Elas foram obtidas pela Operação Intocáveis e não pela quebra de sigilos bancário e fiscal. Bolsonaro fugiu de entrevista no Acre para não falar do assunto e nem dos 21 cheques, num total de R$ 89 mil, de Queiroz para Michelle
Jair Bolsonaro interrompeu bruscamente uma entrevista nesta quarta-feira (24), no Aeroporto de Rio Branco, no Acre, quando foi perguntado sobre a anulação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) das quebras de sigilos bancários e fiscais no caso da lavagem de dinheiro desviado da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), envolvendo seu filho, Flávio Bolsonaro. “Está encerrada a entrevista”, disse ele antes de sair correndo.
DECISÃO DO STJ DIFICULTA INVESTIGAÇÕES
A 5ª Turma do STJ considerou, na terça-feira (23), que a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Flávio e mais 94 pessoas envolvidas no esquema criminoso, decretada pelo juiz Flávio Itabaiana Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio, não foram bem fundamentadas. O MP do Rio baseou-se em várias informações obtidas com essas quebras de sigilos para denunciar Flávio Bolsonaro e mais 15 pessoas no final do ano passado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Se a decisão foi favorável, por que, então, Bolsonaro fugiu? Ele tem algo a esconder? É fato que ele até hoje não explicou os 21 cheques de Fabricio Queiroz, no valor de R$ 89 mil, depositados na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Certamente, esse assunto voltaria à baila. Queiroz era o operador do esquema montado no gabinete de Flávio para roubar dinheiro público. Eles contratavam funcionários fantasmas que ficavam com parte do salário sem trabalhar e depositavam a outra parte na conta de Queiroz. Este repassava para integrantes da família de Flávio.
BOLSONARO CONFIRMA: QUEIROZ PAGAVA MINHAS CONTAS
Tanto isso é verdade que Bolsonaro chegou a admitir, numa entrevista ao programa do Datena, em dezembro de 2020, que Queiroz repassava sim recursos para ele. “O Queiroz pagava conta minha também. Era de confiança, tá?”, alegou Bolsonaro, ao inventar uma desculpa esfarrapada de que Queiroz passara os recursos porque devia a ele um empréstimo pessoal que nunca foi confirmado.
As provas obtidas durante as investigações são muito contundentes. São conversas, são extratos bancários, são relatos detalhados mostrando Queiroz abarrotado de dinheiro, mostram também ele ameaçando testemunhas a tentando destruir provas na Alerj. Sem conseguir contestar nenhuma dessas provas, a defesa de Flávio joga tudo na estratégia de que elas foram obtidas ilegalmente.
A alegação de que houve irregularidades na decisão do juiz Flávio Itabaiana na quebra dos sigilos bancário e fiscal dos envolvidos, assim como a decisão do STJ da última terça-feira (23), poderá anular algumas provas, mas não todas. As que ligam Flávio às milícias, por exemplo, estão fora do alcance da medida. Isto é o que mais preocupa Bolsonaro.
O Planalto ainda aposta suas fichas na decisão da semana que vem de considerar ilegal o compartilhamento de relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) com os investigadores. Foi um desses relatórios que detectou a movimentação suspeita de R$ 7 milhões na conta de Queiroz entre 2014 e 2017. O Supremo Tribunal Federal (STF) já julgou legal esse compartilhamento. Queiroz não tinha renda compatível com essa movimentação.
COAF IDENTIFICOU MOVIMENTAÇÃO SUSPEITA
Uma das principais elucidações obtidas pelo MP-RJ nas investigações do caso da rachadinha – e que muito preocupa o Planalto – foram em relação às estreitas ligações do gabinete de Flávio Bolsonaro com a milícia de Rio das Pedras. Essas informações não foram obtidas a partir da quebra de sigilos bancário e fiscal decretada por Itabaiana. As mensagens que ligam Flávio às milícias foram reveladas na Operação Intocáveis, que investigava a atuação da milícia em Rio das Pedras, comandada por Adriano da Nóbrega, um ex-capitão do Bope que foi homenageado por Flávio com a Medalha Tiradentes, e defendido por Jair Bolsonaro em 2005 (veja vídeo).
Nesta operação, o celular de Danielle Mendonça da Costa, ex-mulher de Adriano, foi apreendido. Ela foi assessora fantasma de Flávio entre setembro de 2007 a novembro de 2018. As mensagens entre Queiroz e a ex-mulher do miliciano dão sobrevida à apuração sobre Flávio Bolsonaro. Neste período, entre 2017 e 2018, os dois também falam sobre envio de cópia da declaração do Imposto de Renda de Danielle para Queiroz.
CHEFE DA MILICIA RECEBIA RECURSOS DO GABINETE DE FLÁVIO
O Ministério Público do Rio de Janeiro deu prosseguimento às investigações e descobriu que o chefe da milícia de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro, o ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, ficava com parte dos valores arrecadados através de “rachadinha” no gabinete do então deputado.
De acordo com o Gaeco (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção), Adriano Nóbrega fez contato com Danielle por Whatsapp no dia 29 de dezembro de 2018 – período no qual já estava foragido e com a investigação do Caso Queiroz em curso.
Queiroz demonstrou preocupação com a manutenção de Danielle Mendonça como funcionária fantasma na Alerj devido às eleições de 2018 e o receio de que o aumento da exposição do deputado estadual Flávio Bolsonaro levasse a imprensa a descobrir a esposa do miliciano em seu gabinete.
Em outra mensagem, Queiroz diz:
Queiroz: “sobre seu nome…. não querem correr risco, tendo em vista que estão concorrendo e a visibilidade que estão”.
Queiroz: “estão fazendo um pente fino nos funcionários e família deles”.
Danielle Mendonça acabou sendo exonerada. Em uma conversa com uma amiga em janeiro do ano passado ela admitiu que sabia da origem ilícita do dinheiro e que essa situação a incomodava.
Danielle: “enfim amiga… por outro lado, eu não sei se comentei com você, mas eu já vinha um tempo muito incomodada com a origem desse dinheiro na minha vida. Sei lá. Deus deve ter ouvido”.
Os investigadores afirmam que Danielle revelou numa outra mensagem que foi o ex-marido quem acertou a nomeação de funcionária fantasma na Alerj.
O MP-RJ avalia que essas mensagens indicam que ela era uma “funcionária fantasma” com participação na “rachadinha”. Além disso, mostraria que Queiroz informava sobre os desvios “a outros integrantes da organização criminosa”.
Um outro conjunto de mensagens ocorreu depois de dezembro de 2018, quando o jornal O Estado de S. Paulo divulgou dados do relatório do Coaf que menciona Queiroz, documento sob questionamento no STJ.
Nessa conversa, Queiroz pede para que Danielle tenha cuidado com quem fala no celular e envia uma foto da página do jornal para a interlocutora. No mesmo dia, Danielle conversa com o próprio Adriano sobre sua exoneração, ocorrida no mês anterior. Na conversa, o miliciano afirma que também contava com o dinheiro que ela recebia no gabinete, indicando a sua participação no esquema. Em janeiro de 2019, Queiroz questiona se Danielle foi chamada para depor no MP-RJ. O PM aposentado deletou as mensagens, mas pelas respostas da ex-assessora os investigadores inferem que ela foi orientada a não prestar esclarecimento às autoridades.
S.C.
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