceria com o The Intercept Brasil com o objetivo de analisar tecnicamente e jornalisticamente o material obtido pelo site. Nas tratativas, o jornalista Glenn Greenwald afirmou que o material lhe foi repassado por uma fonte anônima.
Dadas as garantias constitucionais de sigilo da fonte, não temos informação sobre quem seria tal pessoa ou como ela obteve o conjunto de diálogos. Realizamos uma análise da autenticidade das mensagens, que comprovou a veracidade delas, e a partir de um criterioso trabalho e em nome do interesse público, decidimos publicar as reportagens sobre a conduta do ex-juiz Sergio Moro.
Isso porque as mensagens mostraram claras violações ao devido processo legal, pedra fundamental do Estado de Direito.