
Para o presidente russo, se faz necessário uma mudança nas relações entre os dois países, pois “chegamos ao ponto mais baixo desde a Guerra Fria, o que não beneficiou nem nossos países nem o mundo em geral”
Na coletiva de imprensa conjunta após a cúpula em Anchorage, Alasca, nesta sexta-feira (15), os presidentes Vladimir Putin (Rússia) e Donald Trump (EUA) saudaram que as negociações foram “muito construtivas e numa atmosfera de respeito mútuo” e o “progresso alcançado”, com o chefe da Casa Branca dizendo que “ainda não alcançamos [um acordo], mas as chances são altas”.
As negociações duraram três horas, com a presença, além de Trump e Putin, dos respectivos ministros das Relações Exteriores e da Defesa, e conselheiros especiais. Ao final, o presidente Putin convidou Trump para a próxima reunião na Rússia. Trump recebeu Putin com tapete vermelho e fez questão de conduzi-lo em sua própria limusine até o local da reunião.
Na coletiva, Putin disse que era “lógico” realizar a reunião no Alasca, já que Rússia e EUA são “vizinhos próximos”. “Quando nos encontramos, eles desceram do avião e eu disse: ‘Bom dia, caro vizinho, estou feliz em vê-lo são e salvo'”, disse ele.
Putin lembrou que “uma parte significativa da história comum da Rússia e dos Estados Unidos, muitos eventos positivos, estão ligados ao Alasca”. Em que Moscou e Washington “juntos derrotaram inimigos comuns em um espírito de camaradagem e aliança, oferecendo ajuda e apoio mútuos”.
“Estou confiante de que este legado nos ajudará a restaurar e construir relações mutuamente benéficas e equitativas, já em um novo estágio, mesmo nas condições mais difíceis”, afirmou.
O presidente russo saudou a mudança do “confronto para o diálogo” nas relações Rússia-EUA, depois do que chamou “ponto mais baixo desde a Guerra Fria, o que não beneficiou nem nossos países nem o mundo em geral” nos últimos quatro anos, basicamente o governo Biden.
Putin se referiu às conversas por telefone com Trump e às visitas do enviado especial dos EUA, Steve Witkoff, à Rússia, acrescentando que Moscou vê o desejo do governo norte-americano e do próprio presidente Trump de contribuir para a resolução do conflito.
“Já disse em inúmeras ocasiões que, para a Rússia, os eventos na Ucrânia estão relacionados a ameaças fundamentais à nossa segurança nacional”, reiterou. Enfatizando que o povo ucraniano é “irmão” dos russos, ele também enfatizou que Moscou busca alcançar uma paz duradoura e sustentável.
“Tudo o que está acontecendo [na Ucrânia] é uma tragédia e uma dor profunda para nós”.
“Todas as causas profundas da crise, que têm sido repetidamente discutidas, devem ser eliminadas, todas as preocupações legítimas da Rússia devem ser abordadas e um equilíbrio justo deve ser restaurado na área de segurança na Europa e no mundo em geral”, enfatizou.
Putin afirmou que concorda com Trump que “a segurança da Ucrânia também deve ser garantida”.
“Queremos estar confiantes de que o entendimento alcançado […] abrirá caminho para a paz na Ucrânia. Confiamos que Kiev e as capitais europeias abordarão o assunto de forma construtiva, sem criar obstáculos” e “não tentarão minar o progresso com provocações e intrigas de bastidores”, acrescentou o líder russo.
Sobre as relações Rússia-EUA, Putin enfatizou que “é importante e necessário que nossos países virem a página e retomem a cooperação”. Ele destacou ainda o “enorme potencial” da cooperação comercial bilateral.
“A Rússia e os EUA têm muito a oferecer um ao outro em comércio, energia, tecnologia digital, alta tecnologia e exploração espacial”, observou, acrescentando que também vê “enorme potencial” na cooperação no Ártico e na “retomada dos contatos inter-regionais”, inclusive entre o Extremo Oriente russo e a Costa Oeste americana.
Ao concluir, Putin agradeceu a Trump “pelo trabalho conjunto, pelo tom cordial e confiante da conversa”. Nesse contexto, ele expressou sua esperança de que essas negociações “se tornem um trampolim não apenas para a resolução da questão ucraniana, mas também marquem o início da restauração das relações comerciais e pragmáticas entre a Rússia e os Estados Unidos”.
Embora não haja detalhes, sabe-se que a questão das armas estratégicas também está sobre a mesa.
Putin disse que “hoje ouvimos o presidente Trump dizer: ‘Se eu tivesse sido presidente, não teria havido guerra’. Acho que isso é verdade”.
Por sua vez, o presidente dos EUA descreveu a reunião como “extremamente produtiva”. “Muitos pontos foram acordados. Restam apenas alguns poucos – alguns não são tão significativos. Um é provavelmente o mais significativo. Ainda não chegamos lá, mas fizemos algum progresso. Há boas chances de chegar lá. Putin quer parar de ver pessoas serem mortas”, disse Trump.
Outro acontecimento que chamou a atenção na cúpula foi a escolha, por Sergei Lavrov, de um suéter com as letras (em cirílico) da União Soviética, CCCP (URSS) para a visita.
Este é o primeiro encontro entre Putin e Trump desde 2019 , quando os dois se encontraram na cúpula do G-20 em Osaka, Japão. O presidente russo viajou pela última vez aos Estados Unidos em setembro de 2015, quando participou da Assembleia Geral da ONU em Nova York.
Antes da cúpula, círculos ligados a regime Zelensky e aos países europeus tentaram dificultar o avanço das negociações, a partir de exigências de “cessar-fogo” sem enfrentar as razões profundas do conflito – ou seja, o alargamento da Otan até às fronteiras da Rússia e a perseguição aos russos étnicos na Ucrânia pós golpe de Kiev de 2014, inclusive com a provocação de anunciar envio de tropas para a Ucrânia assim que o cessar-fogo entrasse em vigor.
Em certo momento, postagens do próprio Trump sobre submarinos nucleares nas costas da Rússia e sobre não se importar com “as economias mortas da Rússia e da Índia” causaram embaraços, já contornados durante a visita preliminar de Steve Witkoff a Moscou, com propostas consideradas “aceitáveis” pelos russos. Trump também andou ameaçando com sanções secundárias os países que comprassem petróleo russo.
Em paralelo às negociações, as tropas russas seguem avançando na libertação do Donbass, com o cerco se fechando sobre a estratégica Potrovsk, o que abriria caminho para Slavyansk e Kramatorsk, as duas últimas cidades importantes ainda sob controle de Kiev.
A cúpula de Anchorage coincide com os 80 anos da vitória na frente do Pacífico com a rendição do Japão imperial e militarista. Para chegar lá, o avião presidencial russo seguiu a rota histórica denominada “Alsib”, pela qual fornecimentos de material norte-americano à União Soviética seguiam durante a II Guerra, desde o Alasca. Ex-território russo, o Alasca foi vendido aos Estados Unidos no final do século XIX. Antes de retornar a Moscou, Putin visitou o memorial aos pilotos soviéticos em Anchorage.