Clube da propina não quer largar o osso
Senadores selam pacto para manter impunes seus crimes contra o povo
Aécio Neves – para usar uma expressão do falecido ministro Teori Zavascki – é o pejorativo de um Senado que já é pejorativo. Com 44 senadores investigados pela Operação Lava Jato ou equivalentes, Aécio consegue estar, e com prazer, na janela do prostíbulo em que se tornou a vida política do país.
Exatamente por isso, ele serve para expor, em toda a crueza, o que são as organizações criminosas, como o PMDB, o PT e o PSDB, que o defendem – porque estão defendendo o seu próprio roubo, ou, para ser preciso, estão defendendo o que já roubaram do povo, do país, e o que ainda pretendem roubar, se não forem removidos e conduzidos ao lugar que é adequado aos criminosos.
Talvez por conhecer melhor o elemento – que, aliás, ainda é o seu presidente nacional – o PSDB era, entre as quadrilhas, a que menos se empenhava na defesa da impunidade de Aécio. Mas o mandado de segurança impetrado por sua direção nacional, na prática exigindo que o STF anule a decisão sobre Aécio, sob pena (?) de derrubar a decisão no Senado, fez com que retornasse à vala comum da patifaria. Antes, pelo menos, achava embaraçoso ter, como cara pública, a de Aécio Neves.
MEDIDAS CAUTELARES
Qual a diferença entre o PMDB, o PT, o PSDB – e outros assemelhados de menor porte?
Que diferença – moral, ideológica – há entre Temer, Aécio e Lula quando o PT afirma, em nota oficial que “não existe a figura do afastamento do mandato por determinação judicial”?
Essa é uma questão decidida desde o afastamento de Cunha de seu mandato de deputado. Como escreveu o ministro Zavascki, em maio de 2016, o fato da Constituição estabelecer algumas exceções para os parlamentares (essencialmente, o foro privilegiado e a proibição de que sejam presos, exceto em caso de flagrante de crime inafiançável), não livra os parlamentares de cumprir as demais leis do país – inclusive o Código de Processo Penal, que determina:
“Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
(…)
“II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
“III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
“IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
“V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
“VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;”
O que o PT está defendendo – quando diz que “não existe a figura do afastamento do mandato por determinação judicial” – é que os parlamentares estão acima das leis, da Justiça e dos outros brasileiros.
Nem mesmo comove o PT – ou a comoção é para acoitar Aécio, com medo de que a próxima seja a proeminente lavajatista Gleisi Hoffman, sua presidente – o fato de que as acusações contra Aécio Neves estão provadas (como disse o ministro Fux, “aqui não há uma dúvida razoável. Foi identificada a voz do senador, foi filmado o intermediário indicado para receber o dinheiro e, na verdade, essa é uma conduta que se revelou a todos nós incompatível (…). E sob o prisma republicano as provas apresentadas eram muito contundentes no tocante a essa questão da exigência da moralidade no exercício do mandato. As pessoas processadas em razão de fatos graves não podem agir como se nada estivesse acontecendo e o Poder Judiciário não pode ser complacente com uma situação dessas”).
Ou, no voto do ministro Barroso: “Os indícios de materialidade e autoria dos delitos apontados na denúncia são substanciais”.
Em seu voto pelo afastamento de Cunha, o ministro Zavascki citou uma jurista, que escreveu:
“A Constituição não diferencia o parlamentar para privilegiá-lo. Distingue-o e torna-o imune ao processo judicial, e até mesmo à prisão, para que os princípios do Estado Democrático da República sejam cumpridos; jamais para que eles sejam desvirtuados. Afinal, o que se garante é a imunidade, não a impunidade. Essa é incompatível com a Democracia, com a República e com o próprio princípio do Estado de Direito” (grifos nossos).
A autora é a atual presidente do STF, Cármen Lúcia.
Aliás, a melhor definição do que aconteceu – e ainda acontece – no Senado, após o STF ter afastado Aécio Neves, foi também de um jurista, Modesto Carvalhosa:
“Há uma união novamente das facções para que todas se defendam, com o medo evidente de que essa medida meramente cautelatória, conservadora e leve possa afetar outros senadores. A polícia está chegando perto das facções e elas se unem. É mesma coisa que ocorre nas comunidades do Rio de Janeiro.”
Com efeito, a decisão do STF, proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso, limitou-se a restabelecer as medidas cautelares já determinadas pelo relator do processo, ministro Luiz Edson Fachin (“suspensão do exercício das funções parlamentares ou de qualquer outra função pública; proibição de contatar qualquer outro investigado ou réu; e proibição de se ausentar do País”) e a acrescentar mais uma (“recolhimento domiciliar no período noturno”).
Todas essas medidas são cautelares, isto é, para impedir que Aécio continue a praticar crimes e contravenções ao abrigo do mandato – e, também, para que não possa usar do poder que tem como senador para apagar seus próprios rastros nos crimes que já cometeu ou venha cometer.
E todas essas medidas são previstas pelo Código de Processo Penal, ao qual os senadores estão sujeitos, tanto quanto qualquer cidadão.
Mas, o que querem fabricar é um senador acima das leis e do poder da Justiça. Para quê? Para roubar impunemente o país, assim como fizeram nos últimos anos.
LIMPEZA
Outro jurista apontou o seguinte:
“O STF só decretou o afastamento do senador depois que a Comissão de Ética do Senado arquivou liminarmente o pedido de punição. Mais: tampouco o senador foi expulso do PSDB, que continua majoritariamente conivente com a corrupção dos seus caciques eticamente escroques. (…) Não constitui nenhum tipo de abuso afastar das funções públicas (Código de Processo Penal, artigo 319) quem representa um perigo sério para o erário. O Judiciário, quando afasta um parlamentar por corrupção, não está interferindo indevidamente nas funções legislativas. Ao contrário, está protegendo-as. Quando o Judiciário tira um ladrão de dentro do Parlamento não o enfraquece, ao contrário, o fortalece. Se o Senado brasileiro não fosse majoritariamente um antro de ladrões e quadrilheiros da República, ele seria agradecido à 1.ª Turma [do STF], pela limpeza que está tentando fazer” (cf. Luiz Flávio Gomes, “Senado está errado no caso do afastamento de Aécio”, OESP, 02/10/2017).
CARLOS LOPES