“Tem somente R$ 75 bilhões por ano para toda a indústria”, observa Mário Bernardini, membro do Conselho Superior de Economia da Fiesp e ex-diretor da Abimaq
O empresário Mário Bernardini, membro do Conselho Superior de Economia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), avalia que, “em país que paga mais para quem faz aplicação financeira em detrimento do investimento na produção, a indústria não avança, não vai para frente”.
O empresário criticou a alta taxa de juros cobrada no país, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, divulgada neste sábado (20).
Bernardini, ex-diretor da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), também considera que o dinheiro do programa Nova Indústria Brasil (NIB) “é pouco e é caro”.
“É uma política muito tímida: tem somente R$ 75 bilhões por ano para toda a indústria. É com dinheiro do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que empresta com juro baseado na TLP (Taxa de Longo Prazo), de 12%. Com o spread bancário, num banco privado, o custo para uma empresa que for buscar dinheiro para comprar uma máquina sobe para 16% a 18%, enquanto a indústria tem ganho líquido de 8%. Não é possível pagar. Resumindo: o dinheiro do programa é pouco e é caro”, afirmou.
“Em um país que paga mais para quem faz aplicação financeira em detrimento do investimento na produção, a indústria não avança, não vai para frente”
Bernardini também declarou que há uma “absoluta falta de isonomia por parte do governo entre todos os setores econômicos”, pois enquanto a indústria recebe “um plano de R$ 75 bilhões, com custo de até 18%”, a situação é “bem diferente” para o agronegócio, que “tem um Plano Safra de R$ 450 bilhões, mas não paga quase nada de impostos — só 5%. A indústria arrecada 40% (de tributos)”.
Na avaliação de Bernardini, a indústria de transformação brasileira vai mal. “Já representou 35% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional e atualmente varia entre 9% e 12%. Não se trata de falta de uma política industrial, como a que ocorreu mais de 40 anos atrás. Ela carece de um ambiente favorável, que abrange câmbio estável, juros e inflação baixos e crédito em condições e custos competitivos”, defendeu.
“A indústria precisa de juro baixo, pois a média do resultado (lucro líquido) das empresas é de 8% a 10%. Isso, considerando as melhores companhias, as de capital aberto, sem incluir o setor financeiro”, constatou o empresário. “Mas o que vemos? Um juro que custa mais do que isso, o que é um contrassenso”, criticou Bernardini.
“Um ambiente econômico favorável é manter o juro abaixo do retorno médio de capital empregado pelas empresas”, prosseguiu o engenheiro de formação.
“Quando se decide montar uma fábrica local de chips, o governo aporta US$ 20 bilhões e suporta até ganhar escala — isso é uma política de desenvolvimento econômico. Aqui, temos o exemplo da Embraer, que o governo suportou e ela levou de 10 a 15 anos para aprender a fazer aviões. Criou mercado para a mão de obra especializada em aeronáutica. É assim que se faz e é assim no mundo todo”, observou.
O empresário defendeu o avanço do investimento público em obras de infraestrutura.
“Nos anos 1970, 1980, o Brasil investia 6% a 8% do PIB em infraestrutura, com demanda gerada direto para a indústria nacional. A partir dos anos 1980, o País quebra e tem a crise do petróleo e o neoliberalismo vira moda. Aí caímos de 8% para 2%. É a partir desse momento que a indústria de transformação brasileira começa a encolher”, afirmou.
“A indústria, para crescer, precisa de um ambiente favorável. Se eu der câmbio ajustado, juro baixo e inflação baixa, ela pode crescer ou não crescer. É o que chamo de condições necessárias. Mas ainda não é suficiente. Para isso, precisa de crédito, e principalmente de demanda. Como os outros países criam demanda para sua indústria básica? Com investimentos em infraestrutura, que requerem desde máquinas a materiais de construção. Obras de portos, hidrelétricas… Nos anos 1970, 1980, o Brasil investia 6% a 8% do PIB em infraestrutura, com demanda gerada direto para a indústria nacional. A partir dos anos 1980, o País quebra e tem a crise do petróleo e o neoliberalismo vira moda. Aí caímos de 8% para 2%. É a partir desse momento que a indústria de transformação brasileira começa a encolher”, disse Bernardini.
Ele prosseguiu. “Ao mesmo tempo, vimos uma queda de demanda e o surgimento de um ambiente hostil, visto a partir do Plano Real — que foi um feito e tanto —, mas que adotou a âncora cambial para estabilizar a moeda. Vimos juros de até 45% ao ano. A indústria foi submetida a um choque violento”, condenou.
“Acabaram com a indústria de transformação do País, reduzida à metade, e a dívida pública virou uma bola de neve. Para atrair capital, teve de pagar juros elevados, para recompor as reservas. Do nosso estoque da dívida, R$ 7 trilhões a R$ 8 trilhões, cerca de 80% são juros capitalizados, não gastos do governo. E continua a brincadeira. Com o que pagamos de juros reais ao ano, descontada a inflação, não se resolve o superávit primário que está aí pedido. Teria de ser entre R$ 300 bilhões e R$ 400 bilhões. Praticamente impossível”, conclui o empresário.