O governo Bolsonaro, afoito em entregar a Eletrobrás ao capital estrangeiro, está colocando em xeque também os destinos da Eletronuclear e do programa nuclear brasileiro, denuncia a Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobrás (AESEL), em reportagem da Sputnik Brasil.
A Eletronuclear e a Itaipu Binacional, hoje sob o controle da Eletrobrás, não podem ser privatizadas.
A Eletronuclear realiza atividade considerada monopólio da União pela Constituição Federal, enquanto a Itaipu Binacional é regulada por acordos com o Paraguai e tampouco pode ir para o controle privado. No entanto, o governo propôs colocar essas empresas sob o controle da recém-criada Empresa Brasileira de Participações (ENBPar), que será a responsável pelo ramo estatal da Eletrobras privatizada.
“O primeiro problema é que a maior parte do capital da ENBPar será privado”, denunciou o presidente da Associação, Ikaro Chaves. “O controle formal será estatal, mas o controle do capital será privado”.
Chaves também aponta que 70% do capital da Eletronuclear virá da Eletrobrás privatizada, “e não sabemos qual o grupo que terá controle da empresa: se serão fundos de investimentos dos EUA, da China ou dos Emirados Árabes Unidos. Ninguém sabe”, destacou.
Outro problema apontado por Ikaro é que as resoluções do Conselho do Programa de Parcerias e Investimentos estipulam que o diretor financeiro da Eletronuclear será indicado pela Eletrobrás privatizada.
“Vai ser a primeira empresa estatal brasileira na qual um diretor não vai poder ser indicado pelo pesidente da República, mas sim por uma empresa privada”. Toda a política financeira da Eletronuclear vai ser decidida pelo ente privado”, alertou o presidente da AESEL.
Ikaro Chaves explica que hoje a Eletrobrás finanrcia as operações da Eletronuclear e, uma vez privatizada, não está claro se a Eletrobrás terá interesse em manter esse aporte de capital no programa nuclear brasileiro.
“Apesar de ser muito importante do ponto de vista da soberania e do desenvolvimento tecnológico nacional, o programa nuclear brasileiro não é rentável”. “A Eletronuclear é quem garante o financiamento de todo o processo, desde a prospecção e mineração de urânio até a produção do combustível nuclear”, explicou Ikaro Chaves.
INFORMAÇÕES SIGILOSAS
O programa atômico brasileiro é considerado um dos mais bem-sucedidos do mundo. O Brasil detém uma tecnologia de enriquecimento de urânio e um desenho de suas ultracentrífugas que são um dos principais segredos industriais do país. E, em caso de privatização da Eletrobrás, há risco de que informações sigilosas do programa nuclear brasileiro sejam acessadas por entidades privadas.
De acordo com especialista ouvidos pela reportagem da Sputnik Brasil, o Conselho do Programa de Parcerias e Investimentos do governo recomenda a criação de um Comitê Estatuário de Acompanhamento do Projeto da Usina Termonuclear de Angra 3 (COANGRA), que seria formado por dois representantes da Eletrobrás privatizada, dois da Eletronuclear e um indicado em comum acordo.
“Consideramos isso ilegal, porque uma empresa estatal não pode ter um comitê de maneira paritária com uma empresa privada”, criticou o presidente da AESEL. “Os membros do COANGRA vão ter acesso ao projeto da usina de Angra 3, que seria totalmente escrutinado por uma empresa privada”.
Além disso, o governo ainda não apresentou solução para o fato de que a Eletrobrás privatizada teria cadeira no Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro (Sipron), criado para proteger informações sigilosas.
“A participação da Eletrobrás no Sipron terá que ser reavaliada e, provavelmente, substituída pela participação da ENBPar ou da Eletronuclear”, considerou Chaves. “Mas a Eletrobrás será sócia dessas empresas, então o fato é que ela terá acesso às informações.”
Apesar do papel fundamental da Eletronuclear na geração de energia, é na empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB) que estão as informações mais sensíveis do programa nuclear brasileiro.
Vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), a INB é a única empresa nacional que realiza o processo de enriquecimento de urânio, que pode ser utilizado tanto para fins civis quanto militares. Nas instalações da empresa em Resende, no Rio de Janeiro, é produzido o combustível nuclear que alimenta as usinas de Angra 1 e 2.
A reportagem afirma que o MME tem a intenção de integrar a INB na ENBPar após a possível privatização da Eletrobrás. “Existe o risco da tecnologia das ultracentrífugas acabar em mãos estrangeiras no mercado internacional”, disse uma fonte próxima à Eletronuclear ouvida pela Sputnik Brasil.
O presidente da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras destaca que todos esses riscos “não foram avaliados, nem discutidos com a sociedade. Não há transparência nenhuma no processo [de privatização da Eletrobrás]”.
“Estamos lidando aqui com a indústria nuclear, que é estratégica e opera com uma tecnologia dual”. “Não podemos dar esse tiro no escuro”, declarou Chaves.