
“Virou uma farra do boi de sob-demanda a preço fixo”, critica economista
A conclusão da entrega da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) à iniciativa privada é criticada por sindicatos, economistas, parlamentares, especialistas – e até por agentes do mercado financeiro. O economista Eduardo Moreira, por exemplo, disse que a Sabesp, a maior empresa de saneamento da América Latina, está sendo usada como cabo eleitoral do governador bolsonarista Tarcísio de Freitas, pré-candidato à eleição presidencial em 2026, no lugar de Jair Bolsonaro (PL), que está inelegível. “Jogo 100% político”.
“Ele [Tarcísio] simplesmente comprou, muito bem pago com o nosso dinheiro, o apoio eleitoral do mercado. Ele deu um cheque de quase R$ 2 bilhões para comprar a simpatia, amizade eterna, lealdade e apoio do mercado financeiro, e da mídia de que esse mercado é dono. Um naco grande dessas empresas é dos fundos de investimento. O jogo da Sabesp é um jogo 100% político”, enfatizou Eduardo.
“A maior privataria que já foi feita neste país. Em termos de valor, penso que seja equivalente ao que foi feito com a Vale no Governo Fernando Henrique Cardoso”, compara Amauri Pollachi, conselheiro do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento) e diretor da APU (Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp).
As ações da companhia foram vendidas na Bolsa de Valores (B3) nesta segunda-feira (22) a R$ 67 cada, valor 18,3% abaixo dos R$ 87, preço de fechamento na última quinta-feira (18). A venda de 32% da Sabesp resultou em R$ 14,8 bilhões aos cofres do governo paulista e representa uma perda de pelo menos R$ 4,5 bilhões aos cofres estaduais. O valor é quase um terço dos R$ 14,8 bilhões arrecadados com a privatização. “Um escândalo!”, definiu Amauri.
A Equatorial Energia, eleita em ranking da Aneel como a pior empresa de energia do país e que não possui experiência em saneamento, comprou 15% das ações. Outros 17% em ações da companhia foram vendidos de forma pulverizada a outros investidores. Não foi divulgado ainda quem são os principais compradores dos papéis: bancos, fundos de investimentos ou estrangeiros, por exemplo.
“O projeto privatista de Tarcísio de Freitas, além de destruir o patrimônio do povo paulista e condenar milhões a serviços precarizados e tarifas abusivas, já contabiliza uma perda de R$ 4,5 bilhões aos cofres estaduais. A cifra se refere à lambança de Tarcísio com a proposta de privatização da Sabesp”, denunciou o Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de SP).
“Vale lembrar que o Sintaema encomendou um estudo, que foi apresentado ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) e ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), no qual aponta que cada ação da Sabesp vale R$ 103,90. Considerando esse preço, o governo paulista deixou de colocar nos cofres públicos cerca de R$ 8 bilhões ao vendê-las por R$ 67”, ressaltou a entidade.
O sócio associado da Kipuinvest, Roberto Nemr, comparou, em postagem no LinkedIn, a liquidação da empresa a uma “Black Friday fora de época”. “De todas as coisas absurdas que já vi na vida, essa privatização da Sabesp a preço subsidiado foi a mais bizarra. Virou uma farra do boi de sob-demanda a preço fixo quando o certo seria aumentar o preço para ajustar a demanda fictícia”.
“O povo de SP irá lamentar por décadas essa negociata comandada pelo governo do estado e pela prefeitura. A Sabesp foi entregue de mãos beijadas em um leilão que só teve uma empresa interessada, justamente a que trabalhou a atual chefe do Conselho. Raposa cuidando do galinheiro!”, disse pelo X o deputado federal Orlando Silva (PCdoB/SP).
Para o deputado estadual Guilherme Cortez (PSOL), que desde o início denunciou as irregularidades no processo de privatização da Sabesp, essa foi entregue a um preço subestimado para uma empresa sem histórico em saneamento básico. “A satisfação no olhar de quem vendeu o direito à água do povo de São Paulo. Hoje, a Sabesp foi entregue por um preço abaixo do valor de mercado para uma empresa sem experiência em saneamento básico. Lembrem-se desses rostos quando a conta aumentar e faltar água na torneira”, postou em suas redes.
Carlos Zarattini, deputado federal (PT-SP), também usou as redes sociais para protestar contra a privatização da Sabesp e a entrega da ex-estatal à Equatorial Energia, que se tornou a investidora estratégica na companhia. “Com sorriso no rosto e muita comemoração, Tarcísio de Freitas vendeu a Sabesp. Nesta história, quem sai feliz também é o mercado financeiro e os investidores da Equatorial, que ganharam de mão beijada uma das empresas mais eficientes e lucrativas da América Latina”.
“Enquanto a população de São Paulo, onde a maioria foi contra esse absurdo, terá que arcar com as consequências, ou melhor dizendo, prejuízos, desse leilão criminoso”, denunciou Zarattini.
“Nesse processo, ela (Sabesp) foi vendida por R$ 4,5 bilhões abaixo de seu valor real de mercado, e em troca a conta de água SUBIU 5,4%”, afirmou pelo X Erica Hilton, deputada federal por SP (PSOL). “E a negociação, que Tarcísio dizia que arrecadaria R$ 30 bilhões, vai arrecadar aproximadamente R$ 15 bilhões. Mas seu governo diz que isso é um ‘sucesso'”, completou Erica.
Hélio Rodrigues (PT), um dos vereadores que encabeçou a luta em defesa da Sabesp pública na Câmara Municipal de SP, disse que Tarcísio e “seu parceiro Ricardo Nunes (prefeito de SP), amigos de Bolsonaro”, estão comemorando a efetivação da privatização da Sabesp ao custo da perda de cerca de R$ 4,5 bilhões pelos cofres públicos estaduais.
“As ações da estatal de saneamento”, continua o parlamentar, “foram vendidas por cerca de 22% a menos do que valem hoje”, denuncia. “E não digam que não avisamos. Parabéns aos envolvidos!”, ironizou Hélio em seus stories.