A onda privatista do governo Tarcísio ameaça o sistema de recuperação de jovens de São Paulo. Segundo o presidente do Sindicato da Socioeducação de São Paulo (SITSESP), Neemias Souza, a ameaça de privatização da Fundação Casa, órgão responsável pelo sistema em São Paulo, tem gerado grande preocupação, especialmente pelos servidores que prestam atendimento socioeducativo, e que lidam diariamente com jovens envolvidos em infrações que variam desde delitos leves até crimes graves.
O sindicalista destaca que “manter o caráter público da socioeducação na Fundação Casa é basilar para um sistema socioeducativo eficaz e alinhado com os princípios da justiça social e a garantia da efetiva reintegração dos jovens atendidos à sociedade, além de assegurar os direitos e a dignidade dos trabalhadores envolvidos”.
Para Neemias, a lógica mercantil da privatização compromete a essência do atendimento socioeducativo. Ele argumenta que “a privatização do sistema socioeducativo transforma esses jovens em objetos de lucro, em mercadorias, desrespeitando o propósito da Fundação Casa”.
Privatizar o atendimento socioeducativo significa “priorizar o lucro sobre o cuidado, comprometendo diretamente a reintegração desses adolescentes na sociedade”. Segundo ele, a mudança da gestão pública para privada não garante a manutenção da qualidade no atendimento e pode, ao contrário, “colocar em risco os direitos e o bem-estar dos jovens e dos trabalhadores que estão no sistema”.
Relatórios do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura indicam que a privatização em outros estados resultou em violações de direitos humanos e falhas operacionais graves.
Neemias lembra que “modelos de cogestão e parcerias público-privadas na área de socioeducação e no sistema prisional foram denunciados por violações de direitos, demonstrando que a privatização não é uma solução eficiente para os problemas atuais”.
Ele também critica a alocação de recursos na proposta de privatização, afirmando que “a proposta de privatização desvia recursos que deveriam ser investidos no fortalecimento da rede socioassistencial, de saúde e nas políticas educacionais”.
Neemias aponta que “medidas socioeducativas em meio aberto, que têm prioridade constitucional e legal sobre as medidas privativas de liberdade, têm sido negligenciadas”. Além disso, a privatização favorece a expansão das unidades de internação, “contrariando as recomendações que apontam para a necessidade de medidas alternativas à privação de liberdade”.
Ele ressalta que a história das Parcerias Público-Privadas (PPPs) no Brasil mostra problemas frequentes, como atrasos em obras, inadequação de performance e falta de transparência. Ele menciona que “até 2016, de 93 contratos de PPP assinados, 23 enfrentavam múltiplos problemas, incluindo processos administrativos e performance insatisfatória das concessionárias”. Experiências de privatização em áreas como “a Arena Pernambuco e o Centro de Ressocialização de Pernambuco foram encerradas antes do prazo devido a falhas significativas”.
O impacto da privatização é particularmente severo sobre adolescentes e jovens negros, pobres e moradores de periferias, reforçando a seleção e o racismo estrutural. Neemias observa que “a privatização intensifica essa situação, impactando negativamente famílias negras e em situação de pobreza, as quais são constantemente criminalizadas e institucionalizadas pelo Estado”. A falta de espaços de diálogo e participação para essas famílias e jovens no processo de decisão sobre a privatização é outro ponto de crítica, evidenciando a marginalização contínua dessas vozes.
O sindicalista conclui que “não vejo com bons olhos a atual proposta política de privatização da Fundação Casa”. Ele acredita na necessidade de trazer essa questão à sociedade e às autoridades, sempre defendendo “a manutenção dos empregos, a preservação dos direitos laborais e a garantia de um atendimento qualitativo, e não quantitativo, aos adolescentes inseridos no sistema”.