O recuo de -0,1% na produção (física) industrial de março, em relação a fevereiro, é aquilo que se chama a ponta do iceberg – uma ponta voltada para baixo, isto é, negativa.
Nos três primeiros meses do ano, registra o IBGE, a produção industrial caiu 2,2% em relação ao nível de dezembro de 2017.
E, se quisermos um número mais significativo do desastre, a produção industrial de março está 15,3% abaixo daquela registrada em maio de 2011, ou seja, há sete anos (cf. IBGE, Pesquisa Industrial Mensal – Produção física, março 2018, 03/05/2018).
Evidentemente, não existe crescimento, para uma economia como a nossa, sem crescimento da produção industrial, ou, pior ainda, com a indústria encolhendo cada vez mais.
Não há, portanto, nenhum sinal de “recuperação” da economia. As oscilações, para lá e para cá, só demonstram o quadro terrível em que a política de Levy/Meirelles e Dilma/Temer colocou o país, já que são apenas oscilações dentro do abismo – e, mesmo, em meio a um movimento geral para baixo.
A conclusão é óbvia: ou se muda a política econômica ou não há recuperação. Com uma política econômica que drena recursos, sempre, para o setor improdutivo que parasita a economia, o setor financeiro, não há como a economia se recuperar.
Pode ser que, entre os que se submetem ao proxenetismo neoliberal, existam aqueles que propugnam por um crescimento sem produção. Mas a ideia é de tal modo imbecil que eles nem aparecem em público para defendê-la.
Certamente, para mudar essa política e tirar a economia brasileira desse despenhadeiro, é preciso mudar o governo – a quadrilha atual (ou as outras quadrilhas, que pretendem voltar ao poder) é incapaz de fazer alguma coisa, exceto roubar e destruir o país.
É preciso, portanto, um novo governo – um governo nacional, não um governo de salteadores – que recupere o país econômica, política e moralmente.
Com o menor investimento público desde, pelo menos, 1930, é impossível pensar em crescer, portanto, é impossível recuperar a economia.
O investimento total da economia (público e privado) regrediu ao nível de 2008, isto é, ao que era 10 anos atrás (cf. IBGE, Contas Nacionais Trimestrais, série encadeada do índice de volume trimestral).
Aliás, do ponto de vista estatístico, poucas coisas deixam tão claro a situação quando o investimento, em queda há 14 trimestres – desde o terceiro trimestre de 2014, ainda no primeiro mandato de Dilma Rousseff, quando a mulher honesta, em campanha pela reeleição, mentia pelos cotovelos sobre a economia, sobre o que pretendia fazer, sobre os outros candidatos, e sobre qualquer coisa.
Porém, além da estatística, temos a vida para comprovar a fraude da “recuperação” – ou, mais precisamente, a negação da vida: desemprego, lojas e fábricas fechadas, famílias despejadas debaixo de viadutos (ou, na falta de viadutos, pelas ruas), jovens e crianças entrando para o tráfico – e fome, muita fome e miséria.
O que temos hoje, portanto, tentando cobrir a dolorosa realidade, é a marketagem da “recuperação”, aliás, muito peculiar.
Diz o povo que há certos indivíduos para os quais a cachaça é sempre o supremo remédio: para o frio, cachaça; para o calor, cachaça; para o resfriado, cachaça; porque houve a cura do resfriado, cachaça.
A marketagem da “recuperação” não é, ao contrário, daquela do cachaceiro inveterado, divertida. Até porque não são seus marketeiros as vítimas, mas milhões de pessoas – o povo brasileiro, de trabalhadores a empresários.
Então, quando há uma pequena oscilação para cima nos números que expressam a atividade econômica, é porque a “recuperação” está de vento em popa – mesmo que os números sejam mais esquálidos que vira-lata velho abandonado na rua.
Quando os números caem, é porque a “recuperação” foi mais lenta que o esperado.
Quando o número é zero, é porque a “recuperação” é “estável”,
E quando os números são negativos, é porque a “recuperação” está em ritmo ainda mais lento, mas vai acelerar em seguida…
Assim, a economia está sempre “em recuperação”, não importa que cresça de modo pífio, ou que desça a ladeira, ou que afunde no pântano. Não existe situação, portanto, em que o país não esteja “em recuperação”.
Sempre o estado da economia é de “recuperação”. Principalmente se continua no fundo do poço. Aí mesmo é que temos a maior prova de que a economia está se recuperando…
Não é fenomenal essa “recuperação”, cujo modo de existir é, exatamente, não existir?
Que comentaristas econômicos repitam essa estupidez na TV, não é de espantar. Eles são pagos para enganar os incautos – e quanto mais estúpidos, mais valorizados pelos que querem manter essa política econômica.
Pois, tudo se resume nisso: toda a marketagem da “recuperação” tem o objetivo de manter o país afundando, ou seja, sendo saqueado por ladrões de toda ordem, desde os financeiros até os da quadrilha de Temer.
Que aqueles que ganham os tubos na especulação financeira – uma especulação sem o menor risco, pois é feita com títulos públicos, com ganhos garantidos pelo governo – propalem essa miragem da “recuperação”, também não é um espanto: enquanto as outras empresas afundam, os três maiores bancos privados tiveram, no primeiro trimestre de 2018, um lucro líquido de R$ 14,32 bilhões (cf. HP, 03/05/2018, Bradesco, Santander e Itaú aumentam lucros).
Repetimos: em um trimestre, um lucro líquido (depois de pagas todas as despesas) de R$ 14,32 bilhões, enquanto toda a economia está sob garrote.
Mas o fato dos bancos e de seus empregados falarem em “recuperação”, quer dizer apenas que sua fonte de ganhos é a política econômica, ou seja, a espoliação dos outros setores da sociedade.
Pois é o conjunto da coletividade que eles saqueiam com seu parasitismo, através dos juros nos papéis da dívida pública – e querem continuar saqueando. Daí, a marketagem da “recuperação”.
Da mesma forma, os monopólios multinacionais, que têm uma parte não pequena dos seus lucros – quase certamente a maior parte – proveniente dos juros da especulação financeira.
Porém, talvez espante um pouco ver alguns empresários nacionais – inclusive empresários industriais – repetindo as bobagens e fraudes da “recuperação”.
Será que essa gente gosta de ser enganada?
Será que eles acham pouco o que já aconteceu com suas empresas?
Pois, por exemplo, a produção do principal setor da indústria nacional, o de bens intermediários (produtos para outras indústrias), já caiu 3,9% desde janeiro, depois de cair durante quatro anos. A produção atual é inferior à de março de 2004 – isto é, inferior à produção de 14 anos atrás (cf. IBGE/SIDRA, Produção Física Industrial por grandes categorias econômicas – Índice de base fixa com ajuste sazonal – Bens intermediários, março/2002 a março/2018).
Alguns empresários enfrentam uma situação tão insuportável, que acham melhor envenenar-se com a ilusão de que existe alguma “recuperação”. Outros, tangidos pelas mesmas dificuldades, têm algum ganho na especulação – e esperam investir os recursos, de lá advindos, na produção, quando possível.
No entanto, isso não resolve problema algum – exceto se os empresários industriais desistirem de ser empresários, mas aí mesmo é que nenhum problema estará resolvido.
Se fosse necessário provar que as ilusões não resolvem os problemas da vida real, bastaria observar que nenhum desses empresários, que repetem a marketagem da “recuperação”, está investindo – isto é, ampliando a capacidade produtiva – até porque, com o consumo (tanto o da população quanto o do governo) espremido e com uma capacidade ociosa, em suas empresas, que beira, e muitas vezes ultrapassa, os 30%, não há razão para investir. Portanto, a “recuperação” que ecoam está no mero plano da fantasia.
Nenhum empresário, exceto casos de loucura, investe quando não há mercado para o que sua empresa produz, o que é determinado pelo poder aquisitivo – isto é, pela renda – dos compradores em geral – ou seja, pelo que a população, as empresas e o governo despendem (ou têm, à sua disposição, para gastar) com o seu consumo.
Mas há outro tipo de ilusão, ainda que do mesmo ramo – outra papagueação da fraude neoliberal.
Trata-se da ilusão futurística. Por exemplo: “o ano de 2018 tem boas chances de conferir maior vitalidade e robustez à recuperação da indústria, já que os juros e a inflação encontram-se em patamares baixos” (v. Carta IEDI Edição 846 – A Indústria em Março de 2018: mais um mês de estagnação).
A inflação encontra-se baixa porque estamos em uma economia moribunda – ou seja, a inflação baixa é um sinal de depressão. Até mesmo a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado que não tem, propriamente, uma direção progressista, reconhece que o atual nível de inflação se deve ao “elevado nível de ociosidade” da economia (cf. IFI, RAF n° 161, maio/2018).
É, portanto, um sintoma negativo, um sintoma de depressão, não um fator positivo para a economia.
Quanto aos juros, a taxa média para empréstimos dos bancos às empresas está em 62,15% ao ano, segundo a “Pesquisa de Juros”, de março de 2018, da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (ANEFAC), no qual há uma observação:
“… de março/2013 a março/2018 o Banco Central reduziu a taxa básica de juros Selic em 0,75 pontos percentuais (redução de 10,34%) de 7,25% ao ano em março/2013 para 6,50% ao ano em março/2018. Neste período a taxa de juros média para pessoa jurídica apresentou uma elevação de 18,57 pontos percentuais (elevação de 42,61%)” (ANEFAC, Pesquisa de juros, março 2018, p. 6).
Mesmo quando a taxa básica é cortada, em termos nominais, as taxas para as empresas (e também para as pessoas) aumentam.
É óbvio que, enquanto os bancos ganharem dinheiro sem qualquer risco, com títulos cujo ganho é garantido pelo governo com uma política econômica de assalto ao país, não vão ter o mínimo interesse em fornecer crédito a taxas razoáveis para as empresas e consumidores.
Portanto, esperar que venha daí alguma “recuperação”, é tão insensato quanto acreditar que a prova cabal de que estamos em “recuperação”, é que estamos afundando.
Sem mudança para um governo que faça uma política oposta à atual, uma política de incentivo à produção industrial nacional, não vai existir maior vitalidade, muito menos robustez, muito menos “recuperação da indústria”.
CARLOS LOPES