Para Apeoesp, privatização das escolas por Tarcísio é uma “agressão pedagógica que prioriza lucro sobre a educação pública'”
O Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu, na noite desta quinta-feira (31), a liminar que suspendia o leilão para privatizar 15 escolas estaduais. Com a decisão, o resultado do primeiro pregão volta a ser válido, e o leilão do segundo lote de escolas está mantido para a próxima segunda-feira (4). Na quarta-feira (30), o juiz Luís Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara de Fazenda Pública, havia aprovado ação movida pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOSP) para interromper o processo.
Na nova decisão da Corte paulista, o desembargador Fernando Antônio Torres Garcia, presidente do TJ-SP, alegou que a suspensão dos leilões “afeta o cronograma de implementação de obras e serviços essenciais para as escolas estaduais, com o consequente comprometimento da execução de melhorias e manutenções dentro do prazo projetado […]”. Segundo o magistrado, os efeitos de sua sentença valem até que a matéria seja avaliada em segunda instância.
Na decisão anterior, na quarta-feira (30), o juiz Luís Manuel Fonseca Pires, ao acolher o pleito do sindicato, destacou que “uma das diretrizes constitucionais do serviço público de educação é o princípio da gestão democrática”. O magistrado também ressaltou que o espaço físico de uma escola está diretamente ligado ao projeto pedagógico, enfatizando que o ambiente escolar é parte do processo educacional e, portanto, uma decisão assim deve ser tomada de forma pública e participativa.
“A gestão democrática da escola envolve a direção pedagógica, a participação direta de professores, estudantes, pais e mães e comunidade local, na forma como se pensam e relacionam-se os espaços que vão além da sala de aula – corredores, quadras, jardins, refeitórios etc.”, sustentou.
AGRESSÃO
“A questão fundamental de sermos contra esse processo – primeiro porque defendemos a Educação pública como um direito da sociedade e de toda a comunidade escolar. Mas a questão fundamental é essa agressão pedagógica. Primeiro, essa justificativa de separar, é um núcleo administrativo, que vai ter um gerente, talvez, um coordenador, e o diretor. Quer dizer, o diretor já não é mais diretor da escola. Ele será diretor de uma parte da escola. E quando tiver um problema?”, questiona Fábio de Moraes, primeiro presidente da APEOESP em conversa com o HP.
“Vai ser igual ao problema de São Paulo. Vão falar ‘a árvore’, a empresa vai dizer “é problema da prefeitura’; a prefeitura vai dizer ‘é de telefone’; a de telefone diz que é da de energia. E ninguém se responsabiliza pela árvore”, compara, em referência ao jogo de empurra-empurra entre a Prefeitura paulistana e a concessionária Enel por ocasião da queda de árvores durante temporais e ventania. “Isso é muito emblemático. Eles (governo) querem se desresponsabilizar (do papel de gerir a Educação). E para mim isso é muito sério: quando o Estado mais rico do país diz que precisa do setor privado para fazer 33 escolas, numa rede de milhões de alunos! Ah, por favor!”, continua Fábio.
EMPRESA FICARÁ SÓ COM O LUCRO
“A gente é contra a privatização, inclusive por uma questão de princípio porque a Escola é pública, mas realmente há um problema com esses números. Esse consórcio vai ter muito mais dinheiro para fazer o que o Estado é obrigado a fazer nas outras escolas. No valor mensal que o consórcio adquiriu essas 17 escolas, ele vai receber R$ 11 milhões e 900 mil reais por mês. Por ano dá R$ 142 milhões e 800 mil reais”. Ou seja, por mês cada escola vai receber R$ 8 milhões e 400 mil por ano, explica o sindicalista.
Ao longo dos 25 anos de vigência da concessão, “que é outro absurdo – ele não foi eleito para (governar) por 25 anos, o Estado vai investir nesse grupo, para ele cuidar de 17 escolas, R$ 3,5 bilhões!”, continua o professor.
“A Educação”, explica Fábio, “envolve um valor monumental – porque é grande – e aliás faltam recursos, mas o valor do FUNDEB 2024, foi quase R$ 20 bilhões”, ressalta. O que dá, segundo ele, uma média por aluno em torno de R$ 560. No caso da empresa privada, a faixa de custo por estudante será de R$ 700 – quase 20% acima do que o Estado investe.
“Mas onde é que fica o lucro? Nesse valor do per capita, tá o valor do pagamento do quadro do Magistério, que é a parte mais substancial, porque é onde tá a maioria dos trabalhadores e é a natureza da Educação. Se você pegar aí desses 20 bi aí (orçamento do FUNDEB), em torno de 80% foi de salário”, denuncia o dirigente sindical.
“Essa despesa continuará sendo do governo. Nessas 17 escolas, eles (consórcio) vão ficar com o dinheiro – bruto – certo? E o Estado vai continuar pagando a parte mais pesada, que são os professores. É o filé pra lá, e aí eu seguro a despesa para agradar o setor privado”, completa Fábio de Moraes.
PRIVATIZAÇÃO FERE A LDB
César Callegari, conselheiro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação também corrobora a posição de Pires. “A gestão pedagógica deve estar sempre integrada a gestão administrativa e financeira. São dimensões indissociáveis”, disse à Hora do Povo.
Além disso, a proposta “fere os dispositivos da LDB [Lei de Diretrizes de Base da Educação] que tratam da gestão democrática como princípio fundamental”, afirma. “Escola não é mercadoria negociada na Bolsa de Valores”, enfatiza Cesar, que já foi secretário de Educação Básica do MEC e secretário da Educação do Município de SP.
CONSÓRCIO INVESTIGADO
O Consórcio Novas Escolas Oeste SP, que tem como principal empresa a Engeform venceu o leilão do Lote Oeste, oferecendo um desconto de 21,43% sobre o valor de referência, que era de R$ 15,8 milhões mensais. Os pagamentos começarão após a conclusão das escolas. O consórcio será responsável por serviços como merenda, internet, segurança, infraestrutura e limpeza das unidades escolares.
Já o Lote Leste, com licitação prevista para o dia 4 de novembro, abrange 16 unidades construídas nas cidades de Aguaí, Arujá, Atibaia, Campinas, Carapicuíba, Diadema, Guarulhos, Itapetininga, Leme, Limeira, Peruíbe, Salto de Pirapora, São João da Boa Vista, São José dos Campos, Sorocaba e Suzano.
A Engerform é dona da Consolare, grupo que assumiu um dos blocos da maior concessão para a gestão e operação de sete cemitérios e serviços funerários na cidade de São Paulo pelos próximos 25 anos. A empresa também faz parte da Teen Imobiliário, vencedora de dois lotes da PPP Habitacional do Brasil, responsável pela construção de 3.800 unidades habitacionais nos bairros da Mooca e do Ipiranga.
A Consolare está sob investigação do Tribunal de Contas do Município (TCM) por suposta falta de investimentos nas unidades sob sua gestão, como o Cemitério da Consolação, um ano após assumir a administração dos serviços funerários na região.
Outra irregularidade investigada é a cobrança de estacionamento no maior cemitério da América Latina, o Vila Formosa, na Zona Leste de São Paulo. A cobrança começou em 27 de maio deste ano e gerou revolta nos frequentadores pela diária de R$20 ou a primeira hora de R$ 12.
As irregularidades que rodam as Parceria-Público-Privadas (PPPs) no Estado paulista e no Município de SP, no caso do projeto de leilão de escolas adquirem contornos ainda mais graves quando se trata de da aplicação de recursos públicos. Por si só, a privatização da Educação, um serviço vital para à sociedade, já é algo afrontoso. A situação piora quando se depara com o volume de dinheiro que será drenado dos cofres do Estado para às contas de empresas privadas.
JOSI SOUSA