
Na quarta-feira, 16/01, membros da oposição direitista ao governo da Venezuela desembarcaram em Brasília para supostas conferências com o aloucado ministro das Relações Exteriores de Bolsonaro, Ernesto Araújo – aquele que acredita que os EUA, e, especialmente, Trump, são a encarnação de Deus na Terra (v. Para chanceler de Bolsonaro, voltar à Idade Média é bom).
Trata-se da continuação da palhaçada aprontada no malfadado “grupo de Lima”, uma reunião de puxa-sacos de Trump – com a significativa exceção do México, que se recusou a assinar uma declaração que considera “ilegítimo” o novo mandato de Nicolás Maduro na Presidência da Venezuela.
A rigor, a ação de Bolsonaro, e do aloucado do Itamaraty, nada tem a ver com o verdadeiro caráter do governo de Maduro.
O que Bolsonaro & cia. podem ter contra um governo corrupto, que joga o povo na fome, antidemocrático – a ponto de desrespeitar a própria Constituição aprovada no governo do presidente Hugo Chávez – e despudoradamente entreguista (sobre esse último aspecto, v. Arco Mineiro na Venezuela viola soberania, democracia e direitos)?
Nem o culto ao obscurantismo, às superstições mais toscas, é muito diferente em um e em outro.

Maduro com seu guru indiano
É verdade – essa é a diferença – que um deles é adepto de um guru indiano.
O outro, ceva aquele pseudo-evangelismo norte-americano (v. Pastor que batizou Bolsonaro recebeu propina de R$ 6 milhões da Odebrecht) que Sinclair Lewis tornou famoso em seu romance Elmer Gantry, publicado em 1927, portanto, há 92 anos, e que Richard Brooks filmou em 1960, com Burt Lancaster, que recebeu um Oscar pelo papel central, e Jean Simmons (filme que, no Brasil, foi intitulado Entre Deus e o Pecado).
Sobre Maduro, a encenação do PT e a de Bolsonaro é a mesma: tratam-no como se ele fosse a reencarnação do comandante Hugo Chávez, quando não passa de um sub-Pérez Jimenez.
É verdade que os motivos são diferentes: Lula, que levou a Odebrecht para a Venezuela, tem os seus para apoiar Maduro (v. Em acerto com PT, Maduro liberou US$ 4 bilhões para a Odebrecht).
Bolsonaro tem outros – aliás, dois.
O primeiro é puxar o saco de Trump, como faz, aliás, em tudo e por tudo.
O segundo é que Maduro se presta, como ninguém, à demagogia desavergonhada de Bolsonaro (e, aliás, também a de Trump): aquele anticomunismo das cavernas, que mal esconde a inveja dos senhores de escravos – ou, para recorrer a uma metáfora mais exata, aquela gorilagem antissocialista e anti-progressista anterior à época dos neandertais.
Sobre isso, aliás, Bolsonaro não é diferente de Maduro. Que o último use uma capa supostamente “de esquerda” e o primeiro use uma capa “de direita” para essa demagogia, não é uma questão essencial. É apenas uma questão de aparência, mas que permite aos trogloditas reacionários fazer a sua propaganda contra as forças do progresso, pespegando nelas, indevidamente, o retrato 3×4 de Maduro.
Daí, a nota do Itamaraty, segundo a qual o governo brasileiro “saúda a manifestação do Presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, de estar disposto a assumir constitucionalmente a Presidência da Venezuela, diante da ilegitimidade da posse de Nicolás Maduro no dia 10 de janeiro” (v. nota do Itamaraty).
O problema é que, independente do que pensamos (ou pensemos) de Maduro, ele é o presidente da Venezuela – e não o citado Guaidó.
O governo, segundo o próprio Itamaraty, não pretende romper relações diplomáticas com a Venezuela. Portanto, não reconhecer o seu presidente, ou “saudar” a “disposição” de algum outro de assumir a Presidência, é um vexame diplomático que jamais houve na História da República.
Quem deve determinar o presidente da Venezuela, são os venezuelanos. E, apesar dos tormentos da última eleição (v. Maduro obteve o voto de somente 30% dos eleitores), o presidente eleito é Nicolás Maduro.
E mesmo que não houvesse eleições: no momento, o governo brasileiro reconhece, pelo menos, nove países cujo presidente chegou ao poder através de golpes de Estado. E nem Bolsonaro nem Araújo estão propondo que o Brasil não reconheça esses presidentes, apesar de reconhecer os países.
A oposição direitista da Venezuela tem maioria no parlamento. Mas não tem respaldo nacional para derrubar Maduro. Por isso, recorre a Trump, Bolsonaro, e até a um doido como Araújo, para que outros, estrangeiros, deem um golpe para ela no seu país – e depois lhe ofereçam o poder.
Somente isso já define quem é o presidente real da Venezuela.
Nesse aspecto, a ONU foi inteiramente correta, quando, diante do circo do “grupo de Lima”, declarou, em nota oficial: “O secretário-geral, a Secretaria, não nos dedicamos a reconhecer chefes de Estado ou a não reconhecer chefes de Estado”.
Nem é função do Ministério das Relações Exteriores do Brasil reconhecer, ou deixar de reconhecer, quem é o presidente de um país que reconhecemos – ou seja, com o qual mantemos relações diplomáticas em caráter oficial.
Se é assim, daqui a pouco vai ter país deixando de reconhecer que Bolsonaro é o presidente do Brasil ou que Trump é o presidente dos EUA – o que seria ridículo.
Porém, não mais ridículo do que deixar de reconhecer que Maduro é o presidente da Venezuela.
C.L.
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