A morte da vereadora carioca, Marielle Castro, causou grande comoção e indignação por todo o país. Em dezenas de atos, milhares de manifestantes protestaram contra o assassinato de Marielle e de seu motorista, Anderson Pedro Gomes, e exigiram uma apuração séria e rápida do crime.
No Rio de Janeiro, uma multidão ocupou a frente da sede da Câmara Municipal de Vereadores, na Cinelândia, durante o velório da vereadora do PSOL. Enquanto Marielle era velada por amigos e parentes, a população se despedia entoando palavras de ordem contra a violência e os assassinatos de negros no país.
Os manifestantes permaneceram no centro do Rio até à noite, quando, já às dezenas de milhares, se concentraram em frente à Assembleia Legislativa (Alerj).
O ato em São Paulo, começou por volta de 17h no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista. O protesto fechou totalmente a via no início da noite. Professores municipais, que mantinham mobilização em frente à Câmara Municipal, contra a proposta de mudança no regime de Previdência, se somaram aos manifestantes na Paulista.
O protesto se dirigiu para a rua da Consolação e por fim se dispersou na Praça Roosevelt, no centro.
Também ocorreram atos em dezenas de outras cidades, como Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Belém, Manaus, Fortaleza, Curitiba, Florianópolis e Cuiabá.
“Não sou livre enquanto outra mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas”
Foi assim, lendo em português e inglês a citação da escritora americana Audre Lorde, que a vereadora Marielle Franco (PSOL) encerrou sua participação no debate “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, momentos antes da execução.
“Vamo que vamo, vamo junto ocupar tudo (sic)”, se despediu. Minutos depois, Marielle foi brutalmente assassinada com quatro tiros na cabeça, após deixar a Casa das Pretas, espaço coletivo de mulheres negras na Lapa, no centro do Rio de Janeiro.
Mulheres presentes no evento contaram que antes de deixar a Casa das Pretas, a vereadora pensou até em ir tomar uma cerveja com suas companheiras. No entanto, o cansaço venceu, e ela desistiu do programa e partiu com o motorista Anderson Pedro Gomes, que também foi assassinado e sua assessora que sobreviveu ao ataque.
“Quando acabou o debate nos abraçamos muito, tiramos fotos, e a Marielle sugeriu que a gente fosse tomar uma cerveja, a gente estava na Lapa (bairro boêmio). Mas eu desisti, queria ir pra casa, ela desistiu também”, contou a cineasta e produtora audiovisual Aline Lourena, sua colega de debate.
“Ela havia tido um dia complicado na Câmara, comentou sobre algum veto do prefeito. Chegou mais de uma hora atrasada ao debate por causa disso e pediu desculpas”, lembra a escritora Ana Paula Lisboa. No dia anterior, foi vetado pelo prefeito Marcello Crivella o projeto de lei que obrigaria a Prefeitura a divulgar o fluxo de caixa da cidade.
Durante o debate, Marielle falou da importância de lutar por uma sociedade justa para o povo. “O mandato de uma mulher negra, favelada, periférica, precisa estar pautado junto aos movimentos sociais, junto à sociedade civil organizada, junto a quem está fazendo para nos fortalecer naquele lugar onde a gente objetivamente não se reconhece, não se encontra, não se vê (o parlamento). A negação é o que eles apresentam como nosso perfil”, disse.
Uma dia antes de ser assassinada, Marielle reclamou da violência na cidade, no Twitter. No post, ela questionou a ação da Polícia Militar.
“Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”
Trajetória
Com bolsa integral, após ser aluna do Pré-Vestibular Comunitário da Maré, comunidade onde nasceu, Marielle Franco se graduou em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Sem tempo, durante os estudos na PUC, ela não se envolveu com movimentos estudantis. Ela dividia seu tempo entre estudos e trabalhos para sustentar a filha Luyara, nascida quando Marielle tinha 19 anos. Hoje, a jovem tem 18 anos.
Com o diploma de socióloga, ela, que já tinha trabalhado como educadora infantil na Creche Albano Rosa, na Maré, se tornou professora e pesquisadora respeitada. Depois virou mestre em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Sua vida politica foi dedicada à militância na defesa dos direitos humanos e contra ações violentas nas favelas. A luta foi impulsionada após a morte de uma amiga, vítima de uma bala perdida, durante um tiroteio envolvendo policiais e traficantes de drogas na favela onde nasceu e viveu.
Em 2006, Marielle Franco integrou a equipe de campanha que elegeu Marcelo Freixo (PSOL) à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Após a posse dele como deputado, foi nomeada assessora parlamentar dele. Depois assumiu a coordenação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj.
Em sua primeira disputa eleitoral, há dois anos, Marielle foi eleita com 46.502 votos para o cargo de vereadora na capital carioca pela coligação “Mudar é Possível”, formada pelo PSOL e pelo PCB. Ela foi a quinta mais votada na cidade. Por sua trajetória na universidade e na política 257 acadêmicos e professores declararam apoio a sua candidatura.
“Nossa conta era de superar cerca de 6 mil ou 6,5 mil votos. Até o último minuto no sábado à noite a gente estava fazendo campanha. Fiquei muito feliz com essa votação expressiva porque eu acho que é uma resposta da cidade nas urnas para o que querem nos tirar, que é o debate das mulheres, da negritude e das favelas“, disse ela pouco depois dos resultados.
Após saber o resultado da eleição, Marielle gritava com orgulho: “lugar de mulher é onde ela quiser”.