Raimunda Veras e Danielle Nóbrega, mãe e ex-mulher de chefe da milícia de Rio das Pedras, eram servidoras “fantasmas” de Flávio Bolsonaro. Elas devolveram parte do que recebiam. Os investigadores rastrearam R$ 405 mil repassados por Raimunda e Adriano a Queiroz
Na semana em que o Ministério Público do Rio pretende apresentar denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro e seu operador, Fabrício Queiroz, por chefiarem uma organização criminosa lavadora de dinheiro público desviado do gabinete do filho mais velho do presidente, vieram à tona, com as quebras de sigilos bancários dos envolvidos, dados mostrando que o miliciano Adriano da Nóbrega, sua ex-mulher, Danielle Nóbrega, e sua mãe, Raimunda Veras Magalhães, lavaram dinheiro da milícia através do gabinete.
Essas informações, divulgadas mais amplamente agora, após as quebras de sigilos bancários, já constavam da ordem de prisão de Fabrício Queiroz e sua mulher Márcia Oliveira, expedida pelo juiz Flávio Itabaiana Leonel, titular da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio. Ali ficou evidente que Queiroz e sua mulher estavam ameaçando testemunhas, obstruindo a Justiça e destruindo provas dos crimes cometidos pela quadrilha chefiada por Flávio na Assembleia Legislativa do estado.
Numa operação de busca e apreensão ocorrida durante as investigações, a Justiça captou conversas telefônicas entre uma ex-funcionária do gabinete de Flávio, Luiza Sousa Paes, e seu pai, Fausto Antunes Paes. Elas mostraram que a dona do telefone, Luiza Sousa Paes, a ex-funcionária, demonstrava preocupação com reportagens que tratavam de Fabrício Queiroz e a adulteração de provas documentais na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) com intuito de obstruir a atuação da Justiça.
Uma mensagem do pai para Luiza dizia: “deixa passar essa semana pra ver. Eu vou passar um áudio aqui Queiroz, perguntar pra ele ver lá com aquele advogado lá qual é a melhor atitude a tomar. Entendeu? Depois te falo”. Em 14 de dezembro de 2018, Fausto pediu para que Luiza levasse seus extratos bancários com a finalidade de serem analisados de acordo com os valores dos depósitos efetuados na conta de Fabrício, combinando assim uma versão sobre os fatos.
QUEIROZ AMEAÇOU TESTEMUNHAS
Convocada para depor pelo MP, Luiza tem o seguinte diálogo com o pai. “Luiza, o Gustavo (Luiz Gustavo Boto Maia, advogado de Flávio) me ligou aqui agora. Se enrolou todo e ainda tá lá na Barra ainda (…). É para não ir amanhã! Eu perguntei a ele, Gustavo, não tem perigo esse negócio? Não, não, não. Não se preocupa não. Ninguém foi hoje e ninguém vai amanhã….”
As conversas revelaram também que foram providenciadas assinaturas retroativas de Luiza nos livros de ponto da Alerj. Luiza teve medo, mas acabou concordando em assinar. Ela compareceu na Alerj em 24 de janeiro de 2019, encontrou-se com o funcionário Matheus Azeredo Coutinho, e a adulteração do livro de ponto foi efetuada de forma retroativa ao ano de 2017. Ou seja, Queiroz estava em plena atuação para obstruir a Justiça quando foi preso.
Nesta mesma ocasião, Fabrício Queiroz ordenou que a mãe de Adriano da Nóbrega, Raimunda Veras Magalhães, fugisse do Rio de Janeiro, para o interior de Minas Gerais, para não depor no Ministério Público. Agora aparecem os extratos bancários de Raimunda Veras e confirmam que ela e o filho, o miliciano Adriano da Nóbrega, que chefiava a milícia do Rio das Pedras e o Escritório do Crime, uma espécie de central de assassinatos das milícias, participavam do esquema de lavagem dinheiro do gabinete de Flávio Bolsonaro.
A quebra de sigilo bancário de quatro contas de Raimunda Magalhães mostra uma rotina padrão: saques, movimentações entre contas, repasses diretos a Queiroz, por transferência eletrônica bancária, cheques e dezenas de depósitos em dinheiro vivo, com coincidência de datas e valores de recebimento dos salários. Operações financeiras que têm proximidade de períodos e cifras com operações suspeitas realizadas em contas de Flávio Bolsonaro, de Queiroz e de outros investigados, que geraram alertas de inteligência financeira.
Raimunda não pisava na Alerj mas constava como assessora parlamentar de Flávio entre 2015 a 2018. Duas de suas contas registram 13 repasses para conta de Queiroz, entre 2014 e 2018. São pelo menos seis transferências eletrônicas em que o nome do ex-braço direito de Flávio Bolsonaro aparece e sete cheques vinculado a conta dele. Um total de R$ 64.730,00.
Para os investigadores, os repasses anteriores a 2015 têm relação com os salários de Danielle da Nóbrega – contratada desde 2007, mesmo ano em que Fabrício Queiroz virou assessor de Flávio Bolsonaro e ela ainda era casada com o ex-capitão do Bope (a tropa de elite da PM do Rio). Este fato reforça a suspeita de que Fabrício Queiroz tinha ligações anteriores com Adriano e que foi ele que levou os familiares do miliciano para o gabinete.
Acusado de assassinato, na Operação Intocáveis, Capitão Adriano morreu baleado pela polícia da Bahia, em 9 de fevereiro, ao reagir à prisão. O miliciano passou um ano foragido da Justiça.
Quatro depósitos de Raimunda Veras a Queiroz são nominais e saíram da conta do Itaú Unibanco, em que recebia os vencimentos da Alerj, com padrão de repasse simultâneo ao crédito, valor coincidente e operações fracionadas de menor valor relacionadas. Uma transferência é de julho de 2016, valor de R$ 4.600,00. As demais, em 2018: R$ 4.500,00, em 2 de março, R$ 4.150,00, em 2 de maio, e R$ 6.000,00, em 1º de outubro.
Raimunda Magalhães e Danielle Mendonça Magalhães da Nóbrega, a ex-mulher do Capitão Adriano, eram parte do núcleo que era diretamente ligado a Queiroz – composto por 11 assessores fantasmas -, da organização criminosa que o Ministério Público diz ter identificado no gabinete de Flávio, na Alerj,
Juntos eles seriam responsáveis por pelo menos R$ 2 milhões dos desvios apurados até aqui. O Ministério Público identificou que os valores, em dinheiro vivo, creditados na conta de Queiroz, representam 69% do montante. O restante foi repassado por transferências bancárias (25,5%) e cheques (4,5%).
RAIMUNDA E DANIELLE ERAM FUNCIONÁRIAS FANTASMAS DE FLÁVIO
Raimunda e Danielle eram servidoras “fantasmas”, devolvendo quase a totalidade dos valores recebidos. Nos pedidos de buscas, apreensões e prisões feitos na apuração, investigadores apontam o rastreamento de R$ 405 mil que teriam sido repassados para Queiroz. Nos quatro anos, Raimunda recebeu R$ 252 mil da Alerj. Desse valor, R$ 182 mil foram sacados em espécie – equivalente a 74% do total.
Na eleição de 2016, quando Flávio Bolsonaro concorreu à Prefeitura do Rio, os investigadores destacaram 18 depósitos em dinheiro vivo na conta de Queiroz oriundos da agência 5663, localizada em frente ao restaurante de Raimunda, em Rio Comprido. Foram R$ 92 mil ao todo. Os valores sacados por Raimunda do salário da Alerj têm datas e quantias coincidentes com os depositados na conta do suposto operador do esquema, também em espécie – um forma de apagar a identificação bancária de origem do depositante, no extrato.
DEPÓSITOS DE RAIMUNDA MAGALHÃES PARA QUEIROZ
São 13 cheques e transferências eletrônicas bancárias para o ex-assessor de Flávio Bolsonaro de duas contas pessoas; mais 11 cheques e TEDs de duas contas de restaurantes dela e do Capitão Adriano
R$ 133.980,00 é o valor total dos 24 repasses listados
Depósitos de Raimunda Veras Magalhães para Queiroz
Conta Itaú Unibanco – salário Alerj (Total – R$ 19.250,00)
R$ 4.600,00 – Em 14 de julho de 2016 (transferência eletrônica nominal)
R$ 4.500,00 – Em 2 de março de 2018 (transferência eletrônica nominal)
R$ 4.150,00 – Em 2 de maio de 2018 (transferência eletrônica nominal)
R$ 6.000,00 – Em 1º de outubro de 2018 (transferência eletrônica nominal)
Conta Santander (Total – R$ 45.480,00)
R$ 2.600,00 – Em 13 de maio de 2014 (cheque)
R$ 3.750,00 – Em 10 de junho de 2014 (cheque)
R$ 3.750,00 – Em 16 de junho de 2014 (cheque)
R$ 5.600,00 – Em 14 de julho de 2014 (cheque)
R$ 7.580,00 – Em 10 de outubro de 2014 (cheque)
R$ 6.000,00 – Em 9 de dezembro de 2014 (transferência eletrônica nominal)
R$ 6.300,00 – Em 10 de fevereiro de 2015 (transferência eletrônica nominal)
R$ 6.000,00 – Em 10 de março de 2015 (cheque)
R$ 3.900,00 – Em 7 de abril de 2015 (cheque)
Conta Restaurante e Pizzaria Rio Cap (Total – R$ 26.920,00)
R$ 5.400,00 – Em 20 de dezembro de 2013 (cheque)
R$ 5.700,00 – Em 10 de fevereiro de 2014 (cheque)
R$ 6.100,00 – Em 10 de novembro de 2014 (cheque)
R$ 9.720,00 – Em 6 de agosto de 2015 (transferência eletrônica)
Conta Restaurante e Pizzaria Tatyara (Total – R$ 42.330,00)
R$ 4.000,00 – Em 11 de janeiro de 2013 (cheque)
R$ 8.580,00 – Em 7 de novembro de 2013 (cheque)
R$ 7.700,00 – Em 7 de abril de 2015 (cheque)
R$ 6.300,00 – Em 7 de maio de 2015 (cheque)
R$ 5.250,00 – Em 7 de julho de 2015 (cheque)
R$ 5.250,00 – Em 9 de setembro de 2015 (cheque)
R$ 5.250,00 – Em 7 de outubro de 2015 (cheque)
(Fonte Estadão)
Com base nos dados do relatório de inteligência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que havia indicado como depósitos suspeitos na conta de Queiroz naquele ano, e da quebra do sigilo bancário da mãe do Capitão Adriano, ha uma coincidência dentro do padrão dos repasses mensais e a transferência direta feita no mês de julho. No dia 14 daquele mês, a Alerj depositou R$ 5.160,98 na conta de Raimunda Magalhães. Na mesma data, ela fez uma transferência eletrônica nominal para Queiroz, de R$ 4.600,00 – abaixo do valor de R$ 5 mil, que gera automaticamente comunicado interno no sistema bancário -, um saque, em dinheiro, de R$ 200,00, e uma transferência para ela mesma de R$ 300,00.
A defesa do senador Flávio Bolsonaro não explica nenhum desse depósitos e insiste em dizer que ele é “inocente e não praticou qualquer irregularidade.” A defesa de Fabrício Queiroz esclarece que todas as transações efetuadas serão amplamente explicadas em instrução processual de uma eventual ação penal. Raimunda Veras Magalhães continua escondida e não fez nenhuma declaração.
A defesa de Adriano da Nóbrega, que por coincidência é a mesma de Fabrício Queiroz, fez uma defesa post mortem de seu cliente. Disse que “rechaça absolutamente que pertença à organização criminosa descrita como a milícia de Rio das Pedras”. Segundo a defesa, nenhuma testemunha “sequer afirmou ter presenciado Adriano a deambular na comunidade de Rio das Pedras”.
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