O ato do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que determinou ao Banco Central (BC) que lhe desse acesso a todos os relatórios de inteligência financeira (RIF) produzidos nos últimos três anos, recebeu críticas de procuradores e senadores.
O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), atualmente Unidade de Inteligência Financeira (UIF), sob controle do BC, informou que disponibilizou acesso a 600 mil documentos mencionados, dos quais 412.484 de pessoas físicas e 186.173 de pessoas jurídicas.
Toffoli ainda determinou que a Receita Federal encaminhe ao STF todas as representações fiscais para Fins Penais (RFFP) no mesmo período.
Para o senador Alessandro Vieira (Cidadania), o “ministro Dias Toffoli deveria ser o maior guardião da legalidade e da segurança jurídica no Brasil. Infelizmente, a opção parece ser sempre pelo autoritarismo e pelo abuso”.
“É claramente mais uma ocasião de abuso praticado pelo ministro Dias Toffoli. Não há nenhuma razão para você acessar o sigilo de milhares pessoas, a não ser que você queira criar um banco de dados clandestino com objetivos de manutenção ou reforço de poder”, disse.
O senador Marcos do Val (Podemos-ES) classificou a medida de Toffoli como “um ato imperial”. “É o novo imperador do país. Temos que tomar uma atitude”, conclamou o senador.
Como vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Marcos do Val recebeu, na quarta-feira (13), em Brasília, a visita do grupo anticorrupção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Segundo senador, o grupo da OCDE se mostrou preocupado com as medidas recentes do Congresso e do STF que minam o combate à corrupção. Entre as medidas que preocupam o grupo está uma outra decisão de Toffoli blindando o filho de Bolsonaro, Flávio.
“Esperamos que o Supremo entenda que essa liminar não segue os padrões internacionais de luta contra a lavagem de dinheiro”, disse o presidente do grupo de trabalho da OCDE sobre suborno, Drago Kos.
Em julho, Dias Toffoli decidiu, por meio de uma liminar (decisão provisória), suspender em todo o território nacional processos que tiveram origem em dados fiscais e bancários sigilosos de contribuintes compartilhados sem autorização judicial. A recente determinação de Toffoli é desdobramento dessa liminar.
A decisão atendeu um pedido de Flávio Bolsonaro, investigado no caso que envolve o seu ex-motorista e assessor Fabrício Queiroz, e que faz parte da Operação Furna da Onça, desdobramento da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro que prendeu dez deputados estaduais.
Relatório do Coaf, no final de 2018, apontou movimentações financeiras suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). E flagrou uma movimentação atípica de R$ 7 milhões, em quatro anos, na conta de Fabrício Queiroz, sem que ele tivesse renda para isso.
O senador Álvaro Dias (Podemos-PR) considerou o ato do presidente do Supremo como “uma medida que extrapolou os limites do bom senso, arbitrária, autoritária” e que trouxe “uma repercussão muito ruim”.
“A pergunta que não quer calar é o que pretende Dias Toffoli com esse acesso irrestrito às informações do COAF. O que ele procura?”, perguntou o procurador da República, ex-integrante da força-tarefa da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima.
Para Santos Lima, “o que vemos hoje é um golpe branco comandado por Dias Toffoli, que tem protagonizado inúmeros atos abusivos, extrapolando sua competência e repetidamente contrariado a Constituição”.
“Além de dar seguimento a um inquérito secreto cujo principal objetivo – abusivamente, é impedir investigações sobre ministros do STF, agora Toffoli, sem nenhum argumento minimamente plausível, moralmente justificável ou simplesmente legal, adona-se de informações de movimentações de 600 mil brasileiros, informações essas que impediu o próprio Ministério Público de ter acesso”, prosseguiu o procurador em texto publicado no Facebook.
O procurador do Ministério Público de Contas que atua perante o Tribunal de Contas da União (TCU), Julio Marcelo de Oliveira, avaliou como um “absurdo” a decisão de Toffoli. “Em um processo individual, com partes delimitadas, o ministro requisitou e obteve 19.441 Relatórios de Inteligência Financeira (RIF), produzidos nos últimos 3 anos, alcançando 600 mil pessoas físicas e jurídicas! Com qual finalidade?”, questionou o procurador.
Para a procuradora Janice Ascari, isso foi “gravíssimo”. “O ministro quer “entender como funciona” e para isso ordena que lhe deem livre acesso a dados sigilosos de mais de 19 mil processos e 600 mil pessoas que não lhe dizem respeito e não estão sob seu julgamento”, comentou nas redes sociais.
Através da assessoria do STF, Toffoli disse que não comenta processo que tramita sob segredo de Justiça e que o Supremo não recebeu e nem teve acesso aos relatórios de inteligência financeira. O caso foi revelado pelo jornal Folha de S. Paulo na edição de quinta-feira (14).
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