Seis distribuidoras, 29% do território
Juiz alega que lei de 2013 (Dilma) permite que o crime prossiga
“Todo processo de privatização de empresas desse tipo [distribuidoras] levaram à piora da qualidade dos serviços de energia e aumento extraordinário dos preços [tarifas]. Além do mais, pelo que se sabe da legislação aprovada agora, grande parte do prejuízo existente e alguns futuros serão assumidos pelo Poder público”, afirmou ao HP o vice-presidente do Instituto de Energia e Ambiente (IEA) da USP, Ildo Sauer, ao analisar o processo de privatização das seis distribuidoras controladas pela Eletrobrás.
Segundo o professor Sauer, “não há necessidade nenhuma de vender essas empresas. O que tem de ser feito é sanear a gestão delas. Um dos piores exemplos de má gestão era a Cemar do Maranhão. Foi privatizada, passou para um grupo financeiro e hoje dá lucro porque houve reajuste das tarifas e o governo federal assumiu o prejuízo”, disse.
O pretexto do governo Temer para a privatização é que essas distribuidoras dão prejuízo e que o serviço está ruim. De acordo com o governo, as seis distribuidoras acumularam prejuízo de R$ 4,5 bilhões em 2017. “Isso aconteceu porque essas distribuidoras foram instrumento político-partidário, em todos os governos. Esse é o problema. Estão dizendo agora que vão resolver o problema com a privatização. Só que o governo federal vai assumir o prejuízo”, disse Sauer, acrescentando que “em nenhum lugar do mundo um sistema essencial para a vida das pessoas dá prejuízo”.
De acordo com o professor da USP, “o fato é que estão privatizando não é porque elas deram prejuízo, deliberadamente construído pelos próprios políticos, mas porque há interesse em favorecer grupos diante de certos acertos, que depois serão descobertos”.
Para Sauer, a privatização das distribuidoras é uma manobra do governo, “ilegítimo, composto por gente sem escrúpulo, para atacar o interesse público. Esse governo não pode fazer nada. Tudo vai ter de ser revisto depois”.
As seis distribuidoras do Norte e Nordeste do país – Amazonas Energia (AM), Boa Vista Energia (RR), Cepisa (PI), Ceal (AL), Ceron (RO) e Eletroacre (AC) – atendem mais de 13 milhões de brasileiros em 29% do território nacional.
É um mercado cativo. Um tremendo filé mignon. Tanto assim, que a italiana Enel – que recentemente adquiriu a Eletropaulo – já manifestou desejo em comprar duas. “Sobre as distribuidoras da Eletrobrás, já compramos uma que foi vendida [ex-Celg, de Goiás]. Agora existem seis. Dessas seis, talvez duas nos interessem”, frisou Francesco Starace, principal executivo mundial da Enel, em entrevista ao jornal Valor Econômico. O grupo italiano já havia empalmado a Coelce, atual Enel Distribuição Ceará.
“O governo Temer tem prazo de validade, está totalmente acabado. Por que tanta pressa em vender se isso não vai resolver nada, nem neste governo, nem no próximo? Está no ar ainda a pergunta quem serão os beneficiários nesse processo de privatização. Certamente, não serão os consumidores. Por que não deixar para o próximo governo resolver essa questão?”, questionou Sauer.
Na terça-feira (17), o presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), desembargador André Fontes, suspendeu a liminar que impedia o leilão das seis distribuidoras pelo governo Temer em fim de feira.
A liminar que impedia a entrega das distribuidoras – ajuizada pela Associação dos Empregados da Eletrobrás (AEEL) – foi concedida pela 19ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Segundo o TRF-2, “o mérito ainda será julgado pela primeira instância”.
De acordo com a nota do TRF-2, o desembargador suspendeu a liminar com base na “Lei nº 9.491, de 1997, que versa sobre o Programa Nacional de Desestatização – PND”. E acrescentou que a privatização das distribuidoras de energia “é prevista pela Lei nº 12.783, de 2013”. Ou seja, sancionada por Dilma Rousseff.
Em “Comunicado relevante”, publicado na quarta-feira (18) em seu site, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) avisou sobre a retomada do cronograma de privatização da Companhia Energética do Piauí (Copisa), marcada para o próximo dia 26 e que o leilão da Companhia Energética de Alagoas (Ceal) está suspenso por decisão judicial. As outras quatro distribuidoras têm leilão marcado para o dia 30 de agosto.
Em relação à Cepisa, desde Madri, o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, declarou que há “vários grupos” interessados em sua compra, inclusive espanhóis.
No início de julho, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 10.332/18 de privatização das distribuidoras, mas precisa ainda ser analisado pelo Senado.
Por seu turno, no final de junho, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski concedeu liminar proibindo a privatização de empresas públicas, sociedades de economia mista, subsidiárias e controladas sem aval do Congresso Nacional.
O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia destacou que a privatização das distribuidoras é “prioridade número um, assim como a cessão onerosa [projeto de lei aprovado na Câmara que tira 70% da Petrobrás em área do pré-sal cedida pela União]”. “Temos dito ao Congresso: se vocês não aprovarem esse PL, vamos ter que liquidar”.
Com a privatização das distribuidoras, Temer pretende acelerar a entrega de todo o Grupo Eletrobrás ao capital estrangeiro.
VALDO ALBUQUERQUE