
“Maior circulação de armas nas cidades é o principal motivo para que a juventude esteja mais exposta e vulnerável à violência”, destaca o vereador Guilherme Bianco, que relembra os ataques no Espírito Santo e Ceará
Os recentes ataques armados às escolas no Espírito Santo e no Ceará tem levantado um novo debate sobre a restrição ao acesso e à propaganda de armas e munições no país. Ao longo do governo Bolsonaro, houve um incentivo para a instauração dos Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores, os chamados CACs, além do completo descontrole da aquisição e venda de armas e munições e isto agravou a situação no país.
Diante deste debate, o vereador de Araraquara, cidade do interior de São Paulo, Guilherme Bianco (PCdoB), protocolou um projeto de lei proibindo a instalação e o funcionamento de entidades, clubes ou escolas de tiro nas proximidades de estabelecimentos de ensino no município.
De acordo com o texto do projeto, “ficam proibidos, no âmbito do Município de Araraquara, a instalação e o funcionamento de entidades, clubes ou escolas de tiro em um raio de 3 (três) quilômetros a partir de quaisquer estabelecimentos de ensino, das redes pública ou privada”.
O vereador embasou o projeto nos dados da segurança pública de Araraquara e do Brasil que “demonstram o crescimento de incidentes envolvendo crianças e adolescentes em contato com armas, sendo agentes ou vítimas de episódios violentos em que o armamento é protagonista”.
“De acordo com o Instituto Sou da Paz, a maior circulação de armas nas cidades é o principal motivo para que a juventude esteja mais exposta e vulnerável a esta qualidade de violência”.
“Considerando que as escolas de ensino básico e fundamental são os locais de maior concentração e circulação de crianças e adolescentes, entende-se que neste ambiente deve haver maior cuidado no sentido da proteção desta população à artigos que tanto simbolizam quanto, principalmente, são agentes de ocorrências violentas” aponta o vereador na justificativa do projeto.

ATAQUES
A iniciativa surge em meio a ataques armados contra estudantes dentro de escolas no país. Recentemente um adolescente de 15 anos foi apreendido após atirar em três colegas de classe em uma escola estadual na cidade de Sobral, no Ceará. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, o jovem planejou o ato devido sofrer bullying dos colegas.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará informou que o adolescente foi apreendido com uma arma de fogo registrada no nome de um CAC (colecionador, atirador desportivo e caçador). Policiais disseram que a arma seria do pai do jovem, informação que foi negada pelo governo do Ceará, que ainda investiga o proprietário.
O atirador, de 15 anos, estudava na mesma sala de aula das três vítimas, onde cursam o 1º ano do Ensino Médio. O aluno havia ido para a aula no horário normal, levando livros e material escolar. O vigilante da escola não percebeu que ele estava com arma escondida sob o uniforme escolar. Por volta das 10h, ele fez os disparos que atingiu os colegas de sala.
Além deste caso de Sobral, que foi facilitado pela política de afrouxamento da posse e porte de armas promovido no governo Bolsonaro, quatro pessoas morreram e outras onze ficaram feridas após um homem entrar armado em duas escolas de Aracruz, no Espírito Santo, no último dia 25 e efetuar diversos disparos. O caso aconteceu na Escola Estadual de Ensino Médio Primo Bitti e na escola particular Darwin, ambas localizadas na mesma rua.
O secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, coronel Márcio Celante, afirmou que o suspeito entrou primeiramente na Escola Estadual Primo Bitti, quebrando o cadeado e invadindo a sala de professores. Lá, ele atirou em 11 pessoas, duas delas morreram no local.
Testemunhas revelaram que o criminoso estaria encapuzado, com um colete à prova de balas e munido de uma arma longa, tipo submetralhadora. Enquanto os tiros aconteciam, houve grande correria na escola. Alunos até pularam o muro na tentativa de escapar dos disparos. Um deles chegou a quebrar a perna durante a fuga.
Segundo informações do Capitão Alexandre, do 5º Batalhão da Polícia Militar, após o primeiro ataque, o atirador entrou em um veículo do modelo Renault Duster, de cor dourada, com as placas cobertas, e foi para o Centro Educacional Praia de Coqueiral (CEPC), que fica perto do primeiro colégio.

BANDEIRA DA SEGURANÇA FOI CAPTURADA PELA DIREITA
Guilherme aponta que “a questão da segurança pública sempre foi uma das principais pautas da política nacional ganhou muito peso por conta do agravamento da crise econômica e também do aumento dos índices de violência no Brasil”. Ele destaca que essa “foi uma bandeira capturada pela direita e em sensos pelo bolsonarismo que apresentava uma agenda falaciosa, mentirosa, uma agenda de cultura armamentista, de fazer as leis com as próprias mãos. Então fica provado que quanto mais armas circulando na sociedade, mais mortes por arma de fogo a gente tem. Então na verdade quanto mais armas, mais mortes”.
“Isso tem se preocupado muito, inclusive porque Bolsonaro foi responsável por editar uma série de decretos que desregulamentava a questão do porte de armas, a questão dos CACS e também a abertura de clubes de tiro e de lojas de armas”, frisou o vereador que ainda destacou: “Aqui em Araraquara por exemplo, a gente teve um crescimento de 400% na abertura de loja de armas e você tem também a presença de um clube de tiro na cidade. E a gente começou a observar o aumento inclusive de ocorrências com problemas de armas de fogo dentro de escolas a partir de 2018”.
“Já faz alguns meses que a gente tem pesquisado e debatido esse tema dentro do nosso mandato com uma série de pessoas que especialistas de segurança pública que nos aconselharam que ele deveria tomar medidas que restringisse circulação de armas aqui na nossa cidade. Infelizmente a gente teve a tragédia de Sobral agora em outubro, e agora nas últimas semanas tivemos aí a tragédia no Espírito Santo que causaram mortes, causaram prejuízos enormes pra vida das nossas crianças, de educadores e educadoras e a gente viu que uma das medidas é a gente restringir a que a gente tenha clube de tiros num raio de até três quilômetros perto de entidades educacionais”, ponderou o vereador.
Segundo Guilherme, esse projeto tem como objetivo a defesa da família, das nossas crianças, a vida dos nossos educadores, dos profissionais da educação e o que a gente precisa fazer efetivamente pra evitar que novos genocídios, que novos assassinatos a sangue frio sejam cometidos nas nossas escolas”.
“Conseguir garantir que no raio de 3 km de escolas públicas ou privadas não haja lojas de tiros, isso é uma iniciativa importante pra que a gente consiga por um lado fazer um debate muito sincero e muito concreto com a sociedade sobre o modelo de sociedade que a gente quer. Se é uma sociedade onde a gente cultive a educação, a cultura, o debate ou se é uma sociedade armamentista, onde cada um vai fazer a lei com a própria mão, onde a gente resolve as coisas do tiro”.
“Então, pra gente conseguir ter um debate muito franco e muito sincero e eu tenho comigo a certeza de que o Brasil já escolheu o caminho no último dia 30 de outubro que é o caminho do diálogo, o caminho da paz, o caminho da defesa da família, da vida das nossas crianças, isso é o caminho de menos armas e mais vivos”.
REVOGAÇO
Neste sentido a equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o governo deve revogar atos do presidente Jair Bolsonaro (PL) que culminaram no aumento do acesso a armas de fogo pela população. Conforme levantamento do Instituto Sou da Paz, foram ao menos 44 regulamentos nesse sentido ao longo dos últimos anos, a grande maioria decretos e portarias.
Como consequência, as armas nas mãos de civis quase triplicaram. Passaram de 695 mil para 1,9 milhão, somando registros da Polícia Federal e do Exército. São mais de 1 milhão só com CACs (caçadores, atiradores e colecionadores)
Além do projeto de Guilherme em Araraquara, outros projetos no âmbito circulam pelo país. O Projeto de Lei 2890/21 que proíbe a aquisição, posse ou porte de arma de fogo a qualquer cidadão que cometa o crime de agressão a mulher previsto na Lei Maria da Penha do deputado federal Alexandre Frota (Pros-SP) foi aprovado pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados.
Conforme a proposta, se o agressor já possuir arma de fogo, ela será apreendida até o final do processo judicial e só será devolvida em caso de absolvição. O projeto determina que o Departamento de Segurança Pública do Estado notifique as Polícia Federal e o Exército sobre a restrição no momento da instauração do inquérito policial.
Frota destaca que agressores usam arma de fogo para intimidar e até ferir a vítima. “Para uma maior proteção das mulheres é necessária uma ação imediata do Estado na apreensão da arma que porventura o investigado pelo crime possa ter”, destacou.
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) é autor de proposta que visa aumentar a fiscalização sobre o acervo de lojas de produtos controlados, de clubes, colecionadores, caçadores e atiradores e de empresas.
Estatuto do Desarmamento foi “mutilado” por Bolsonaro, diz Dino
O senador eleito Flávio Dino (PSB-MA) disse que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) combaterá fraudes envolvendo os CACs.
Em entrevista ao programa Canal Livre, da Band, Dino, que é cotado para ser o futuro ministro da Justiça ou Segurança Pública, declarou que “os clubes [de tiro] podem existir, mas uma pessoa pode fraudar o porte de trânsito e dizer que está indo ao clube, mas, na verdade, está indo ao bar, armado e com munição? Não. Isso não está na lei”.
Segundo Dino, o Estatuto do Desarmamento foi “mutilado” por decretos e portarias durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) por meio das regras dos CACs. “É isso que vamos mexer”, falou o senador eleito.
“Forças de segurança? OK. Pessoas em locais ermos, pessoas que, objetivamente, tenham alguma dificuldade de o Estado prover segurança… Agora, CACs que estão se prestando à multiplicação de milícias privadas, desvios de armas de fogo, inclusive para quadrilhas, fraudes nos sistemas informatizados de controle, como nós vimos em vários Estados, é nisso que vamos mexer.”
Entre as medidas criadas por Bolsonaro estão uma portaria que aumenta o número de munições que podem ser compradas mensalmente. Além disso, um decreto que autoriza CACs a compra e o porte de armas de uso restrito.
MAIRA CAMPOS