Após a queda recorde de -18,8% em abril, uma reação das cadeias produtivas com a flexibilização da quarentena deu à produção industrial do país um fôlego positivo de 7% em maio.
Contudo, essa reação não atenua a gigantesca perda de 26,3% no volume de produção física acumulada de março a abril, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira (2).
Sobre maio do ano passado, a produção industrial apresentou queda de -21,9% e no acumulado de 2020 (janeiro a maio), -11,2%. Com a previsão de que o Produto Interno Bruto (PIB) do país deve cair em torno de 9% esse ano, a estimativa do mercado financeiro é que a contribuição da produção industrial seja de aproximadamente -14% de queda.
“A partir do último terço de março, várias plantas industriais foram fechadas, sendo que, em abril, algumas ficaram o mês inteiro praticamente sem produção, culminando no pior resultado da indústria na série histórica da pesquisa. O mês de maio já demonstra algum tipo de volta à produção, mas a expansão de 7%, apesar de ter sido a mais elevada desde junho de 2018 (12,9%), se deve, principalmente, a uma base de comparação muito baixa”, explicou André Macedo, gerente da pesquisa.
Além da necessidade de fechamento dos serviços não essenciais para contenção da pandemia do novo coronavírus, economistas apontar alguns fatores que atenuaram as perdas do setor industrial no Brasil e da economia como um todo.
O primeiro deles é o fato de a pandemia ter chegado com o país já doente. De acordo com Affonso Celso Pastore, economista e ex-presidente do Banco Central (BC), a recuperação será lenta e que o crescimento de 1% do ano passado agrava o tombo e a capacidade de reação.
“É a recuperação mais lenta da história brasileira, o que mostra que tínhamos uma economia que já estava doente antes de chegar a Covid-19. Um crescimento de 1% no PIB é pouco maior que o crescimento populacional. De forma que nesses últimos anos quase não houve recuperação da renda per capita”, disse Pastore em entrevista ao Valor Econômico.
O segundo motivo tem relação com o enfrentamento à crise. Empresas estão vendo seus negócios ruírem durante à pandemia por conta da falta de uma política de concessão de crédito de emergência. De acordo com os dados do Sindicato das Pequenas Indústrias (Simpi), 70% dos empresários de micro e pequenas indústrias avaliam que as medidas adotadas não estão chegando na ponta. “Os problemas de acesso ao crédito vêm se agravando, o que coloca em risco os empregos gerados por essas empresas e a sobrevivência delas”, afirmou Joseph Couri, presidente da entidade.
O desemprego e a quebra das correntes de produção e fornecimento tem impacto sobre a demanda da indústria, que operavam em maio com capacidade ociosa média recorde de 40%.
Pastore afirma que existe uma “incompetência” do país no enfrentamento da crise. “O dano imposto pela atual recessão ao mercado de trabalho nos leva a uma recessão mais profunda e mais longa”. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE, menos da metade dos brasileiros em idade de trabalhar tinham alguma ocupação no trimestre encerrado em maio.
A terceira razão é a insistência do governo em que a recuperação virá do setor privado e da manutenção do ajuste fiscal. De acordo com economistas, o setor público precisa tomar a frente dos investimentos e não poupar recursos.
“Realmente a gente vai enfrentar a maior crise da história, os números já estão mostrando que a queda do PIB vai ser brutal. Numa situação dessa, que há um choque muito grande na economia, tanto de oferta, a gente fala pelo lado da produção como pelo lado da demanda, dos consumidores, dos trabalhadores, do poder de compra, o tombo é muito grande”, afirma Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas. “É típica situação em que o governo precisa realmente entrar de forma incisiva, realizando um grande volume de gastos para tentar minorar o problema. Então os gastos que ele deveria estar fazendo são muito maiores do que estes que eles estão fazendo”.
Setores
Sobre abril, a atividade que teve melhor desempenho em maio foi a produção de veículos automotores (244%), que apesar do avanço ainda se mantém 72,8% abaixo do patamar de fevereiro desse ano. Entre as atividades que permaneceram no vermelho em maio, destaque para indústrias extrativas (-5,6%), celulose, papel e produtos de papel (-6,4%) e perfumaria, sabões, produtos de limpeza e de higiene pessoal (-6%).
“As atividades foram impulsionadas, em grande medida, pelo retorno à produção (mesmo que parcialmente) de unidades produtivas, após as interrupções da produção ocorridas em várias unidades produtivas, por efeito da pandemia”, afirmou André Macedo.
Dentre as grandes categorias econômicas, todas tiveram avanço sobre o deprimido resultado de abril – mas os segmentos ainda se encontram dois dígitos abaixo dos patamares do começo do ano. No caso de bens de consumo duráveis, a diferença é de -69,5%. No caso de bens de capital, de -36,1%.
PRISCILA CASALE