O artigo abaixo, do engenheiro de petróleo Paulo César Ribeiro Lima, foi escrito antes da votação do requerimento de urgência, no Senado, para o projeto que permite a venda às multinacionais de 70% da área de “cessão onerosa”, da Petrobrás, no pré-sal (considerando o excedente dessa área, a Petrobrás ficaria com apenas 7%: v. Aleluia deixa a Petrobrás só com 7% do petróleo de área do pré-sal).
Na terça-feira (06/11), a votação do projeto fora adiada por duas semanas, o que, quase certamente, impediria sua votação este ano, antes do recesso parlamentar, pois teria que passar por três comissões: Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ); Assuntos Econômicos (CAE); e Serviços de Infraestrutura (CI).
No dia seguinte, no entanto, o líder do governo, o senador lavajatista Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) – pai do relator do mesmo projeto na Câmara – e o também lavajatista Eunício Oliveira, presidente do Senado, fizeram votar um requerimento de urgência para o projeto, o que permite que ele seja votado sem passar pelas comissões.
O projeto é de autoria do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) – que, por sinal, depois de seis mandatos, não conseguiu se reeleger nas últimas eleições.
O artigo que publicamos abaixo, que apareceu originalmente no site da Associação dos Engenheiros da Petrobrás, é importante pela síntese, que apresenta, do significado do projeto.
C.L.
PAULO CÉSAR RIBEIRO LIMA
A Lei nº 12.276/2010 autorizou a União a ceder onerosamente à Petrobrás o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural em áreas não concedidas, localizadas no Pré-sal. A estatal tem a titularidade dos volumes de petróleo e gás cedidos pela União, sendo o exercício das atividades de pesquisa e lavra realizado apenas pela Petrobrás, por sua exclusiva conta e risco, nos termos do Contrato de Cessão Onerosa.
O Projeto de Lei – PL nº 8.939, de 2017, de autoria do Deputado José Carlos Aleluia, modifica a Lei nº 12.276/2010 e permite que a Petrobrás negocie e transfira a titularidade desse Contrato, desde que seja preservada uma participação de, no mínimo, 30%.
Essa proposição é uma afronta ao art. 4º da própria Lei nº 12.276/2010 e ao próprio Contrato de Cessão Onerosa, que estabelecem inequivocamente que apenas a Petrobrás será a cessionária. A Cláusula Trigésima desse Contrato trata da sua intransferibilidade.
Na sua justificação, o autor do PL nº 8.939, de 2017, argumenta haver interesse da União, enquanto sócia controladora da Petrobrás, em fortalecer a estatal com vistas a dotá-la de recursos decorrentes de áreas que se caracterizam pelo baixo risco exploratório e que representam considerável potencial de rentabilidade.
Importa ressaltar que os investimentos na área de exploração e produção, com destaque para as áreas da cessão onerosa, foram o principal motivo do endividamento da Petrobrás. Existe um tempo de plantar e um tempo de colher. E a colheita já começou com a entrada em operação, no dia 24 de abril de 2018, do primeiro sistema definitivo de produção em área da cessão onerosa, por meio da unidade estacionária de produção P-74, que é um navio de produção do tipo FPSO (floating, production, storage and offloading), instalada no campo de Búzios.
Para o segundo semestre de 2018, a Petrobrás prevê a entrada em operação dos FPSOs P-67, P-68, P-69, P-75 e P-76. É quase um FPSO por mês e nada menos do que 750 mil barris por dia de capacidade instalada. Somados com as duas unidades de produção do primeiro semestre, a capacidade de produção instalada pela Petrobrás em 2018 deve ser superior a 1 milhão de barris por dia.
A programação para a entrada em operação de FPSOs, conforme a Petrobrás, deverá ser a seguinte: em 2019, os FPSOs P-70 (Atapu I) e P-77 (Búzios IV); em 2021, a unidade Búzios V e Sépia; e em 2022, uma unidade em Itapu.
De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia 2026, a produção sob o regime de cessão onerosa é o grande destaque, pois passa de zero, em 2017, a 1,7 milhão de barris de petróleo por dia – mmbpd ou para 1,3 mmbpd, sem considerar o volume excedente da cessão onerosa, em 2026.
Devido às características dos reservatórios e da escala dos projetos, os custos técnicos no Pré-sal estão próximos de US$ 15 por barril e há potencial para otimização tanto dos custos de capital quanto dos custos operacionais. Dessa forma, os custos de produção podem ser inferiores a US$ 15 por barril, sem considerar os custos indiretos.
Em razão de não haver o pagamento de participação especial, a produção sob o regime de cessão onerosa deverá proporcionar um grande aumento na geração de caixa da Petrobrás. Em 2022, a receita líquida da Petrobrás apenas com a produção de cerca de 1 milhão de barris de petróleo por dia sob o regime de cessão onerosa será de US$ 15,7 bilhões ou R$ 58 bilhões, utilizando-se uma taxa de câmbio de 3,7 Reais por Dólar. Nos anos seguintes, a receita líquida anual será ainda maior.
Como grande parte das unidades de produção da cessão onerosa já estão contratadas e construídas, elas poderão entrar em operação no curto prazo, produzindo petróleo com altíssima rentabilidade. Conclui-se, então que é desprovida de qualquer justificativa técnica a Petrobrás transferir a titularidade dessas áreas, como proposto pelo PL nº 8.939, de 2017.
Conclui-se, então, que o Projeto de Lei nº 8.939, de 2017, fere a própria essência da Lei nº 12.276/2010, representa uma quebra do Contrato de Cessão Onerosa e não apresenta nenhum mérito. Pelo contrário, essa proposição é, na verdade, não atende ao interesse público, uma vez que tem como consequência, entre inúmeras outras, isentar as empresas multinacionais do pagamento de participação especial.
Com relação aos volumes recuperáveis excedentes ao Contrato de Cessão Onerosa, a ANP contratou estudos da certificadora independente Gaffney, Cline & Associates para avaliar esses volumes, que variam entre 6 e 15 bilhões de barris de óleo equivalente. Considerando que são recursos já descobertos e comerciais, a oferta desses volumes demandará a contratação de inúmeras unidades de produção no curto prazo, que podem gerar importante retorno para a sociedade, desde que a participação governamental seja elevada.
Para o País, seria muito melhor que não houvesse licitação dos excedentes da cessão onerosa. Nesse caso, o Estado poderia contratar a Petrobrás como prestadora de serviços de operação e produção dos excedentes da cessão onerosa; poderia celebrar um contrato de parceria com a Petrobrás, em um modelo semelhante ao da Noruega; ou poderia contratar a Petrobrás, sob o regime de partilha de produção, com um excedente em óleo da União igual ou maior que 60%.
Importa ressaltar que na 2ª Rodada de Partilha de Produção, o consórcio liderado pela Petrobrás ofertou para a área denominada Entorno de Sapinhoá, muito semelhante às áreas da cessão onerosa, um excedente em óleo para a União de 80%. No entanto, o excedente em óleo mínimo para a União estabelecido pelo CNPE foi de apenas 10,34%.
Com relação ao Projeto de Lei do Senado – PLC nº 78, de 2018, oriundo de Emenda Substitutiva Global apresentada pelo Relator de Plenário do PL nº 8.939, de 2017, na Câmara dos Deputados, Sr. Fernando Coelho Filho, conclui-se que ele também não atende ao interesse público e agrava os problemas já verificados na proposição original.
O PLC nº 78, de 2018, não altera significativamente a proposta original com relação à transferência de titularidade da Petrobrás, apenas detalha, com inadequada técnica legislativa, os parâmetros para a Revisão do Contrato de Cessão Onerosa.
Quanto aos excedentes da cessão onerosa, o PLC nº 78, de 2018, determina que eles sejam licitados sob o regime de partilha de produção, mas sem estabelecer uma política de excedente em óleo mínimo para a União, sem dispor sobre uma política de conteúdo local e sem determinar que um campo tenha um único operador, o que pode gerar graves problemas técnicos.
A produção dos excedentes da cessão onerosa por outras empresas petrolíferas, que não a Petrobrás, vai reduzir muito a participação governamental na renda petrolífera, mesmo que haja o pagamento de bônus de assinatura de R$ 100 bilhões. Para os cinco bilhões de barris da cessão onerosa, o valor presente líquido foi estimado em R$ 173,3 bilhões; para cerca de quinze bilhões de barris de excedentes, o valor presente líquido pode chegar a cerca de R$ 500 bilhões. Desse modo, um eventual bônus de assinatura de R$ 100 bilhões representa apenas um quinto do valor presente líquido dos excedentes da cessão onerosa.
Como esse bônus pode ser deduzido do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ, nos termos da Medida Provisória nº 795, convertida na Lei nº 13.586/2017, Estados e Municípios, principalmente das regiões mais pobres, terão grande prejuízo. Os Estados e Municípios podem perder uma receita de R$ 11,4 bilhões.
É fundamental, então, que essa dedução não seja permitida ou que parcela do bônus de R$ 100 bilhões seja distribuída para Estados e Municípios.
Outro grave dispositivo do PLC nº 78, de 2018, diz respeito à alteração da Lei 13.303/2016 para que se elimine a exigência de que a Petrobrás, na condição de operadora em consórcios, realize suas contratações por meio de licitação pública. O Relator na Câmara dos Deputados citou que o modelo adotado pela indústria petrolífera adota uma modalidade equiparada ao convite.
Nesse aspecto vale ressaltar os gravíssimos problemas decorrentes das contratações feitas pela Petrobrás sem licitação ou na modalidade convite, onde há grande poder discricionário dos administradores.
Em suma, o regime de cessão onerosa teve como objetivo permitir a capitalização da Petrobrás e não há nenhuma justificativa técnica para que a estatal transfira seus direitos, concedidos em condições excepcionais. O Contrato decorrente desse regime, que prevê apenas o pagamento de royalties, é intransferível e trará grande geração de caixa livre para a Petrobrás. Não se deve permitir que esse regime seja estendido a outras empresas petrolíferas. Também não se justifica, tecnicamente, que a União seja devedora da Petrobrás na Revisão desse Contrato.
Os excedentes da cessão onerosa não devem ser licitados nos moldes das resoluções e editais das rodadas de partilha de produção já realizadas, que têm estabelecido baixíssimos percentuais de excedente em óleo para a União. Esses excedentes devem ser produzidos pelo próprio Estado em parceria com a Petrobrás, seja por meio de contratos de serviço, de parceria ou de partilha de produção, no qual se garanta que, pelo menos, 60% do excedente em óleo seja da União e se garanta uma política pública de conteúdo local.
Caso o requerimento de urgência para votação do PLC nº 78, de 2018, o destino de 20 bilhões de barris na melhor área do Pré-Sal poderá ser decidido sem que tenha havido a participação da sociedade e das comissões do Congresso Nacional.
Não se considera razoável que um volume de petróleo duas vezes maior que as reservas da Noruega tenha esse tipo de tratamento no Brasil.