“Elas vão continuar nadando em dinheiro. Projeto original do Rogerio Carvalho foi mutilado”, disse o ex-consultor legislativo, Paulo César Lima. “A solução para o descontrole de preços deve vir dos lucros extraordinários, não dos recursos públicos”, acrescentou o especialista
O Senado aprovou nesta quinta-feira (10) o texto base do substitutivo ao Projeto de Lei n° 1.472/2021 e o PLP 11/2020, que modificam a tributação dos derivados de petróleo, particularmente a cobrança do ICMS, e criam a Conta de Estabilização dos Preços dos combustíveis (CEP), um fundo que teria o objetivo de fazer frente à variação intensa dos preços dos produtos.
A “conta de estabilização” receberá recursos de participações do governo relativas ao setor de petróleo e gás destinadas à União, resultantes da concessão e da comercialização do excedente em óleo no regime de partilha de produção, ressalvadas as parcelas já vinculadas a determinadas áreas; dividendos (lucros distribuídos a acionistas) da Petrobras pagos à União; receitas públicas geradas com a evolução das cotações internacionais do petróleo bruto, desde que haja previsão em lei específica e parcelas de superávits financeiros extraordinários.
RECURSOS DA UNIÃO VÃO PARA EMPRESAS PRIVADAS
Em síntese, os recursos para o subsídio às distribuidoras virão basicamente dos ganhos de participações da União na produção e comercialização de petróleo e dos dividendos da Petrobrás destinados à União. Os dividendos dos acionistas, que acabam de receber R$ 101 bilhões, nada. Ou seja, o dinheiro só sai dos cofres públicos. Nenhum tostão será cobrado das petroleiras que estão ganhando bilhões com a exportação do petróleo do pré-sal.
Para o ex-consultor legislativo do Senado, e ex-funcionário da Petrobrás, Paulo Cesar Lima, “os termos da proposição aprovada caminha para ser uma simples transferência de recursos públicos para mãos privadas”. “Se fosse senador, votaria pela rejeição. A boa proposta do senador Rogério Carvalho (PT-SE) foi mutilada”, denunciou o especialista. A proposta original, de autoria de Carvalho, previa a criação da “conta de estabilização” com recursos vindos de um imposto de exportação de petróleo bruto.
Segundo o especialista, as petroleiras não pagam imposto de exportação de petróleo e obtêm um ganho muito alto com suas operações. O relator do projeto, senador Jean Paulo Prates (PT-RN), inicialmente manteve a taxação das exportações como principal fonte da conta de estabilização. No entanto, diante da pressões dos grupos de interesse, ele voltou atrás e retirou o imposto do substitutivo.
“O Substitutivo ao PL 1472 aprovado no Senado garante a paridade internacional com recursos públicos. Até os dividendos da União voltam para as empresas. Até os custos de importação podem ser garantidos com recursos públicos. Seria o PPI com recursos públicos como a MP do Temer na greve dos caminhoneiros? Só que agora, os subsídios com recursos públicos serão muito maiores”, acrescentou Lima.
PETROLEIRAS VÃO CONTINUAR NADANDO EM DINHEIRO
Desfigurada, a proposta se transformou num mecanismo de desvio de recursos públicos para subsidiar empresas privadas. “É dos lucros extraordinários que vem a solução, não dos recursos públicos extraordinários”, disse Paulo Cesar, ao argumentar que a estabilização dos preços não pode significar desvios de recursos públicos para subsidiar grupos privado. “As petroleiras exportadoras vão continuar nadando em dinheiro”, denunciou.
“Os recursos públicos extraordinários são muito menores que os lucros extraordinários. Estre substitutivo é muito ruim”, avaliou o ex-consultor legislativo. “Parece que caminhamos para a mesma situação da greve dos caminhoneiros: transfere recursos orçamentários do povo para reduzir o preço para o povo, mas mantém os lucros extraordinários das petroleiras”, disse Paulo Cesar, referindo-se à crise na Europa e a nova explosão dos preços dos combustíveis.
“A verdade é que o Adriano Pires (lobista de multinacionais) deve estar muito satisfeito com o substitutivo, pois defende tese similar. Para produzir nos campos de petróleo com os poços mais produtivos do mundo, não há necessidade de tantas benesses”, acrescentou o ex-consultor e ex-engenheiro da Petrobrás.
ATAQUES DE BOLSONARO AO ICMS
Na mesma linha foram os governadores que denunciaram a intenção de Bolsonaro de prejudicar a arrecadação de Estados e Municípios para seguir beneficiando acionistas e multinacionais. Pelo texto, os estados deverão regulamentar a criação de uma alíquota única de ICMS sobre os combustíveis no âmbito do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). Além disso, o texto prevê a mudança no modelo da alíquota, de um porcentual sobre o valor (ad valorem) para um valor fixo sobre o litro (ad rem).
Os governadores criticam a proposta do PLP 11/2020 que, segundo eles, vinha sendo defendida por Bolsonaro, mas que não resolve o problema. O governador do Piauí e coordenador do Fórum Nacional de Governadores, Wellington Dias (PT), reafirmou que “não é o ICMS que causa os reajustes de gasolina e óleo diesel, é a Petrobras e a indexação sem sentido com o preço internacional”.
Ao comentar o anúncio dos reajustes desta quinta-feira (10), Dias não aliviou o governo. “O país perdeu o controle. Tirando dinheiro dos mais pobres e enchendo o bolso dos mais ricos”, afirmou o governador. “É claro que governadores e prefeitos querem uma solução para o alto preço dos combustíveis, mas é preciso que a gente faça isso resolvendo o problema sem criar outro”, afirma, em desaprovação a soluções como uma política de subsídios temporária, estudada pelo governo federal.
BRASIL É AUTOSSUFICIENTE EM PETRÓLEO
Para manter uma paridade de preços internos com os preços internacionais, medida que não se justifica num país autossuficiente em petróleo, o governo embutiu na proposta, para facilitar sua aprovação, a ampliação do auxílio-gás, dobrando o alcance do benefício que custeia parte do botijão de gás, e cria o auxílio-gasolina, destinando um “vale” nos valores de R$ 100 e R$ 300 para taxistas, mototaxistas e motoristas de aplicativos.
A elevação dos preços dos combustíveis é um dos principais fatores para a disparada da inflação. A insistência de Bolsonaro em manter essa política desastrosa fez a inflação levantar voo. Em 2021, a gasolina acumulou alta de 47,49% e foi o item que mais pesou na alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país, no ano passado, que ficou em 10,06%.
SÉRGIO CRUZ