“Os Estados Unidos querem transformar o Brasil no quintal deles para resolver o problema de etanol que eles mesmos criaram”, afirma o presidente da Unica, Evandro Gussi
O governo Bolsonaro pode quebrar a cadeia brasileira de etanol ao aceitar zerar a tarifa de importação do etanol norte-americano, após ameaças do presidente Donald Trump, na terça-feira (11), de retaliar o Brasil caso não reduza as tarifas de importação do etanol americano.
Após as declarações de Trump, segundo fontes, o Palácio do Planalto já negocia zerar as alíquotas de importação do etanol de milho norte-americano, e diz que, em troca, pedirá a redução da tarifa do açúcar brasileiro exportado aos EUA, proposta sempre rechaçada por Washington.
No ano passado, Paulo Guedes, ministro da Economia, decidiu não só prorrogar por mais um ano a importação de etanol, isenta da alíquota de 20% desde 2010, como elevou a cota dos 600 milhões de litros para 750 milhões de litros. No próximo dia 31 de agosto vence esse prazo de isenção e todo o etanol importado pelo Brasil volta a ter a tarifa de 20%, estabelecida pelo Mercosul em 1995.
“A fala do presidente demonstra que ele não sabe nada sobre o tema. Ele diz que não quer tarifas, mas ignora que ela existe desde 1995 e só foi suspensa. Ela não está sendo imposta. Ele esquece também que o EUA tarifa o açúcar brasileiro em 140%. A visão dele sobre o tema é: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, afirma Evandro Gussi. presidente da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), sobre a declaração de Trump de que o Brasil não age com reciprocidade. “Não temos culpa, portanto, que os americanos não tenham para onde enviar o etanol que produzem, já que Trump fez a opção pela indústria do petróleo em seu país”, criticou o presidente da entidade.
Produtores brasileiros não aceitam a isenção
Há cerca de dois anos, o governo havia assumido um compromisso com os produtores de que não renovaria a isenção do etanol norte-americano. Para os produtores brasileiros zerar a importação do etanol norte-americano significa quebrar a cadeia produtiva de etanol nacional, que já sofre com os efeitos econômicos da pandemia da Covid-19. As vendas de etanol hidratado pelas distribuidoras brasileiras caíram 16,7% no semestre de 2020, na comparação com mesmo período do ano passado.
O Brasil produz álcool de cana-de-açúcar, que é muito menos poluente durante o ciclo de produção, mas compra etanol de milho, que é considerado “sujo”, menos avançado tecnologicamente e ambientalmente.
“Não tem nenhum sentido os Estados Unidos quererem zerar essa tarifa. Eles não fizeram nada de contrapartida para isso. A proposta que fizemos era zerar a tarifa do etanol e eles zeravam a do açúcar, mas eles fingem que não estão ouvindo essa conversa. É um completo absurdo”, declarou Gussi. . “Eles (os EUA) querem transformar o Brasil no quintal deles para resolver o problema de etanol que eles mesmos criaram”, enfatizou o presidente da Unica.
Grande parte das importações de etanol se dirigem para o Nordeste do País, região em que as vendas de etanol hidratado pelas distribuidoras caíram 25% no semestre deste ano frente ao mesmo período de 2019.
Na avaliação de Renato Cunho, que é presidente do Sindaçúcar-PE e da Novabio, Donald Trump faz pressão para desovar seus estoques no Brasil por conta “da crise sistêmica de redução do consumo de combustíveis nos Estados Unidos” e também pela “questão da dificuldade de implantação do E15 (mistura do anidro na gasolina) em vários estados por pressão do lobby das petroleiras”.