
As propostas russas por segurança e paz e contra sanções e deslocamento a leste de armas da Otan/EUA, que acirram as tensões, foram levadas pelo presidente russo, Vladimir Putin ao norte-americano Joe Biden, na noite de quinta-feira (30) através de conversa telefônica.
Já em 17 de dezembro, Moscou – em um gesto de diplomacia aberta – havia tomado a iniciativa incomum de publicar o teor de suas propostas de acordos sobre garantias de segurança dirigidos aos Estados Unidos e à OTAN. Elas haviam sido entregues a um representante dos Estados Unidos dois dias antes.
As propostas visam, como a Rússia tem deixado claro, reconstruir a segurança e cooperação coletiva na Europa. Na conversa, o presidente russo, Vladimir Putin, deixou claro que são medidas norte-americanas que vêm causando grave dano às relações entre os dois países.
Ele advertiu que o abandono das propostas de entendimento e o acirramento das tensões podem, no limite, levar até ao corte completo das relações entre a Rússia e os Estados Unidos, em especial, no caso das ameaças de “sanções sem precedentes” se tornassem realidade, disse o assessor do Kremlin, Yury Ushakov, a repórteres logo após as duas horas de conversação.
Neste quesito, Putin estava respondendo ao alerta de Biden de que os países ocidentais introduzirão sanções econômicas e militares maciças se ocorrer uma nova escalada na fronteira com a Ucrânia, disse Ushakov, segundo a agência de notícias TASS.
“Nosso presidente respondeu imediatamente a isso, dizendo que se o Ocidente avançar para introduzir as sanções sem precedentes como já mencionado, então tudo o que poderia causar um rompimento total das relações entre os nossos países e os mais graves danos serão causados às relações da Rússia com o Ocidente em geral”, disse o diplomata.
Putin avisou que as gerações futuras considerarão tais movimentos, por parte dos EUA, como erros, disse o assessor. “Houve muitos desses erros nos últimos 30 anos e é preferível que eles não sejam mais cometidos”, disse Ushakov.
No entanto, em preocupante tom belicoso, a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, em comunicado na quinta-feira sobre o teor da discussão entre os dois presidentes por telefone, destacou que o presidente Joe Biden disse a Putin que Washington e seus aliados estão prontos para responder fortemente se a Rússia “invadir a Ucrânia”,
“O presidente Biden exortou a Rússia a diminuir as tensões com a Ucrânia”, disse o comunicado que omite a real causa das tensões. “Biden”, disse a assessora da Casa Branca, “deixou claro que os Estados Unidos e seus aliados e parceiros responderão de forma decisiva se a Rússia invadir ainda mais a Ucrânia.”
Segundo fonte citada pela Associated Press, Biden disse a Putin que as duas potências agora enfrentam “dois caminhos”: diplomacia ou dissuasão americana por meio de sanções, o que “dependerá das ações da Rússia no período que se avizinha”. Funcionários da Casa Branca disseram que a ligação durou 50 minutos, terminando depois da meia-noite em Moscou.
Foi a segunda vez neste mês que os presidentes conversaram. A conversa anterior ocorreu por link de vídeo no dia 7 de dezembro, com tópicos como Ucrânia, relações bilaterais, segurança cibernética e acordo nuclear do Irã.
As últimas negociações foram solicitadas por Putin. O objetivo é continuar as discussões iniciadas durante as negociações anteriores e discutir as negociações programadas para janeiro, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.
Ultimamente, houve uma escalada de alegações em Washington, Bruxelas e Kiev de que a Rússia poderia invadir a Ucrânia. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse a eles que as observações integram uma escalada infundada e que a Rússia não ameaça ninguém. Ao mesmo tempo, ele não descartou provocações de parte de Kiev para corroborar essas declarações ocidentais e alertou que o uso da força para tentar resolver a crise no sudeste da Ucrânia terá graves consequências.
A Rússia reiteradamente advertiu que a política de Washington de entupir Kiev de armas e instrutores militares está empurrando o regime CIA-neonazis instaurado em 2014 a tentar resolver pela força militar e com um banho de sangue o impasse no Donbass (leste ucraniano de ascendência russa). Isso, depois de passar anos sabotando os acordos para uma solução pacífica prevista nos Protocolos de Minsk.
Também como relatou o assessor do Kremlin, Ushakov, a repórteres após a conversa, Biden enfatizou várias vezes durante a ligação com seu homólogo Putin, que uma guerra nuclear não pode ser iniciada.
“É muito importante que o presidente Biden tenha enfatizado várias vezes durante a conversa que uma guerra nuclear não pode ser iniciada e tampouco vencida. Os americanos procedem isso entendendo que os EUA e a Rússia têm os maiores potenciais nucleares do mundo”, disse Ushakov.
De acordo com o assessor do Kremlin, “Biden também enfatizou que a Rússia e os EUA podem e devem desempenhar um papel fundamental nos esforços para garantir a paz e a segurança na Europa e em outros lugares do mundo”.
Ainda segundo Ushakov, como registrou a agência TASS, o presidente dos EUA, Joe Biden, concordou quando Putin disse que a Rússia estava buscando resultados nas negociações sobre garantias de segurança.
Putin disse a Biden sobre os princípios que fundamentam as propostas de segurança da Rússia, disse o assessor. O presidente disse que as negociações são importantes, mas o principal objetivo da Rússia é sua segurança e que o país buscará atingir esse objetivo.
“O presidente dos EUA em geral concordou com esse ponto de vista e sua reação fez sentido e foi bastante séria”, avaliou o assessor.
Putin também disse que a Rússia está preocupada com o posicionamento de armas ofensivas perto de suas fronteiras e agirá da mesma forma que os EUA agiriam se tivesse que enfrentar um posicionamento dessas armas perto de suas próprias fronteiras, disse Ushakov.
Mais recentemente, ao dar fim ao tratado de não-proliferação de armas nucleares intermediárias e se retirar do tratado ‘Céus Abertos’. Desde os anos 1990, ao violar o compromisso de não estender a Otan para leste, movimento pelo qual tentam, agora, concluir o cerco à Rússia, anexando a Ucrânia, sob um regime instaurado por um golpe CIA-neonazis, e a Geórgia, e pressionam Suécia e Finlândia para abandonarem a neutralidade.
A instalação de instalações ditas antimíssil que podem ser transformadas em quatro horas em baterias de mísseis de cruzeiro, na Polônia e na Romênia, também está na fase final.
Em paralelo, da arquitetura de segurança que preveniu uma guerra nuclear no planeta, só restou o acordo de limitação START III, que foi prorrogado no último minuto e que Trump sequer queria estender.
Assim, nas palavras de Putin ao colegiado da Defesa russa, aos seus generais, foi de que “não temos como recuar”. A anexação da Ucrânia pela Otan significaria que mísseis nucleares convencionais demorariam entre sete-dez minutos para chegar a Moscou e, assim que entrem em operação mísseis hipersônicos que Washington busca desenvolver, esse tempo ficaria reduzido a cinco minutos.
No momento, a Rússia está na vanguarda das armas hipersônicas e realizou uma salva do míssil Zircon na semana passada, além de ter adiantado a entrada em serviço do sistema de defesa S-500.
De forma resumida, a proposta russa restaura a segurança coletiva na Europa, cujo princípio basilar desde 1975 é que a segurança de um acaba onde começa a do vizinho, e exige que cesse a expansão da Otan ainda mais para leste, principalmente na Ucrânia e na Geórgia.
Ainda: que a Otan e EUA dêem garantias formais disso e de que não implantarão baterias de mísseis em países que fazem fronteira com a Rússia. Fim dos exercícios militares e navais da OTAN em nações e mares que fazem fronteira com a Rússia. Restauração efetiva do tratado que cobre as armas nucleares de alcance intermediário. Diálogo de segurança contínuo.
Em sua coletiva de imprensa anual, Putin foi bastante incisivo em resposta a uma jornalista norte-americana, que tentava jogar sobre a Rússia a pecha de agressor.
“Estamos implantando mísseis perto da fronteira dos EUA? Não, nós não estamos. São os Estados Unidos que vieram a nossa casa com seus mísseis e já estão à nossa porta. Deixamos claro que qualquer movimento posterior da OTAN para o Leste é inaceitável. Há algo obscuro sobre isso?”.
“É ir longe demais exigir que nenhum sistema de ataque seja colocado perto de nossa casa? O que há de tão incomum nisso?”, resumiu.
Estão previstas rodadas de negociações entre os dois lados após o início do ano. Nos dias 9 e 10 em Genebra, estarão frente representantes russos e norte-americanos. No dia 12, haverá uma reunião do Conselho Rússia-Otan. No dia 13, uma reunião em Viena no âmbito da Organização pela Segurança e Cooperação na Europa (OCSE).
Como o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, advertiu anteriormente, sem garantias formais e recuo dos EUA/Otan das portas da Rússia, o mundo estará diante de nova “crise dos mísseis do Caribe”.