“O verdadeiro desenvolvimento digital brasileiro não está em atrair servidores estrangeiros, mas em construir conhecimento, infraestrutura e poder tecnológico próprios”, destacam as entidades científicas e de engenharia
Entidades científicas e de engenharia divulgaram nesta semana notas públicas criticando o Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center (REDATA), proposto pelo Ministério da Fazenda, e a Política Nacional de Data Centers. Os documentos alertam que as medidas colocam em risco a soberania digital e energética do Brasil, além de favorecerem grandes corporações estrangeiras com benefícios fiscais e quase nenhuma contrapartida em tecnologia, inovação ou geração de empregos.
A nota conjunta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Sociedade Brasileira de Computação (SBC) afirma que o programa “oferece energia limpa, território e incentivos fiscais, sem exigir contrapartidas compatíveis com o interesse público e com uma estratégia nacional de dados, enquanto o controle dos dados, as tecnologias e os lucros permanecem fora de suas fronteiras”.
As entidades destacam que o REDATA contraria diretrizes do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), elaborado pelo próprio governo, que defende o desenvolvimento de “data centers nacionais, verdes e descentralizados, sob jurisdição brasileira”.
O Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center (REDATA) prevê isenções de PIS, Cofins e IPI a empresas que instalarem data centers no Brasil, mesmo que mantenham o controle das operações e dados em outros países. O modelo é apontado como uma tentativa de atrair investimentos do setor, mas, para as entidades científicas e de engenharia, representa um retrocesso estratégico e um risco direto à autonomia tecnológica do país.
De acordo com o documento, “o REDATA, ao contrário, caminha na direção oposta: transfere infraestrutura crítica para grandes plataformas estrangeiras, oferecendo-lhes benefícios fiscais expressivos e reduzidas exigências de contrapartida”. O texto descreve o modelo como “um colonialismo digital, que reproduz dependência tecnológica e compromete a capacidade do país de inovar, regular e proteger seus próprios cidadãos”.
Para as instituições, “o Brasil pode e deve liderar uma transição digital verde e soberana”, e essa liderança passa por investir em ciência, tecnologia e infraestrutura próprias. “Com uma das matrizes elétricas mais limpas do planeta — baseada em energia hidrelétrica, eólica e solar —, o Brasil reúne condições únicas para desenvolver uma infraestrutura nacional de computação verde, sustentável e sob controle público”, diz o texto.
Segundo o manifesto, “o verdadeiro desenvolvimento digital brasileiro não está em atrair servidores estrangeiros, mas em construir conhecimento, infraestrutura e poder tecnológico próprios, capazes de garantir autonomia, inovação e segurança aos cidadãos e ao Estado”.
As entidades ainda reforçam que “soberania digital e soberania energética são inseparáveis: o país que não controla seus dados, suas redes e seus algoritmos não controla o seu futuro”, e concluem: “O Brasil tem o que o mundo precisa: energia limpa, inteligência e território. Cabe escolher se seremos donos da nuvem ou apenas o chão onde ela se apoia.”
Leia a íntegra da nota da SBPC, ABC e SBC
“Política pouco soberana”, dizem engenheiros
Em nota divulgada dias depois, as entidades representativas da engenharia brasileira — entre elas o Clube de Engenharia do Brasil, a Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação (ConTIC), a Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (FISENGE), a Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) e o Movimento Engenharia pela Democracia (EngD) — também manifestaram “profunda preocupação com os rumos da política de infraestrutura digital brasileira”.
No texto, as organizações afirmam que o REDATA e a Política Nacional de Data Centers “caminham na contramão não apenas da soberania digital, mas do desenvolvimento tecnológico e da capacitação da Engenharia Nacional”.
As entidades lembram que a engenharia brasileira “já demonstrou sua competência no projeto e realização de grandes obras de infraestrutura, na aeronáutica e espacial, naval, na geologia, mineração, energia, petróleo e gás, agronomia e arquitetura”, mas tem sofrido “duros golpes pela inexistência de políticas públicas que a protejam e a recolocuem no centro do desenvolvimento da Nova Indústria Brasil”.
A nota critica o que chama de “política de abertura indiscriminada, pouco soberana e de profundo predomínio dos interesses das grandes corporações, das Big Datas e Big Techs, que atuam em prejuízo dos interesses da Nação e da Engenharia Nacional”.
O manifesto também faz uma comparação com políticas internacionais: “Enquanto outras grandes nações e blocos controlam a livre circulação de dados ou a condicionam a regras rigorosas, exigem transferência de tecnologia e conteúdo local, e vinculam a operação a padrões rigorosos de eficiência energética, o Brasil oferece benefícios fiscais generosos por contrapartidas mínimas.”
Segundo o documento, “o REDATA está profundamente desalinhado com as melhores práticas internacionais”, e sua implementação “abdicaria de usar o mercado nacional como alavanca para desenvolver a própria engenharia e indústria de TIC”.
As entidades alertam que, sem mudanças, o país “desincentivará o investimento em capacitação técnica nacional, condenando a engenharia brasileira a um papel secundário de mera instaladora de tecnologias estrangeiras”.
E fazem um apelo direto ao governo federal: “Alertamos e solicitamos ao Governo Federal a urgente revisão dessa política.”
A nota conclui com um aviso contundente: “Seria renunciar à nossa vantagem energética para subsidiar corporações estrangeiras que, no final, tornarão nossa energia mais cara e escassa para o desenvolvimento nacional.”

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