“ICMS está congelado para combustíveis desde novembro do ano passado e a escalada de aumentos nunca arrefeceu”, afirmam os secretários estaduais de Fazenda
“Mais uma vez está-se a ameaçar as camadas mais pobres da sociedade, pessoas que dependem dos serviços financiados pelos Estados e que estão sendo sacrificados por medidas que já se provaram inúteis como ferramenta de enfrentamento a crise”, denunciou o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), nesta segunda-feira (23), ao criticar o projeto de lei do governo Bolsonaro, que limita a 17% a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis, energia, telecomunicações e transportes coletivos.
“O projeto quer agravar cortes de financiamento de serviços aos mais pobres para transferir receitas a setores de energia, combustíveis e telecomunicações”, destacou o Comsefaz no texto publicado em seu site.
“A gravidade das perdas dos subnacionais são mais que evidentes. No ano passado, apenas o ICMS sobre energia e combustível representou 27,4% da arrecadação dos Estados com o tributo. As finanças estaduais têm, em período recente, sofrido verdadeiros ataques federativos. Em contrapartida, os Estados vêm gradualmente assumindo responsabilidades e atribuições que aumentaram suas despesas em diversas áreas, preenchendo a lacuna da União em serviços essenciais para a população, especialmente nas áreas de educação, saúde e segurança públicas”, destacou o Comitê.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), reafirmou em suas redes sociais, ontem (22), que irá colocar para votação nesta semana o projeto de lei complementar (PLP) 211/2021, de autoria do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), que classifica energia, combustíveis, comunicações e transporte coletivo como itens essenciais e, com isso, estabelece um teto de 17% para a cobrança de ICMS do Estados nestes serviços.
O Comitê assevera que “a renúncia de 37 bilhões dos Estados já demonstrou que o prejuízo à população é absorvido pelos setores e se mostrou inútil na contenção de preço”. Os secretários de Fazenda destacam que o ICMS está congelado para combustíveis desde novembro do ano passado e “a escalada de aumentos nunca arrefeceu”, por consequência do PPI (Preço de Paridade Internacional), política adotada pela Petrobrás a partir de 2016, que atrela o preço interno dos combustíveis aos preços praticados no mercado internacional e ao dólar.
“Os Estados vêm de longa data apontando: os recordes de distribuição de lucros a acionistas da Petrobrás tem sido o principal aliado da inflação, deteriorando o ambiente econômico do país. A estatal escolhe uma política de preços diferente de todos os países produtores de petróleo, adotando uma precificação de país importador, desprezando totalmente custos de produção, o que é conveniente para turbinar recordes de distribuição de lucros para poucos, em detrimento da deterioração dos custos de vida para o resto dos cidadãos. A empresa registrou lucro de R$ 44,5 bilhões no primeiro trimestre de 2022, sendo o segundo maior lucro das petroleiras do mundo. O resultado é 3,7% superior aos R$ 1,1 bilhão registrados no mesmo período de 2021 e o terceiro melhor já registrado por uma companhia aberta no Brasil”, destacou.
Os secretários de Fazenda alertam que “há subterfúgio circulando pelo segmento financeiro que visa esquivar a sequência recorde de lucros. Para este, se deveria, para conter a inflação em algum dígito, fazer com esse projeto o mesmo que o congelamento fez, reduzir os recursos estaduais. Esse artifício de elemento de custo, entretanto, só tem servido para a estatal amplificar seus repasses de preços ao consumidor e dilatar sua distribuição de lucros e dividendos, como se tem largamente noticiado”.
O Comitê também alerta que a limitação da alíquota do ICMS sobre combustíveis, energia, telecomunicações e transportes coletivos “teria efeitos econômicos inócuos, já que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei nº 101/2000, obriga em casos de redução de alíquota (§1º, art. 14) medidas de compensação (art. 14, II) para que os serviços públicos não sejam comprometidos”.
“O que remete justamente à elevação de alíquota (prevista no mesmo art. 14, II) que, nesse caso, dado à gravidade da restrição, obrigaria ao chefe de executivo estadual propor conjuntamente a elevação da modal em dois ou três pontos percentuais no mesmo envio de projeto que corte recursos de outras fontes. Isso para que o projeto não tramite eivado de ilegalidade e se torne ineficaz desde a propositura, e independente da existência da previsão da lei, a compensação e o compromisso com os serviços à população já obrigaria socialmente o governante a não ficar inerte ante um ataque externo de corte de recursos de serviços que atendem aos mais pobres. Ou seja, apenas desorganizaria um número maior de cadeias econômicas estaduais em consequência desse desacerto legislativo federal”, advertiu a entidade.
O Comsefaz também ressaltou que ter superávit de caixa no primeiro trimestre não significa que os Estados terão recursos o ano todo. Nesta segunda-feira (23), reportagem do Globo, com base em números do Instituto Fiscal Independente do Senado Federal, afirma que os Estados tiveram 320 bilhões em caixa no primeiro trimestre.
No texto, a reportagem reconhece que mais da metade do montante se refere a obrigações vinculadas, no entanto, para os secretários “a divulgação na véspera da votação do projeto deteriora ainda mais o debate público. Ao não explicitar o resultado circunstancial do caixa de pouco mais de cem milhões não vinculados de recursos acumulados em um quadro passado e efêmero onde houve congelamento de despesas, transferências federativas extraordinárias durante a crise e inflação, entre tantas eventualidades, o retrato ignora frontalmente a diferença entre estoque e fluxo. O realismo dos números de 2022, já aponta esgotamento na arrecadação do ICMS. Sendo este tributo um imposto pró-cíclico, seu desempenho é atrelado ao nível de atividade econômica e a renda da população, ou seja, o consumo é afetado pela inflação alta, juros em elevação, contingente elevado de trabalhadores fora do mercado de trabalho ou em subempregos, afetando diretamente o rendimento das famílias”, explicaram.
O Comsefaz também fez críticas ao ministro da Economia, Paulo Guedes, ao considerar “um sofisma raso” informação de que os Estados estariam passando por um momento de aumento estrutural da arrecadação. “O desempenho da arrecadação em 2021 apenas significou, em relação a 2020, um enlevo conjuntural, possibilitado pela retomada da atividade econômica após os longos períodos de lockdown e pelas políticas de transferência de renda, sem fôlego para consolidação do processo e, de fato, de superação da crise”, sustentou.
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