“O ensino não é tarefa do policial”, criticam os manifestantes
Na última terça-feira (14), foi realizada uma audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), sobre o projeto das escolas cívico-militares, que foi marcada por embates entre militantes bolsonaristas e a sociedade civil, representados pelos estudantes e professores contrários à proposta.
O governador pretende transformar as escolas cívico-militares em uma das marcas de sua gestão, em novo aceno ao bolsonarismo.
Tarcísio de Freitas enviou o projeto de lei complementar 9 de 2024 ao Legislativo no início de março, e a tramitação foi célere, em dois meses. Houve apenas uma audiência pública. Nesta terça, os deputados encerraram a fase de discussão do texto.
Durante a audiência pública, pela manhã, e a discussão do projeto pelos deputados, à noite, o debate foi marcado pela disputa entre direita e esquerda. Estudos técnicos sobre vantagens e problemas das escolas cívico-militares e explicações do governo sobre como será implementado o modelo passaram ao largo do debate.
Na audiência, de um lado ficaram manifestantes favoráveis à proposta das escolas cívico-militares, que gritaram em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o chamaram de “mito”, pediram a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e exaltaram a polícia com gritos de “viva a PM”.
Do outro lado, manifestantes contrários à proposta criticaram a militarização do ensino, afirmaram que o Estado deveria se preocupar com a melhoria da qualidade do ensino e da infraestrutura das escolas, e associaram a militarização à ditadura. “Que contradição, tem dinheiro para a polícia, mas não tem para a educação”, gritavam os manifestantes. O esquema de segurança foi reforçado, com uma forte presença de PMs.
O presidente do Sindicato dos Professores (Apeoesp), Fábio Santos de Moraes criticou a proposta e disse que “falta o básico” nas escolas. “Não precisamos ter PM dentro da escola, precisamos de funcionários treinados. Precisa garantir escola pública laica, acolhedora, com professores e funcionários valorizados”, disse.
Durante o debate pelos parlamentares, o tom ideológico continuou. Para a deputada Professora Bebel (PT), a proposta é um aceno de Tarcísio aos “bolsonaristas raiz”. “Qual estudo que foi feito para dizer que esse tipo de escola avança no conhecimento?”
O deputado Simão Pedro (PT) rebateu os argumentos do governo. “A disciplina, a ética, a moral não são atribuições exclusivas dos militares. Por que atribuir só a eles? Escola é lugar de aprendizado. Em vez de educar, querem disciplinar.”
Líder do PT, o deputado Paulo Fiorilo criticou a falta de detalhamento do projeto e questionou quais serão os critérios para a escolha dos policiais Paula Nunes (Psol) também reclamou da falta de informações sobre como funcionarão essas escolas.
Representando o Centro Paula Souza, Sirlene Maciel (Psol) disse que a proposta é um “projeto requentado da ditadura militar”. “O ensino não é tarefa do policial.”
O bolsonarista, Paulo Mansur (PL) afirmou que o Parlamento “não quer a ideologia de gênero na escola. Queremos que as escolas tenham princípios. A turma do ‘todes’ não sabe nem cantar o Hino Nacional porque não é patriota”.
O secretário executivo da Educação, Vinicius Neiva, defendeu o PLC 9/2024 focando principalmente em dois objetivos do programa: a melhoria do processo de aprendizagem e a redução da violência dentro das escolas.
Ao lado de deputados estaduais favoráveis ao programa, ele endossou a premissa da adesão voluntária. “Nada será imposto, nada será obrigatório. A comunidade escolar terá a prerrogativa de escolher. Isso passará por uma consulta pública que será conduzida pelo diretor da escola junto aos pais, professores e alunos”, destacou Neiva.
PROJETO ANTI-EDUCAÇÃO
A presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES), Valentina Macedo, afirmou ao Jornal Hora do Povo que o projeto vai contra a educação, que conta sem investimento, sem valorização de profissionais, transformando a escola paulista em um circo. Além disso, a estudante defendeu que é preciso um investimento massivo na educação ligado a políticas públicas que mantenham o estudante em um ambiente acolhedor e estruturado.
“O Governo do Estado puxou uma audiência pública onde supostamente a comunidade seria ouvida. O que se provou na prática é que eles já tomaram uma decisão, fomentar esse projeto com falácias. A ala governista coloca o projeto de escolas cívico militares como se fosse um conto de fadas, misturam Colégio Militar (modelo que já existe) com o que querem implementar nas Escolas Estaduais, e desconsideram completamente a realidade da educação em São Paulo. Desconsideram que nas escolas hoje falta quadro de funcionários, desde o administrativo ao serviço de merenda e limpeza, não há estrutura para o estudante aprender plenamente, os professores são completamente desvalorizados e tem suas carreiras desmontadas a cada dia que passa, tudo isso sem contar com o agravante que é o corte de R$ 9 Bilhões que o governador ainda está tentando passar e mesmo sendo barrado, já está aplicando a redução das verbas nas escolas que não recebem mais o PDDE e estão com ameaça de fechamento de sala”, disse.
“O motivo do projeto ter sido colocada em regime de urgência por Tarcísio é claro. O governador montou seu circo para usar como cortina de fumaça e fugir do assunto principal: o financiamento na educação. O que resolverá os problemas na educação não são militares dentro da escola, é investimento massivo na educação ligado a políticas públicas que mantenham o estudante em um ambiente acolhedor e estruturado para que ele aprenda com plenitude seus conteúdos e se interesse em estar na escola”, continuou Valentina.
“A comunidade, professores e estudantes já se posicionaram contra ao projeto da criação de Escolas Cívico Militares no Estado e cabe a nós pressionarmos os deputados para que ouçam a população!”, ressaltou a presidente da UMES.
BRECHA PARA A PRIVATIZAÇÃO
O economista Thomas Jensen, rebateu os argumentos no tocante à segurança e à pacificação. Para ele, a violência no ambiente escolar tem múltiplas causas. “A repressão que supostamente esse PLC quer causar, trazendo a figura de um policial militar da reserva para dentro da escola, vai tumultuar ainda mais o ambiente”, afirmou.
Na opinião de Jensen, o Programa esbarra em legislações nacionais, como a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o Plano Nacional de Educação (PNE), e até estaduais, como o Plano de Educação Paulista. “Esses instrumentos legais vedam esse tipo de conformação pedagógica”, frisou.
Outro ponto criticado é o que Jensen considera ser uma “brecha para a privatização das escolas paulistas”. Ele referia-se ao artigo 15 do PLC, que permite a execução do programa por meio de convênios, termo de compromisso, acordo de cooperação ou outros instrumentos congêneres. “Dentro do espírito do atual Governo [paulista] se abre a brecha para organizações acabarem privatizando a escola”, pontuou.
Assim como Jensen, os oradores contrários ao programa criticaram a destinação de recursos orçamentários da educação para custear a remuneração dos monitores militares. Para os opositores, os investimentos deveriam ser aplicados na valorização dos professores e nas necessidades urgentes das escolas.