São 125 milhões de brasileiros que não sabem se terão comida em plena pandemia da Covid-19, com o desemprego batendo recorde e o país em recessão. Em 15% das casas não têm comida, segundo pesquisa da Universidade Livre de Berlim (Alemanha), em parceria com a UFMG e a UnB
Quase 60% dos domicílios brasileiros apresentaram algum grau de insegurança alimentar nos últimos meses do ano passado. São 125 milhões de brasileiros que acordavam sem saber se teriam como se alimentar adequadamente em plena pandemia da Covid-19, com o desemprego batendo recorde e o país em recessão.
A pesquisa que apurou essa informação preocupante foi realizada pela Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e levou em conta a situação dos domicílios brasileiros de agosto a dezembro do ano passado – período que coincide com a pandemia, o grave aumento do desemprego e a redução pela metade do auxílio emergencial pelo governo Bolsonaro.
O levantamento aponta que 59,4% dos domicílios estavam em situação de insegurança alimentar, sendo que 15% deles apontaram “insegurança grave”, ou seja, que seus habitantes passavam fome. Outros 12,7% relataram insegurança moderada e 31,7% insegurança leve. O conceito de insegurança medido em três diferentes graus considera: leve, quando há preocupações futuras com a renda que comprometem a qualidade da alimentação; moderada, quando a família passa viver com restrições de alimentos; e grave, quando há privação e fome. Segundo o IBGE, a insegurança alimentar atingia 36,7% dos brasileiros em 2018.
A situação no Nordeste, onde 73,1% afirmam algum nível de falta de alimentos, é a mais grave do país. No Norte, a percentual de domicílios em segurança alimentar foi de 67,7%; enquanto no Centro-Oeste foi de 54,6%; no Sudeste, de 53,5% e; Sul, 51,6%.
“O aumento ainda maior da insegurança alimentar, bem como a redução drástica no consumo regular de alimentos saudáveis, eram esperados por múltiplos fatores, de ordem econômica e política”, avalia Renata Motta, professora de Sociologia na Universidade Livre de Berlim e uma das responsáveis pelo estudo. “Os efeitos da desaceleração da economia desde 2015 não foram, como quando houve a queda do PIB com a crise financeira mundial de 2008, mediados por políticas sociais anticíclicas de garantia da renda. A pandemia veio neste caldo e tornou ainda mais visíveis as consequências das escolhas políticas recentes do País”, completa a pesquisadora.
O trabalho das universidades relata que 63% dos domicílios entrevistados utilizaram o auxílio emergencial em 2020 para a compra de alimentos. O auxílio emergencial, encerrado em dezembro, foi retomado agora em abril pela metade do valor e para metade dos que foram atendidos no final do ano passado.
“A instabilidade da política de auxílio emergencial, seu descontinuamento e seu corte significativo no valor e no universo têm efeitos imediatos na vida das famílias que dependem deste auxílio, pelo menos de duas grandezas: a limitação do acesso a alimentos pela própria redução do valor e também efeitos nas escolhas devido à preocupação de faltar dinheiro para comprar comida”, destaca a pesquisa.
Outro ponto destacado pela pesquisa e explicado não só pela queda na renda, mas também pela crescente inflação, é a piora na qualidade do que os brasileiros comem. O estudo mostrou queda superior a 40% no consumo de carnes, frutas e queijos, e de 36,8% no de hortaliças e legumes.