
Ex-chanceler Álvaro Leyva se reuniu com deputados republicanos de Miami para angariar aval. “Não é golpe”, mas “neoconstitucionalismo”, ele disse em entrevista. E sobre Petro: “qualquer coisa pode acontecer com um presidente eleito, ele pode morrer, por exemplo”.
A crise política na Colômbia, diante do vazamento no domingo anterior, pelo jornal espanhol El País, dos áudios da tentativa de golpe contra o presidente Gustavo Petro, segue se desdobrando com uma investigação da Promotoria contra o ali flagrado ex-chanceler Álvaro Leyva e, dada a revelação de que este procurou apoio em Washington, a convocação dos respectivos embaixadores para “consultas”.
No dia seguinte da publicação da denúncia no El País, o presidente Petro declarou que se tratava de “uma conspiração (de Leyva) com o narcotráfico e com a extrema-direita aparentemente colombiana e americana”.
A abertura da investigação sobre a tentativa golpista foi anunciada pela Promotoria dois dias após a publicação. “Com relação às gravações do ex-chanceler Álvaro Leyva, nas quais ele supostamente fala sobre contatos com terceiros para afetar o governo nacional, a Promotoria-Geral da Nação está conduzindo uma investigação, à qual se somam todas as apurações sobre o tema”, afirmou a instituição em comunicado à imprensa.
Petro reiterou que “há um golpe em curso e é preciso investigá-lo” e instou a Justiça estadunidense a “tomar medidas” em razão da denúncia do El País citar uma reunião com o deputado gusano-americano Mario Díaz-Balart. Leyva, que é do Partido Conservador e foi chanceler do governo Petro durante dois anos, nos áudios alega que a vice de Petro, Francia Márquez, estaria envolvida na trama, o que esta nega.
A porta-voz do Departamento de Estado, Tammy Bruce, ao anunciar a convocação de volta do encarregado de negócios em Bogotá John McNamara, disse que era a resposta a “declarações repugnantes e infundadas” e manifestou “preocupação” com as relações bilaterais.
Além de Díaz-Balart, também outro parlamentar gusano-cubano, Carlos Gimenez, apareceu para xingar o presidente colombiano de “socialista narcoterrorista”. Na avaliação de El País, Leyva se reuniu com os parlamentares republicanos de Miami por considerar que, para o golpe sair vitorioso, precisava do aval de Washington.
POLÍTICA EXTERNA INDEPENDENTE
Analistas assinalam que o posicionamento de Petro contra o genocídio em Gaza e inclusive o rompimento de relações com Israel não agradam a Casa Branca, que também não aprova outros aspectos de sua política externa independente, como o ingresso da Colômbia na Rota da Seda e no Banco dos Brics, e a aproximação com as concepções multilateralistas.
Esta é a segunda crise entre Washington e Bogotá no segundo mandato de Trump. Na primeira, em janeiro, o estopim foi a deportação de imigrantes colombianos, com Petro tendo protestado que os EUA não podiam tratar os colombianos “como criminosos”.
O que se seguiu com Trump elevando para 50% a tarifa sobre todos os produtos importados da Colômbia, dizendo pelas redes sociais que “não permitiria” que o governo colombiano violasse suas obrigações legais com “relação à aceitação e retorno dos criminosos que eles forçaram a entrar nos Estados Unidos!”. Após o recuo de Petro, Trump retirou a alta da tarifa.
Setores do Partido Pacto Histórico estão cobrando da vice Francia uma explicação sobre os fatos. Personagens da oposição, que de alguma forma tiveram seus nomes citados nos áudios, vieram a público contestar o ex-chanceler e manifestar seu apreço pela democracia.
MÍDIA RENTISTA DIZIA QUE ERA “PARANOIA” DE PETRO
Em maio, o presidente Petro havia denunciado a existência de um plano golpista, e até foi chamado de “paranóico” pela mídia rentista e pela oposição.
“Desde maio, o presidente solicitou uma investigação sobre Álvaro Leyva pelo crime de sedição. Após as revelações do El País, o Ministério Público deve agir imediatamente, por instigar um golpe de Estado, incitar a alteração da ordem constitucional e violar a soberania nacional, no mínimo”, disse a senadora Maria José Pizarro.
“A traição à pátria deve ser vista a partir de um contexto claro: que ele [Leyva] é ex-ministro das Relações Exteriores deste Governo e não poderia, como ex-ministro das Relações Exteriores deste Governo, ir a um Governo estrangeiro para pedir que exercesse pressão, que ajudasse a romper a ordem constitucional e que o Presidente Petro deixasse o cargo de forma anormal. Isso não pode ser feito”, sublinhou o representante legal de Petro, Alejandro Carrasco.
O quadro político na Colômbia tem vivido uma intensa conturbação, a ponto do senador Miguel Uribe Turbay, o candidato nas próximas eleições do ex-presidente de extrema-direita Álvaro Uribe, ter sido vítima de um atentado a tiros há um mês e o processo de paz com a ELN ter estancado.
“PRESIDENTE ELEITO PODE MORRER”, DIZ GOLPISTA
Neste domingo (6), o El País comentou entrevista do ex-chanceler golpista à revista Semana, que sintetizou sob o título: “Tudo pode acontecer a um presidente eleito; ele pode morrer”. Na entrevista, Leyva afirma explicitamente que continua trabalhando para garantir que Petro não termine seu mandato presidencial em 2026, “embora não considere isso um golpe de Estado”.
Sobre as gravações, ele sustenta que o único crime que ocorreu foi da pessoa que “o gravou sem o seu consentimento”. Ele disse ter uma ideia de quem pode ter feito isso, mas não cita nomes, para evitar ser processado.
O golpista não nega ter se comunicado com grupos armados – foram citados o Clã do Golfo e o ELN – ou que quisesse angariar apoio [inclusive externo] para a deposição de Petro, apenas contesta que isso constitua um golpe de Estado. Segundo ele, trata-se de “abraçar o neoconstitucionalismo, um movimento que busca reinterpretar e evoluir o constitucionalismo”.
Quando Yesid Lancheros, diretor da revista, lhe pergunta se a conclusão do mandato presidencial depende da vontade de Petro, Leyva responde: “Não. Isso é constitucionalismo dialógico.” Leyva insiste novamente em sua resposta seguinte que isso vai além da vontade do presidente: “Ele está mal. Que ele não aceite isso é outra questão.”
Leyva insistiu em que Petro não precisa necessariamente permanecer no poder até 7 de agosto de 2026: “Ele pode adoecer, qualquer coisa pode acontecer com um presidente eleito, ele pode morrer, por exemplo. Então, o que isso significa? Que o corpo deve ser conservado até o último dia do seu mandato?”
Em postagem na plataforma X, a ex-chanceler Laura Sarabia chamou Leyva de “maldoso e miserável, não consigo encontrar palavras melhores para descrevê-lo”. “Sua ambição sem limites por poder o levou a conspirar contra nossas instituições. Este não é apenas um ataque ao Petro, é um ataque à própria democracia”.