Cinismo sem limites ameaça incendiar o país
Reforçada pelo Banco Mundial, nova PEC da Previdência vai para a Câmara. Aposentados e trabalhadores se preparam para a guerra
Em jantar no Palácio do Alvorada, na quarta-feira (22), Temer apresentou mais uma versão da PEC da Previdência.
Em relação à atual legislação, para a aposentadoria integral, aumentaria de 35 anos para 40 anos o tempo mínimo de contribuição, com a instituição da idade mínima de 65 para os homens e de 62 anos para mulheres. Os dois critérios seriam necessários, ao invés de hoje, em que é possível aposentar-se por um desses critérios.
A essência, portanto, é a mesma da versão anterior: restringir (e, no limite, retirar) o direito do trabalhador à Previdência pública e tangê-lo para a Previdência privada, controlada pelos bancos – ou deixá-lo, como os escravos, sem aposentadoria, no mínimo, até perto da morte, assim como alguns preconizam, para todos os trabalhadores, salários que pouco se diferenciam de nenhum salário.
É verdade que não é fácil, para esse governo, aprovar essa emenda constitucional – para o que seria necessário o voto de 308 parlamentares -, considerando a proximidade das eleições e o desgaste, inédito na história republicana, de um governo que parece uma pedra amarrada no pescoço de quem o apoia.
Daí, abriu-se outra vez o baú das imoralidades, com mais de meio bilhão de reais somente em emendas liberadas pelo Planalto.
Um governo que tem como face mais ostensiva a do deputado Marun, pajem de Eduardo Cunha, tem pouco a oferecer, além de dinheiro. Este não basta, quando a perspectiva de ir para a cadeia – caso não se consiga reeleger e se perca o estimado foro privilegiado – é muito, mas muito concreta.
Porém, o mais cínico são, realmente, os gritos satânicos – já disse alguém que a falsidade absoluta é uma prerrogativa do Diabo – de que o objetivo desse ataque à Previdência é cortar supostos privilégios.
Em outro artigo nesta mesma página, analisamos o relatório do Banco Mundial, em que é preconizada essa fraude. Nesse relatório, os privilegiados são aqueles que ganham um salário mínimo.
Não se trata, nesse caso, de tangê-los para a previdência privada, mas de tirar diretamente dinheiro desses trabalhadores que, durante anos e décadas, contribuíram com a construção do país, para que esse dinheiro seja drenado para o setor financeiro.
Esses, então, são os privilegiados que a “reforma” de Temer, Meirelles, e demais membros da quadrilha, quer despojar do privilégio de ganhar um salário mínimo.
Quanto ao setor público – atualmente, há um regime próprio, separado da Previdência dos trabalhadores em empresas privadas – haveria tempo mínimo de contribuição de 25 anos para se aposentar com 70% da média e idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres. Para a aposentadoria integral, além da idade mínima, 40 anos de contribuição.
Temer e seu bando entendem de privilégioos. O sujeito aboletado na cadeira presidencial se aposentou aos 55 anos, recebendo benefício de R$ 45 mil. Seu ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, se aposentou aos 53 anos e recebe R$ 19 mil, da Câmara. E, em matéria de privilégio, Meirelles é hors concours, se aposentando aos 57 anos e recebendo US$ 750 mil anuais do BankBoston, o equivalente a R$ 201,875 mil mensais, ao câmbio do último dia 23.
Segundo a Associação Nacional dos Fiscais da Previdência (Anfip), dois de cada três que se aposentam pelo INSS recebem um salário mínimo. Do total dos que se aposentam, 66% são pelo critério de idade, o que dá cerca de 10 milhões de brasileiros, com benefício de um salário mínimo. Não pagaram a contribuição durante 35 anos – não porque não quiseram, mas em função do desemprego, da rotatividade etc. Os aposentados por tempo de contribuição são 34%, o que dá 5,7 milhões de pessoas, recebendo, em média, dois salários mínimos.
Quarta-feira pela manhã, o ministro da JBS, Henrique Meirelles, disse que se a reforma da Previdência for aprovada, o governo irá “economizar” R$ 468 bilhões. Caso seja rejeitada, após dez anos o mundo acaba: “Caso a reforma previdenciária não seja aprovada, em dez anos, 80% do Orçamento da União serão ocupado apenas com o pagamento da Previdência. E esse percentual vai seguir subindo nos anos seguintes, até que não haverá mais recursos para segurança, educação, saúde”.
Cerca de R$ 468 bilhões é, mais ou menos, o montante desviado anualmente – não em dez anos – do setor público para os bancos, fundos de investimentos e outros antros de especulação financeira, via pagamento de juros. Assim:
2014: R$ 311,380 bilhões;
2015: R$ 501,786 bilhões;
2016: R$ 407,024 bilhões;
2017: R$ 415,118 bilhões (últimos 12 meses).
Portanto, em quatro anos, R$ 1 trilhão e 635 bilhões foram desviados do setor público para o setor financeiro – e apenas através dos juros.
Neste ano, as despesas financeiras (juros, amortizações, etc.) constituem 50,4% dos gastos da União, enquanto a Previdência constitui 19,14% desses mesmos gastos, de acordo a LOA 2017 – Execução Orçamentária por Grupo Natureza de Despesa e Execução Orçamentária por Função, publicada no último dia 06.
Em audiência na Câmara, Meirelles afirmou que se a reforma não for aprovada haverá “o crescimento explosivo da dívida pública”. “E um aumento da dívida junto com um aumento dos juros, produto deste aumento da dívida, produto da queda da confiança na economia, com tudo isso, nós voltaríamos a uma recessão, desta vez muito mais grave do que tudo que tivemos até hoje”, previu.
Ele apenas manipula a própria mentira. Primeiro, inventa uma recuperação inexistente. Depois, quando a mentira aparece, a culpa é dos aposentados.
Exatamente a mesma coisa que faz com as despesas da Previdência; estabelece-se um “teto de gastos” perfeitamente estúpido e depois o problema é a Previdência, que não se adequa a esse limite criminoso. Aliás, nem a Previdência nem área alguma se adequa a esse leito de Procusto.
VALDO ALBUQUERQUE