Site capturou e salvou conteúdo que a Meta (dona do Facebook) disse ao STF não ter mais em seus servidores. Metamemo capturou o post de modo automatizado enquanto esse ainda estava na conta de Bolsonaro
Eis que surgiu, publicou o jornal Folha de S.Paulo, a prova que faltava para implicar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com os atos golpistas de 8 de janeiro.
Esses dados foram preservados fora do sistema da Meta, dona do Facebook, e podem permitir acesso ao post deletado do perfil do ex-chefe do Executivo e que, segundo a PGR (Procuradoria-Geral da República), é fundamental para apresentar denúncia contra o ex-mandatário por incitação aos atos do 8 de janeiro.
Em resposta ao STF (Supremo Tribunal Federal), a Meta afirmara não ter mais em seus servidores o conteúdo solicitado pelo ministro Alexandre de Moraes, que é relator do processo em julgamento na Corte Suprema.
No entanto, o site em questão não tem relação com a empresa. É chamado de Metamemo, e capturou o post de modo automatizado enquanto esse ainda estava na conta de Bolsonaro e armazenou o conteúdo com outras informações sobre a publicação.
VALIDAÇÃO DE PERÍCIA EXTERNA
O uso de registros externos à Meta, porém, dependerá de validação de perícia externa para que esses sejam considerados como prova pelo Judiciário, segundo especialistas ouvidos.
Eles explicam, no entanto, que a resposta enviada pela dona do Facebook seria a prova mais robusta de que o perfil de Bolsonaro, de fato, postou o conteúdo alvo de investigação.
O MPF (Ministério Público Federal) disse que ainda não foi informado sobre o vídeo arquivado pela Metamemo e que não adianta posicionamento sobre a questão.
POST DE INCITAÇÃO AO GOLPISMO
Postado por Bolsonaro, em 10 de janeiro, o vídeo em questão foi produzido por terceiro e mostrava homem identificado como Dr. Felipe Gimenez, que atacava a segurança das urnas eletrônicas.
A publicação trazia ainda as frases “Lula não foi eleito pelo povo. Ele foi escolhido e eleito pelo STF e TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”.
INSTIGAÇÃO E AUTORIA INTELECTUAL
Apesar de o vídeo ser posterior aos ataques de 8 de janeiro, foi utilizado no pedido da PGR para que Bolsonaro fosse incluído no inquérito que apura a instigação e autoria intelectual dos ataques golpistas que resultaram na depredação da sede dos Três Poderes, em Brasília.
Raquel Saraiva, advogada e presidente do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife, explica que ponto mais delicado, para além da preservação do vídeo em si, é a comprovação de que foi a conta do ex-presidente que fez a postagem.
“[A validade como prova] depende muito do método que foi utilizado para coletar essa evidência”, diz ela.
Carlos Affonso Souza, advogado e diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade), avalia que o post capturado pela Metamemo pode vir a ser usado como indício de prova, mas não com a mesma força que seria a informação direta do Facebook.
‘INDÍCIOS DE PROVAS SÃO ABUNDANTES’
“[Mas] no caso específico do vídeo do Bolsonaro, me parece que os indícios de provas são abundantes”, diz ele, apontando em especial para repercussão na imprensa, mas também a própria reverberação na rede social a partir da publicação.
Em depoimento à PF (Polícia Federal) em abril, o próprio Bolsonaro não teria negado a publicação, mas sim alegou ter publicado o vídeo por engano, sob efeito de medicamentos. As justificativas foram dadas no âmbito do inquérito que mira os autores intelectuais dos ataques.
Marta Saad, advogada e professora de direito processual penal da USP (Universidade de São Paulo), diz que o ponto importante em relação às provas digitais é demonstrar que não houve adulteração.
“Elas [essas] precisam de registros documentais que atestem que aquilo é alguma coisa confiável, íntegra, autêntica”, diz. “Uma coisa é a própria Meta fornecer. Agora, outras informações precisam de uma prova pericial que analise esses metadados”.
EXAME SOBRE A PLATAFORMA UTILIZADA
José Antonio Milagre, perito especialista em crimes cibernéticos, diz que a análise técnica pode envolver exame sobre a plataforma utilizada para fazer essa coleta.
“Pediria para ver se alguém consegue editar a base de dados e inserir esse vídeo sem que isso estivesse na rede social, que ele me mostrasse os metadados e as assinaturas que asseguram que isso foi crawleado [coletado] do Facebook”, exemplifica ele.
Milagre adiciona ainda que, com os dados do site externo, seria possível ainda questionar ao Facebook se eles poderiam ao menos confirmar se o link capturado de fato existiu, o que tornaria a evidência mais robusta.
SISTEMA DE COLETA E ARMAZENAMENTO
O Metamemo se apresenta como sistema criado para “coletar, armazenar, processar e visualizar as memórias de um perfil” nas principais redes sociais da internet, para uso por ativistas, jornalistas e pesquisadores. O projeto diz ter armazenado mais de 100 mil conteúdos produzidos por Bolsonaro e os filhos dele, desde fevereiro de 2022.
Outra controvérsia no caso é quanto à ordem de Moraes para que Meta fornecesse os dados em 48 horas, sob pena de multa no valor de R$ 100 mil por dia de descumprimento, que foi emitida no último dia 5 de dezembro, 1 dia depois de a PGR reiterar a solicitação do material.
Segundo os autos do processo, o material de fato já havia sido solicitado em janeiro pela PGR, quando Moraes determinou a preservação do conteúdo para posterior entrega. Em julho, a PGR já tinha reforçado o pedido, desembocando em nova decisão de Moraes no início de agosto.
Em 17 de agosto, a Meta informou que não tinha sido intimada da decisão de janeiro e que não tinha mais o conteúdo em seus servidores. A informação foi repetida em 4 de dezembro.
Na decisão de 5 de dezembro, Moraes não toca no assunto, por exemplo, para rebater a empresa.
Ao mencionar a resposta da plataforma, o ministro se limita a afirmar: “Em resposta, a empresa Meta Platforms,INC. apresentou a petição eDoc. 2378”, sem entrar no mérito dos argumentos apresentados pela Meta.
Moraes vota para condenar mais 29 réus
Análise das ações é feita em sessão virtual que vai até fevereiro. Supremo já condenou 30 bolsonaristas pela tentativa de golpe de Estado
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) votou, nesta sexta-feira (15), para condenar mais 29 réus acusados de serem os executores dos ataques aos Três Poderes, dia 8 de janeiro, em Brasília. Eram 30 réus, mas um foi retirado da pauta de julgamento.
O ministro propôs penas que variam de 14 a 17 anos, em regime inicialmente fechado, além do pagamento de multa e de indenização de R$ 30 milhões por danos morais coletivos — em conjunto com os demais condenados pelo caso.
O julgamento, realizado em sessão virtual, iniciou-se nesta madrugada e vai até 5 de fevereiro de 2024. Neste formato de julgamento, não há debate entre os ministros, que votam por meio de sistema eletrônico.
Durante a votação, é possível pedir vista — o que paralisa a análise — ou destaque — que zera o placar e pode remeter o julgamento ao plenário físico da Corte.
Os advogados de defesa dos réus podem fazer manifestações por meio de vídeo enviado aos processos.
NÚCLEO DOS EXECUTORES
Cada ação vai ser analisada e julgada de forma individual. Todos são acusados de integrar o núcleo dos executores dos atos que levaram à invasão e depredação das sedes dos Três Poderes.
Eles respondem por 5 crimes de:
• associação criminosa armada;
• abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
• golpe de Estado;
• dano qualificado; e
• deterioração de patrimônio tombado.
As denúncias foram oferecidas pela PGR (Procuradoria-Geral da República).
O Supremo já condenou 30 pessoas pela participação nos atos antidemocráticos.
M. V.