Em 5 de novembro de 2015, a Barragem de Fundão da mineradora Samarco se rompeu na cidade de Mariana, na região central de Minas Gerais, matando 19 pessoas e despejando 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro numa extensão de aproximadamente 700 km, da cidade mineira até o oceano Atlântico, criando um rastro de destruição por onde a lama passou.
Quatro anos depois, o rio está morto, atingidos estão sem casa e famílias choram a morte de 19 pessoas. A mineradora Vale, que detém 50% das ações da Samarco, por outro lado, fechou o terceiro trimestre de 2019, com um lucro de US$ 1,6 bilhões (R$ 6,5 bilhões) e aumentou em 20,2% a extração de minério de ferro na comparação com o trimestre anterior.
A Samarco Mineração é controlada pelas mineradoras BHP Billiton e a Vale, responsável pela barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, que se rompeu no dia 25 de janeiro, causando 270 mortes.
Outra revolta é que passados quatro anos, o rejeito de minério ainda não foi totalmente retirado de Bento Rodrigues, distrito de Mariana mais destruído pelo rompimento e de Paracatu de Baixo. De acordo com a Fundação Renova, será impossível remover toda a lama.
A Fundação Renova foi criada em 2016 para reparar os danos ambientais e sociais provocados pelo rompimento da barragem da Samarco (Vale e BHP Billiton). A entidade é controlada justamente pelas empresas responsáveis pelo rompimento da barragem.
Para o promotor Guilherme Meneghin, a criação da Fundação Renova, foi “um erro terrível”. “Depois do crime, a pior coisa para a cidade foi a criação da Fundação Renova. Ela já gastou R$ 6,68 bilhões e a gente não viu essa reparação chegar na ponta, efetivamente, para os atingidos”, afirmou o promotor.
Segundo o promotor, dos 3.500 atingidos em Mariana, somente 151 foram, definitivamente, indenizados – o que representa 4,3% do total. Conforme diz Meneghin, a Fundação coloca, na mesma conta, as indenizações e os auxílios financeiros pagos a atingidos. O auxílio equivale ao pagamento de um salário mínimo mensal e uma cesta básica, não é indenização.
Guilherme Meneghin também critica a falta de apoio para que as vítimas da tragédia retomem suas vidas. Quatro anos depois, cerca de 800 famílias estão vivendo, ainda, em casas alugadas.
“A maior parte dessas famílias está vivendo em casas alugadas, recebem auxilio financeiro mensal e aguardam uma solução para que possam dar continuidade à vida. Então, se estiverem em casas alugadas e dependendo de sua sobrevivência nesse auxilio, fica muito difícil das pessoas retomarem as suas vidas. Nós entendemos que é fundamental, na visão do MP, não só entregar uma casa, pagar uma indenização. É auxiliar as pessoas a retomarem seus projetos de vida”, afirmou.
As obras de reassentamento das pessoas que perderam suas casas começaram, apenas, em julho deste ano. Até hoje, nenhuma família foi reassentada. Foram oferecidas 414 moradias temporárias na cidade de Mariana para 255 famílias, segundo relatório da empresa Ramboll, elaborado à pedido do MPF. A previsão é que as famílias habitem as novas casas só no ano que vem.
IMPUNIDADE
Do dia 5 de novembro de 2015 até hoje, nenhum responsável pela tragédia foi punido ou preso. Muitos atingidos ainda não foram reconhecidos; as prometidas assessorias técnicas aos impactados não tiveram contrato assinado; e ainda há dúvidas sobre a qualidade da água e do pescado.
Em 2016, 22 pessoas se tornaram rés da ação penal. No entanto, 13 foram excluídas do processo. Neste ano, a acusação de homicídio e lesão corporal dos outros nove acusados foi excluída pela Justiça federal. Com isso, eles respondem por inundação qualificada.
As 22 pessoas apontadas como responsáveis pelo rompimento da barragem da Samarco não foram punidas criminalmente. O processo está parado no TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Em outubro de 2016, o MPF (Ministério Público Federal) denunciou a Samarco e suas acionistas, a Vale e a BHP Billiton, e a empresa VogBR, que deu laudo de estabilidade da barragem. Diretores da Samarco e seu então presidente, Ricardo Vescovi, também foram denunciados por crime ambiental, inundação e desabamento. Eles também respondem pelo homicídio de 19 pessoas.
“Isso traz uma sensação de impunidade muito grande. Estamos longe de um desfecho definitivo”, disse o procurador da República Paulo Trazzi.
O relatório da Ramboll ainda aponta uma possível subestimação do número de pessoas vinculadas à cadeia de pesca afetadas pelo rompimento da barragem. Isso quer dizer que o número de pessoas consideradas, pela Fundação Renova, aptas a receber indenização é menor do que o número apontado pela vistoria contratada pelo MPF.
O documento aponta 1.665 pessoas afetadas na cadeia da pesca em todo o rio Doce, enquanto outro indica 14.272.
Das cerca de 54 mil solicitações de cadastro para reparação na bacia do rio Doce, apenas 48% dos pedidos foram reconhecidos, de acordo com dados apresentados por Guilherme Camponez, militante do MAB.
Camponez alerta para a cooptação dos atingidos por meio da resolução de pequenos projetos locais e destaca: “só a Fundação Renova, que foi criada para reparar o crime, gasta 2 bilhões de orçamento anual. São mais de 500 funcionários diretos por toda a bacia. Com esse exército não dá para fazer a reparação? ”, diz o militante do MAB. A promessa de reconstrução da comunidade de Bento Rodrigues continua, agora o prazo é final de 2020. “Não tenho confiança nenhuma na Renova. Não há nenhuma casa construída em reassentamentos coletivos. Construíram e reformaram poucas casas e foi por cima da lama tóxica” opina Guilherme Camponez.
Dia marcado por protestos
Um protesto foi realizado pelos atingidos pelo rompimento da barragem para relembram os quatro anos do maior crime ambiental cometido do Brasil. Os manifestantes chamaram a atenção para a responsabilização da mineradora Samarco, da Vale e da BHP Billiton. Mais de 250 atingidos participaram do ato.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) fechou, nesta terça-feira (5), a rodovia MG 129, por onde passam os funcionários da Samarco, de construtoras contratadas para erguer as casas de “Novo Bento” e de Barão de Cocais.
A integrante do MAB, Letícia Oliveira, explica o motivo do bloqueio. “Nós precisamos dar o recado que há ainda grandes problemas que a Samarco, a Vale e a BHP precisam resolver com os atingidos. São quatro anos sem nenhuma casa construída, a maioria dos atingidos que estão aqui não receberam nada. São pescadores e garimpeiros que não foram reconhecidos como atingidos. Tiveram sua renda completamente perdida”, diz. Na opinião de Letícia, a mineração pode continuar a funcionar desde que cumpra com os direitos das pessoas e famílias atingidas.
O bloqueio é parte das atividades do encontro realizando entre os dias 3 e 5 de novembro, em Mariana, com atingidos de quatro áreas de Minas Gerais.
Mineradora voltará a atuar em Mariana
No final de outubro, a Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), autorizou a Samarco a voltar a operar em Mariana.
Em nota à imprensa, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) de Minas Gerais alega que todas as análises foram realizadas durante a tramitação do processo de Licença de Operação Corretiva (LOC) da Samarco Mineração, e que a Copam deliberou pela concessão do licenciamento ambiental.
“Na reunião de votação, nesta sexta-feira, 25 de outubro, também foram discutidas as condicionantes ambientais que a empresa deve cumprir durante o prazo da licença, que é de 10 anos. Muitas dessas condicionantes trazem também um retorno de contrapartidas ambientais positivas, que devem ser monitoradas e fiscalizadas pela autoridade licenciadora. A retomada das atividades não é automática pois são necessárias obras que levarão cerca de 15 meses. Após o término dessas obras, de fato, a empresa terá sua retomada operacional” declarou a Semad.
A autorização teve 10 votos a favor, um voto contrário (Fonasc) e uma abstenção (Sedese). A CMI é composta por 12 conselheiros representantes das seguintes entidades: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG); Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede); Secretaria de Estado de Governo (Segov); Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (Sindiextra); Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc-CBH); Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais (Federaminas); Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig); Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet); Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram); Agência Nacional de Mineração (ANM); Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese).
Também em nota, a Samarco informou que espera reiniciar as suas operações utilizando novas tecnologias para o empilhamento de rejeitos a seco. Após a implementação do sistema de filtragem, sujeita à aprovação de seus acionistas, a Samarco estima que a retomada de suas atividades ocorrerá por volta do final do ano de 2020.
Em abril de 2016, a Hora do Povo lançou em parceria com o portal America do Sol, o suplemento especial “A Infernização do Paraíso” sobre a tragédia de Mariana.
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