O jurista Cezar Peluso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), participou na quarta-feira (5) de uma audiência pública na comissão especial criada para analisar a proposta de emenda à Constituição que permite a execução da pena após condenação em segunda instância (PEC 199/19).
Peluso afirmou que a ideia de estabelecer o trânsito em julgado da ação penal após o julgamento em segunda instância é economizar tempo na análise de recursos protelatórios pela Justiça brasileira. Não se trata, segundo ele, de acelerar a prisão de ninguém.
“Os recursos acabam sobrecarregando os tribunais superiores. As nossas cortes superiores não têm condições de responder a demanda de processos. Está acima da capacidade pessoal dos ministros e da engrenagem desses tribunais”, explicou.
O ex-presidente do STF é considerado por deputados o autor intelectual da PEC 199/19, apresentada pelo deputado Alex Manente (Cidadania-SP).
Quando ainda presidia a Corte, em 2011, ele propôs reduzir o número de recursos ao Supremo e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de um projeto que ficou conhecido como “PEC dos Recursos”.
Na opinião do ministro aposentado, o número excessivo de recursos é a principal causa do retardamento dos processos e sobrecarregam as cortes superiores. Ele avalia que o sistema atual também estimula atividades ilícitas, já que a demora na solução do processo permite que o infrator continue recebendo os benefícios do crime até que a questão transite em julgado.
“A proposta é que se retire da admissibilidade dos recursos extraordinários e especiais o efeito jurídico de impedir o trânsito em julgado das decisões em segundo grau”, argumentou.
“Não estou preocupado em prender ninguém, nem em aumentar a população carcerária no Brasil, que já não é pequena. O que me inspirou e continua a me inspirar hoje é a chamada crise do Judiciário, consistente no fato absurdo de que as respostas jurisdicionais não são oportunas”, acrescentou Peluso.
A reunião fez parte da agenda do colegiado para debater a proposta sob os aspectos da constitucionalidade, segurança jurídica e impacto à presunção de inocência. Segundo o cronograma aprovado pelos parlamentares, a comissão fará oito audiências públicas.
PEC 199
O texto de Alex Manente modifica os artigos 102 e 105 da Constituição, acabando com o recurso extraordinário, apresentado ao STF, e com o recurso especial, apresentado ao STJ.
De acordo com a PEC, o réu só poderá recorrer até a segunda instância e, depois disso, o processo transitará em julgado. O caso até poderá seguir para os tribunais superiores, mas por meio de uma nova ação para questionar aspectos formais da sentença.
Atualmente, o trânsito em julgado ocorre depois do julgamento de recursos no STJ e STF, o que pode demorar anos.
A única divergência entre Peluso e a proposta de Manente diz respeito à forma de admissibilidade do recurso contra a decisão de segunda instância. Segundo o ex-ministro, qualquer decisão de segundo grau continuaria a admitir recurso; mas, neste caso, o recurso não impediria o trânsito em julgado nem o início do cumprimento da pena.
“Os recursos ficam como estão, mas só que tiramos dos dois recursos, do extraordinário e do especial, o efeito de impedir o trânsito em julgado. Tem que modificar a decisão? Se for o caso, modifica. Tem que anular a decisão? Se for o caso, anula e ponto final”, explicou.
“Não há redução dos direitos individuais, tampouco fere a presunção de inocência. O princípio em si em nada é afetado”, assinalou Cezar Peluso.
A fala do ex-ministro foi bem acolhida na comissão especial. “Nós estaremos suprimindo dois recursos, mas permitindo o acesso aos tribunais superiores, antecipando o trânsito em julgado. Vamos acelerar acentuadamente a tramitação dos processos e a sua efetividade. Hoje, apenas depois da quarta instância (STF), é que as decisões são implementadas. Agora não: aprovada a PEC, é a segunda”, disse o relator da proposta, deputado Fábio Trad (PSD-MS).
Para o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), autor do requerimento para a realização da audiência pública, a Câmara dos Deputados acerta ao colocar em debate uma proposta “que rompe com a iniquidade do sistema judiciário brasileiro”. “Nós estamos propondo a ruptura com a morosidade. Estamos propondo a ruptura com recursos protelatórios e estamos propondo, ao mesmo tempo, a superação do debate ‘fulanizado’ em matéria penal”, disse.
Ele defendeu ainda que a eliminação de recursos meramente protelatórios no direito penal deve valer também para crimes tributários e na área do direito trabalhista.
“Não é razoável que um trabalhador tenha uma vitória e sequer veja o resultado daquela causa que venceu, porque os poderosos têm instrumentos protelatórios”, frisou.
O plano dos deputados é votar a PEC até o fim de março na comissão especial, permitindo sua análise no plenário da Câmara já em abril e pelo Senado até o fim do semestre. Segundo Alex Manente, será uma “resposta no combate à corrupção e à impunidade”.