O presidente russo disse que agirá “de forma espelhada” se EUA realocar mísseis nucleares na Europa e que não vê “nenhuma razão para expor a Europa a tal risco, mas não é nossa escolha”
O presidente russo Vladimir Putin advertiu na quarta-feira (24) que se os EUA abandonarem o Tratado de proibição de mísseis nucleares de curto e médio alcance (INF), em vigor desde 1987, e com o START, de limitação de mísseis nucleares intercontinentais, prestes a expirar em 2021, “só restará a corrida armamentista”, situação “extremamente perigosa”. “Se todos esses acordos são desmantelados, não ficará nada em matéria de restrição de armamentos [nucleares]”.
Putin alertou que se Washington trouxer de volta esses mísseis para a Europa a resposta da Rússia será “rápida e eficaz”. As afirmações foram feitas durante a coletiva de imprensa que Putin, e o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, em visita a Moscou, deram. O tratado INF, assinado por Reagan e Gorbachev, eliminou 2.692 mísseis nucleares de curto e médio alcance na Europa e o risco iminente de uma hecatombe nuclear.
Agora, o contumaz rasgador de acordos Trump colocou na mira o INF e enviou a Moscou o belicista-mor John Bolton para comunicar mais esse passo para desmantelar os mecanismos internacionais de prevenção da proliferação e guerra nuclear. Na segunda-feira, Trump prometeu aumentar seu arsenal nuclear até que “as pessoas caiam em si” e reiterou o abandono unilateral do INF.
Na Europa, Alemanha e França se pronunciaram enfaticamente em defesa da preservação do Tratado INF, com o ministro das Relações Exteriores, Heiko Maas, dizendo que “enquanto houver pelo menos uma chance de manter o tratado em vigor, vamos lutar por ele com todos os meios diplomáticos possíveis”. O presidente Emmanuel Macron telefonou para Trump para reiterar a importância do INF “para a segurança europeia e nossa estabilidade estratégica”.
Ao receber Bolton na terça-feira, Putin foi direto ao ponto: “Tanto quanto eu me lembro, no brasão de armas dos Estados Unidos está representada uma águia: por um lado, segura 13 flechas e, por outro lado, um ramo de oliveira como sinal de uma política pacífica – com 13 azeitonas. Pergunta: sua águia já comeu todas as azeitonas, só restam flechas?”
A Rússia já havia expressado sua recusa em descartar o acordo INF, sem ter com o que ser substituído, como na insinuação de Trump sobre futuramente incluir a China. “Renunciar ao acordo INF e depois falar de uma possibilidade hipotética e efêmera de firmar um novo acordo é uma posição perigosa”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
Além de que, no atual cenário político dos EUA, de divisão extremada contra e pró Trump e de histeria anti-russa, seria muito improvável conseguir aprovar qualquer tratado desse tipo no Congresso norte-americano.
Tentando tornar mais palatável a retirada unilateral, Bolton disse em entrevista que, se não fosse pela China, “ele seria contra” a saída do INF. Mas, como Putin revelou durante a coletiva, o Congresso dos EUA “já incluiu [no novo orçamento] os custos de pesquisa e desenvolvimento” dos mísseis proibidos sob o INF. “Isso significa que a decisão já foi tomada”.
O líder russo admitiu que há “certas questões” relacionadas ao desenvolvimento de mísseis no mundo e às restrições que somente os EUA e a União Soviética – e hoje a Rússia – respectivamente assumiram.
Putin advertiu contra a “volta à situação com os Pershing II na Europa [nos anos 1980]”, assinalando que, como é óbvio, a Rússia responderá “de forma espelhada” se mísseis norte-americanos de curto e médio alcance forem implantados na Europa. E que aqueles governos que concordarem com isso “terão de entender que estão colocando seu próprio território sob ameaça de um possível ataque retaliatório”.
“É realmente necessário levar a Europa a tal estado de tão alto grau de risco?”, questionou Putin, acrescentando “não ver qualquer razão para isso, mas, repito, não é nossa escolha”.
Putin também contestou os pretextos para a retirada unilateral do Tratado INF. Não foi apresentada “qualquer prova” de que Moscou violou o tratado, enquanto os EUA instalaram um sistema de defesa antimísseis na Romênia, que pode ser usado para disparar mísseis de ataque e não apenas mísseis antiaéreos, apontou. “Só precisa alterar o software do computador, num trabalho de algumas horas. Eles próprios violaram este Tratado”.
Outro atropelo dos EUA ao INF se refere aos “drones aéreos não tripulados”, registrou Putin. Ele comparou as alegações de Washington de que a Rússia viola o tratado ao conhecido método do assaltante que grita “pega o ladrão”. No encontro com Bolton, Putin se disse disposto a voltar a se reunir com Trump, por exemplo, em Paris durante a comemoração do final da I Guerra Mundial, no dia 11 de novembro, o que foi bem recebido pelo conselheiro norte-americano.
ANTONIO PIMENTA