
Órgão analisa recorrer ao STF contra decisão de anular quebras de sigilos fiscais e bancários dos envolvidos no assalto de R$ 6,1 milhões à Assembleia Legislativa do Rio
As provas que levaram o Ministério Público do Rio a denunciar Flávio Bolsonaro e mais 16 pessoas no escândalo de desvio de R$ 6,1 milhões da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), conhecido como o “caso das Rachadinhas”, foram obtidas através das quebras de sigilo decretadas pelo juiz Flávio Itabaiana, da da 27ª Vara Criminal, do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio.
A anulação nesta terça-feira (23) pelo STJ das quebras dos sigilos põe em risco toda a investigação que desvendou em detalhes como agia a quadrilha chefiada por Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz. O MP do Rio alerta para a gravidade da decisão.
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
Flávio foi denunciado pelo MP-RJ no ano passado sob acusação de peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa. Segundo os investigadores, o senador liderava uma quadrilha para recolher parte dos salários de funcionários fantasmas de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa para benefício pessoal. Toda essa investigação está em risco de ser anulada.
Também estão na quebra de sigilo bancário os registros dos cheques de Queiroz e sua mulher para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que somam R$ 89 mil e que até agora não foram explicados.
O efeito cascata da decisão do STJ ainda depende dos votos e do acórdão a serem publicados. Ele pode ser determinado diretamente pelo STJ ou pode ser debatido no Órgão Especial do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), foro designado para julgar o caso do senador. O MP do Rio ainda poderá recorrer da decisão ao Supremo Tribunal Federal.
LIGAÇÃO COM A MILÍCIA
Entre os fantasmas do gabinete de Flávio Bolsonaro estavam a mãe e a ex-mulher do chefe da milícia de Rio das Pedras, o capitão Adriano da Nóbrega, pistoleiro profissional e assassino de aluguel.
Durante as investigações foi descoberto que Fabrício Queiroz, assessor de Flávio, estava ameaçando testemunhas e destruindo provas. Esta informação foi obtida através da quebra de sigilo telefônico e telemático dos envolvidos. Com a suspensão das quebras de sigilos, as provas contundentes da ação criminosa de Flávio e Queiroz poderão simplesmente ser arquivadas.
A própria prisão de Queiroz, atualmente em regime domiciliar, está sob risco. Ela foi decretada com base em mensagens e anotações apreendidas com sua mulher, Márcia Oliveira Aguiar. A decisão que autorizou as buscas teve como fundamento as quebras de sigilo agora anuladas. Ali descobriu-se que Queiroz, apesar de estar escondido na casa de Wasseff, estava em plena atividade, ameaçando testemunhas e destruindo provas.
QUEIROZ AMEAÇOU TESTEMUNHAS E TENTOU DESTRUIR PROVAS
As provas da atuação de Queiroz ameaçando e orientando testemunhas, numa clara ação de obstrução da Justiça, está em risco de ser anulada. Entre essas ameaças está o caso de Luiza Sousa Paes.
Numa operação de busca e apreensão ocorrida durante as investigações, a Justiça captou conversas telefônicas entre uma ex-funcionária do gabinete de Flávio, Luiza Sousa Paes, e seu pai, Fausto Antunes Paes. Elas mostraram que a dona do telefone, Luiza Sousa Paes, a ex-funcionária, demonstrava preocupação com reportagens que tratavam de Fabrício Queiroz e a adulteração de provas documentais na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) com intuito de obstruir a atuação da Justiça.
Uma mensagem do pai para Luiza dizia: “deixa passar essa semana pra ver. Eu vou passar um áudio aqui ao Queiroz, perguntar pra ele ver lá com aquele advogado lá qual é a melhor atitude a tomar. Entendeu? Depois te falo”. Em 14 de dezembro de 2018, Fausto pediu para que Luiza levasse seus extratos bancários com a finalidade de serem analisados de acordo com os valores dos depósitos efetuados na conta de Fabrício, combinando assim uma versão sobre os fatos.
Convocada para depor pelo MP, Luiza tem o seguinte diálogo com o pai. “Luiza, o Gustavo (Luiz Gustavo Boto Maia, advogado de Flávio) me ligou aqui agora. Se enrolou todo e ainda tá lá na Barra ainda (…). É para não ir amanhã! Eu perguntei a ele, Gustavo, não tem perigo esse negócio? Não, não, não. Não se preocupa não. Ninguém foi hoje e ninguém vai amanhã….”
PROVAS ADULTERADAS
As conversas revelaram também que foram providenciadas assinaturas retroativas de Luiza nos livros de ponto da Alerj. Luiza teve medo, mas acabou concordando em assinar. Ela compareceu na Alerj em 24 de janeiro de 2019, encontrou-se com o funcionário Matheus Azeredo Coutinho, e a adulteração do livro de ponto foi efetuada de forma retroativa ao ano de 2017. Ou seja, Queiroz estava em plena atuação para obstruir a Justiça quando foi preso. Luiza apresentou extratos bancários para comprovar que entre 2011 e 2017 entregou por meio de depósitos e transferências R$ 160 mil para Fabrício Queiroz. Ela informou que, no dia em que iria depor no MP/RJ, participou de uma reunião com Frederick Wassef, que a coagiu a não comparecer ao MP e a destruir provas.
Nesta mesma ocasião, Fabrício Queiroz ordenou que a mãe de Adriano da Nóbrega, Raimunda Veras Magalhães, fugisse do Rio de Janeiro, para o interior de Minas Gerais, para não depor no Ministério Público. Depois apareceram os extratos bancários de Raimunda Veras e confirmam que ela e o filho, o miliciano Adriano da Nóbrega, que chefiava a milícia do Rio das Pedras e o Escritório do Crime, uma espécie de central de assassinatos das milícias, participavam do esquema de lavagem dinheiro do gabinete de Flávio Bolsonaro.
REPASSES DA MÃE DE ADRIANO NÓBREGA PARA QUEIROZ
A quebra de sigilo bancário de quatro contas de Raimunda Magalhães mostra uma rotina padrão: saques, movimentações entre contas, repasses diretos a Queiroz, por transferência eletrônica bancária, cheques e dezenas de depósitos em dinheiro vivo, com coincidência de datas e valores de recebimento dos salários. Operações financeiras que têm proximidade de períodos e cifras com operações suspeitas realizadas em contas de Flávio Bolsonaro, de Queiroz e de outros investigados, que geraram alertas de inteligência financeira.
Raimunda não pisava na Alerj mas constava como assessora parlamentar de Flávio entre 2015 a 2018. Duas de suas contas registram 13 repasses para conta de Queiroz, entre 2014 e 2018. São pelo menos seis transferências eletrônicas em que o nome do ex-braço direito de Flávio Bolsonaro aparece e sete cheques vinculado a conta dele. Um total de R$ 64.730,00.
Para os investigadores, os repasses anteriores a 2015 têm relação com os salários de Danielle da Nóbrega – ex-mulher de Adriano, contratada desde 2007, mesmo ano em que Fabrício Queiroz virou assessor de Flávio Bolsonaro e ela ainda era casada com o ex-capitão do Bope (a tropa de elite da PM do Rio). Este fato reforça a suspeita de que Fabrício Queiroz tinha ligações anteriores com Adriano e que foi ele que levou os familiares do miliciano para o gabinete. Acusado de assassinato, na Operação Intocáveis, Capitão Adriano morreu baleado pela polícia da Bahia, em 9 de fevereiro, ao reagir à prisão. O miliciano passou um ano foragido da Justiça.
Quatro depósitos de Raimunda Veras a Queiroz são nominais e saíram da conta do Itaú Unibanco, em que recebia os vencimentos da Alerj, com padrão de repasse simultâneo ao crédito, valor coincidente e operações fracionadas de menor valor relacionadas. Uma transferência é de julho de 2016, valor de R$ 4.600,00. As demais, em 2018: R$ 4.500,00, em 2 de março, R$ 4.150,00, em 2 de maio, e R$ 6.000,00, em 1º de outubro.
RELATÓRIOS DO COAF
Os advogados de Flávio Bolsonaro também querem anular o compartilhamento de relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) com os investigadores. Foi a partir de um relatório do Coaf que foi detectada a movimentação suspeita de R$ 7 milhões na conta de Fabrício Queiroz entre 2014 e 2017.
Também com base nos dados do relatório de inteligência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e da quebra do sigilo bancário da mãe do Capitão Adriano, há uma coincidência dentro do padrão dos repasses mensais e a transferência direta feita no mês de julho. No dia 14 daquele mês, a Alerj depositou R$ 5.160,98 na conta de Raimunda Magalhães. Na mesma data, ela fez uma transferência eletrônica nominal para Queiroz, de R$ 4.600,00 – abaixo do valor de R$ 5 mil, que gera automaticamente comunicado interno no sistema bancário -, um saque, em dinheiro, de R$ 200,00, e uma transferência para ela mesma de R$ 300,00.
A cena de Flávio Bolsonaro ao lado de Frederick Wasseff na terça-feira (23) dando entrevista após a decisão do STJ desmente que o “anjo”, como era chamado o advogado por Queiroz, não estivesse mais defendendo o filho do presidente. Wasseff tinha sido “afastado” depois que a polícia descobriu que o “advogado” da família escondia Fabrício Queiroz e sua mulher, Márcia Oliveira, em sua casa na cidade de Atibaia, no interior de São Paulo. Ele que era visto nos salões do Planalto, desapareceu. Agora, está de volta.
BOLSONARO INTERROMPE ENTREVISTA
Nesta quarta-feira (23), Jair Bolsonaro se irritou com uma pergunta feita por um repórter do jornal O Estado de São Paulo sobre o julgamento do STJ que anulou a quebra de sigilos bancários e fiscais de Flávio Bolsonaro no caso da rachadinha. Ao ser questionado sobre o tema, Bolsonaro foi enfático: “Acabou a entrevista”. Depois, ele saiu correndo sem dar maiores explicações. Realmente vai ser difícil explicar como todas as falcatruas, que são públicas, de seu filho poderão desaparecer de uma hora para outra.
S.C.