“A empresa privada busca o lucro, busca o resultado financeiro. Se para ter o resultado tiver que se desfazer do corpo técnico excelente que se tem hoje na Sabesp, ela vai se desfazer”, denuncia o Sindicato dos Engenheiros de SP
Nesta quarta-feira (10), o Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo (Seesp) sediou um debate para discutir as consequências para a população paulista, caso a privatização da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) seja levada a cabo pelo governo de Tarcísio de Freitas. A atividade foi organizada em conjunto com o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema) e pelo PCdoB-SP.
O presidente do Sindicato dos Engenheiros, Murilo Pinheiro, lembrou que “o que está acontecendo hoje com a Sabesp nós já vivemos com as energéticas e o resultado foi péssimo. Eu vim de lá e posso dizer que nós lutamos muito. Eu acho que nesse momento todo movimento pudermos fazer contra a privatização é muito importante”.
O engenheiro apresentou uma proposta de agir junto com as prefeituras para pressionar o governo do Estado e convidar Tarcísio de Freitas para dialogar com o movimento.
“É importante que nós façamos o convite aos prefeitos do interior para participar de uma reunião conosco. Nós podemos explicar o que as prefeituras vão perder, o que vai acontecer se a Sabesp for privatizada. É um momento muito importante e nós podemos fazer isso. Trazer aqui os prefeitos e discutir a privatização. É o único jeito de interferir diretamente. Nós temos muitos deputados que estão do nosso lado, mas precisamos falar com os prefeitos porque eles também convencem deputados”, disse.
“Outra proposta do sindicato, ressaltou Murilo, é trazer aqui o governador. Para dizer ao governador o seguinte: nós não vamos aqui criticá-lo, nós queremos saber por que você quer privatizar, e nós vamos argumentar por que não privatizar. Eu já fiz essa proposta ao governo, dizendo que gostaríamos que ele viesse conversar conosco. Nós não temos críticas a fazer, temos defesa. Ele que faça a defesa da privatização e nós fazemos a defesa contra a privatização. Precisamos discutir argumentos, discutir caminhos. Temos que demonstrar o porquê não queremos e o que isso vai afetar”, continuou.
“BUSCA PELO LUCRO”
Um dos palestrantes da noite, o 1º vice-presidente do Seesp, João Carlos Gonçalves Bibbo, ressaltou que “não estamos falando de qualquer empresa”. “A Sabesp é a melhor empresa de saneamento básico da América Latina e a terceira maior empresa de saneamento do mundo”, ressaltou.
“Já a empresa privada busca o lucro, busca o resultado financeiro. Se para ter o resultado tiver que se desfazer do corpo técnico excelente que se tem hoje na Sabesp, ela vai se desfazer. Vai se desfazer porque esse corpo técnico custa, lógico, um pouco mais do que outros que não têm a mesma capacidade e experiência que temos na Sabesp, pois ela é uma empresa que tem investido muito na formação de seu corpo técnico”, ressaltou.
O engenheiro da Sabesp afirmou que essa é uma realidade que vemos nas empreiteiras contratadas para prestar serviços para a Sabesp, enfatizando como as condições de trabalho são diferentes entre os terceirizados e os trabalhadores diretos da empresa, devido o caráter privado das terceirizadas. “Até mesmo na distribuição e uso de EPI [Equipamento de Proteção Individual] é diferente. Às vezes o trabalhador da terceirizada está fazendo o serviço de chinelo. Nos trabalhadores da Sabesp isso não acontece. Isso é diferente e isso é capacidade gerencial”.
“Além disso, na empresa estatal você visa ao benefício da população. E hoje, nos locais em que ainda há alguma dificuldade de fornecimento de água e coleta de esgoto é exatamente onde a iniciativa privada não vai atender, que é na periferia. Por quê? Porque ali não vai dar lucro. A Sabesp incorporou Guarulhos em 2019. A cidade vinha com um problema de falta d’água crônico: tinha água um dia, noutro já não tinha. Isso era constante e durou anos. A Sabesp, em um ano de operação, resolveu o problema. Hoje Guarulhos não tem problema com falta d’água”, completou.
“PRIVATIZAR A SABESP É PRIVATIZAR A ÁGUA”
Um dos palestrantes do evento, o presidente do Sintaema, José Faggian, defendeu que privatizar a Sabesp é privatizar a água e impedir que milhões de paulistas que não têm recursos financeiros tenham o acesso como direito universal e que, portanto, deve ser acessado independentemente do seu poder aquisitivo.
O presidente do Sintaema foi enfático ao defender que “quando falamos da privatização da Sabesp, nós não estamos falando de qualquer coisa. Estamos falando da privatização da água e do saneamento. Essas são coisas que têm uma interface direta com a saúde da população. Estamos falando da saúde de mais de 70% da população paulista”.
INVESTIMENTO NOS MUNICÍPIOS
Faggian destacou que a Sabesp vai completar 50 anos e já opera em 375 municípios do estado e em grande parcela desses municípios, considerados deficitários, a população só pode ter saneamento porque a Sabesp, por ser uma empresa pública, pratica a chamada política de subsídio cruzado. “Graças a isso, independente da condição de deficitário, a população desses municípios tem acesso ao saneamento de qualidade”, disse.
“Nós tivemos recentemente uma mudança na legislação, que exige que os serviços de saneamento sejam universalizados até 2033. O que é universalizar o saneamento de acordo com a lei? É ter 98% de atendimento de água, 90% de atendimento de esgoto e que 100% desses esgotos coletados sejam tratados. Hoje a Sabesp, em 309 dos 375 municípios que opera, já tem o que chamamos de 300%: tem 100% de água entregue, 100% dos esgotos coletados e 100% dos esgotos tratados. Desses que ainda não estão universalizados, todos estão equacionados dentro do plano de investimento da empresa para serem universalizados até 2030”, explicou.
“Para se ter uma ideia, a média europeia de fornecimento é de 95% de água e 90% de esgoto. Isso significa que a Sabesp entrega, para mais de 70% da população de São Paulo, um nível de qualidade superior à média europeia. E se o governador Tarcísio deixar, uma vez que o estado tem 645 municípios e muitos com dificuldades no serviço de saneamento, temos a capacidade de levar o serviço para esses municípios também”, afirmou.
Um dos motivos que se usa para justificar a privatização de uma empresa é que ela não tem capacidade de investimento ou que dá prejuízo para o Estado. Contudo, Faggian explica que “isso não é a realidade da Sabesp”. “De todo o investimento que é feito em saneamento no Brasil, 1/3 é feito pela Sabesp e com tranquilidade vamos atingir esse padrão de atendimento nesses 375 municípios”, continuou.
O presidente do Sintaema ressaltou ainda que outro argumento que pode ser usado para se privatizar uma empresa é que ela não dá lucro, o que também não é verdade no caso da Sabesp. “Além de fazer uma política de subsídio cruzado e de garantir 1/3 dos investimentos em saneamento no Brasil, no ano de 2022, a empresa teve R$ 3,12 bilhões de lucro. Há muito tempo que a Sabesp não tira um real dos cofres do Estado. Como uma empresa de economia mista, onde o maior acionista é o governo, ela tem devolvido ao Estado uma média de R$ 500 milhões por ano. Esse dinheiro, apesar de acharmos que deveria ser carimbado e reinvestido em saneamento, é reinvestido em outras áreas e nos 645 municípios paulistas. Então é mais um argumento que não se justifica”, disse Faggian.
Sobre o município de São Paulo, Faggian explicou que a Sabesp tem um contrato de programa, onde a capital recebe do faturamento da empresa 7,5% da arrecadação, destinado a um fundo municipal que cuida de drenagem urbanas e obras de saneamento no geral. Na capital, o índice de atendimento é de 97,1% de abastecimento de água, 94% dos esgotos coletados e 97% tratados.
“As áreas que ainda faltam são áreas que padecem em algum nível de regularização fundiária, mas que a empresa ainda acaba por atender em algum nível. Mas essas são áreas que sabemos que a iniciativa privada não quer nem olhar. Então, esse argumento de que a iniciativa privada vem para universalizar o serviço é mentiroso”, destacou.
“Além disso, esse contrato de programa diz que a Sabesp precisa investir mais 13% do que é faturado no município de São Paulo no ano anterior. Para vocês terem uma ideia, 45,4% da arrecadação da Sabesp acontece na capital, isso representou, no ano passado, R$ 8,4 bilhões arrecadados. Então, o município recebeu dos 7,5% algo em torno de R$ 630 milhões para esse fundo e tem que investir esse ano, relacionado aos 13%, mais de R$ 1 bilhão. Hoje, São Paulo é responsável por arrecadar 45% e leva cerca de 20% de toda essa arrecadação, o que é muito importante para o município”, sustentou.
PAPEL SOCIAL
A Sabesp tem ainda um papel social importante e que ficou ainda mais evidente com a pandemia de Covid-19, garantindo a distribuição de bicas, água potável e caixas d’águas nas regiões mais vulneráveis, medidas que, somadas à política de subsídio cruzado, fizeram chegar água ao conjunto da população.
“Mas, além disso, temos as tarifas subsidiadas, que são de dois tipos: a tarifa social e a tarifa vulnerável. Para a tarifa vulnerável, basta a família estar cadastrada no CadÚnico, que pagará uma conta com algo em torno de R$ 14 por mês; e a tarifa social é algo em torno de R$ 20 por mês. É algo importantíssimo, quando vamos para municípios, como por exemplo os do Vale do Ribeira, onde 20% de todas as ligações feitas são para essas populações. Em São Paulo, essas contas são 11% de todas as ligações feitas. Então, da tarifa vulnerável nós temos 156.726 ligações na capital. Da tarifa social são 480 mil famílias que vão deixar de ter esse benefício só na cidade de São Paulo, ou vai diminuir muito, a exemplo do que aconteceu no Rio de Janeiro com a privatização da Cedae”, denunciou o presidente do Sintaema.
Na capital carioca, 15% da população que poderia ser contemplada pelas tarifas sociais não possuem esse direito, pois a privatização da estatal de saneamento do estado limitou isso a 5%. “Isso reforça a importância de ter uma empresa pública que presta um serviço essencial como é o caso da Sabesp”.
MEIO AMBIENTE
Moradora e liderança de Parelheiros, bairro do extremo sul da cidade de São Paulo, Keila Pereira lembrou que a Sabesp também tem cumprido um importante papel na preservação do meio ambiente na cidade e que isso precisa ser divulgado para o conjunto da população. “Precisamos enfatizar esse aspecto de que privatizar a Sabesp é privatizar a água. Isso faz muita diferença para nós no extremo sul da cidade, porque estamos falando de uma área de preservação ambiental. No conjunto de áreas que a Sabesp monitora e preserva são cerca de 44 mil hectares, o que corresponde a algo em torno de 200 parques do Ibirapuera, é disso que estamos falando”, disse Keila.
“Se nós temos condição de ganhar as pessoas para serem contra a venda da Amazônia, nós também temos condição de ganhar a população para não venderem as áreas de mananciais, o meio ambiente, aqui no estado de São Paulo. Isso significa não só privar as pessoas do direito ao saneamento, mas o direito de acessar a água na sua fonte”, completou.
NA CONTRAMÃO DO MUNDO
Por fim, Faggian também lembrou que a privatização provocou queda na qualidade do serviço e aumento abusivo de tarifas em diversas cidades do mundo. Não por acaso, cidades como Paris, Berlim e Buenos Aires e outras 265 reestatizaram seus serviços de saneamento. “Primeira coisa, o poder público perde o controle sobre o investimento e sobre os serviços. Segundo, para potencializar o lucro, a empresa baixa a qualidade dos serviços e aumenta a tarifa. Isso está comprovado nas experiências em todo o mundo”, ressaltou Faggian.
RODRIGO LUCAS PAULO