A decisão do procurador-geral da República, Augusto Aras, de cercear a autonomia de integrantes do Ministério Público Federal, para fazer recomendações ao governo federal nas questões relacionadas ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, foi repudiada pela categoria.
Um grupo de 24 procuradores, dos 27 membros que atuam no Giac (Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia Covid-19), repudiou a tentativa de blindar a sabotagem sistemática de Jair Bolsonaro às medidas que visam conter a rápida contaminação pelo novo coronavírus. Eles condenaram a decisão de Aras, que na semana passada expediu 20 ofícios aos ministros do governo, solicitando que devolvessem à PGR, sem resposta, as recomendações do MPF.
“Manifestamos discordância à medida adotada, porque representa grave ofensa ao princípio institucional da independência funcional [dos procuradores] e ao seu consectário princípio do procurador natural, na medida em que obsta o exercício pleno e independente das atribuições dos membros, exercidas sem subordinação e vinculadas apenas à Constituição, às leis e as nossas consciências jurídicas”, diz nota divulgada pelo grupo na terça-feira (14).
“Recordamos que inexiste sujeição hierárquica entre os membros e o Chefe da Instituição, exceção feita ao âmbito administrativo, sem qualquer chance de que a relação hierarquizada se estenda à seara técnica-funcional, razão pela qual se mostra inadmissível o reexame de recomendações expedidas pelos membros do MPF nos termos e com os fundamentos declinados pelo Gabinete Integrado (GIACCOVID19)”, dizem os procuradores.
As críticas partiram também da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República). Em nota, a entidade informa que tentará derrubar a medida de Aras na Justiça e denuncia que o eventual reexame de recomendações é “flagrante violação à garantia constitucional da independência funcional”. Por lei, os integrantes do MPF nas diversas instâncias têm independência para atuar e, inclusive, enviar advertências ou propostas aos gestores públicos.
“A ciência de eventual irregularidade praticada por membro do Ministério Público ensejaria o encaminhamento da notícia, com todos os dados possíveis, à Corregedoria e não legitima a solicitação genérica de devolução de recomendações expedidas por membros do MPF para reanálise de seu teor”, argumenta a associação. Segundo o texto, o princípio institucional da unidade do MP “não pode inviabilizar e tornar nulo o princípio constitucional da independência funcional, sob pena de cercear e inviabilizar a livre atuação dos membros do MPF”.
Aras tem recebido muitas críticas por arquivar pedidos de providências contra declarações do presidente Jair Bolsonaro durante a crise sanitária. Também na terça, a Procuradoria-Geral da República emitiu uma nota alegando que a “medida é compatível com a independência funcional de todos os membros do Ministério Público ao tempo que valoriza a unidade institucional”. Uma das justificativas apresentadas pela PGR foi a de assegurar unidade nas manifestações do Giac.