Conta do hospital foi paga em dinheiro vivo
O ex-motorista do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) Fabrício Queiroz pagou em espécie R$ 64,58 mil por uma cirurgia realizada no hospital israelita Albert Einstein, em São Paulo. A nota fiscal, emitida pelo hospital, e divulgada pelo jornal O Globo, revela que o valor total do procedimento foi de R$ 86,2 mil. Foi dado um desconto de R$ 16,1 mil e os R$ 5,4 mil restantes foram pagos com cartão de crédito.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou uma movimentação financeira suspeita na conta de Fabrício Queiroz e de outros 75 servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, durante as investigações conduzidas pela Operação “Furna da Onça”, da Polícia Federal, em novembro de 2018.
Acionado, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) investiga essas movimentações financeiras suspeitas de Queiroz. De janeiro de 2016 a janeiro de 2017, passaram pela conta bancária do ex-motorista R$ 1,2 milhão. A ampliação das investigações demonstrou que Queiroz movimentou um montante muito maior (R$ 7 milhões) entre 2014 e 2017. O rendimento do funcionário, que era motorista de Flávio Bolsonaro, não é compatível com a movimentação detectada pelo Coaf.
O pagamento da cirurgia em dinheiro vivo se soma aos indícios de que Queiroz não tem como comprovar a origem do dinheiro. O ex-motorista alegou que o montante quitado em dinheiro vivo estava guardado em sua casa para amortizar o financiamento de um apartamento na Taquara, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. O dinheiro foi entregue à tesouraria do hospital pela mulher de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar, também uma ex-funcionária do gabinete de Flávio.
Queiroz e Flávio Bolsonaro vêm tentando impedir as investigações com acusações ao Coaf e ao Ministério Público do Rio de Janeiro. No dia 13, a Justiça do Rio autorizou a quebra do sigilo bancário e fiscal de Flávio e Fabrício Queiroz e outras 87 pessoas. As movimentações suspeitas, detectadas também na conta do senador levaram a Receita Federal a criar uma equipe especial para analisar as transações imobiliárias milionárias realizadas por ele.
O MPRJ suspeita que os R$ 9,4 milhões que Flávio Bolsonaro usou para comprar imóveis subfaturados e revendê-los superfaturados, rendendo um alto lucro de R$ 3 milhões, fazem parte de um esquema para encobrir os recursos obtidos através do desvio das verbas do orçamento da Assembleia Legislativa do Rio.
Segundo os investigadores, o senador fez operações de compra e venda de imóveis – num total de 19 imóveis – investindo R$ 9,425 milhões de reais entre 2010 e 2017. Os “negócios” imobiliários do “zero dois” de Bolsonaro, que o MP considera operações com indícios de lavagem de dinheiro, tiveram altos retornos. Em operações de subfaturamento das compras e superfaturamento dos imóveis vendidos, o senador lucrou R$ 3,089 milhões neste período.
O Conselho de Controle de Atividades Fiscais (Coaf) considera que há “sérios indícios” de lavagem de dinheiro nestas operações Esse ganho extra do parlamentar revela que não era só o seu motorista, Fabrício Queiroz, que “fazia rolo”. “Eu faço dinheiro”, disse ele, em entrevista no final do ano passado. O deputado também “fabricava dinheiro”.
O então deputado adquiriu, por exemplo, num desses “negócios”, 10 salas comerciais em um prédio na Barra da Tijuca por R$ 2,662 milhões, entre dezembro de 2008 e setembro de 2010. Em outubro de 2010, ele vendeu as mesmas salas para a empresa MCA Exportação e Participações por R$ 3,167 milhões.
Em novembro de 2012, Flávio adquiriu outros dois imóveis em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro. Pagou um total de R$ 310 mil pelas duas quitinetes e as revendeu, um ano e três meses depois, por mais que o triplo do preço, segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo.
Os dois imóveis haviam sido adquiridos em 2011 pelos proprietários anteriores por um total de R$ 440 mil. Em pleno boom imobiliário na cidade, eles tiveram um prejuízo de 30% ao revendê-los ao senador eleito, segundo dados do 5º RGI (Registro Geral de Imóveis) da capital do estado.
O deputado revendeu um imóvel em novembro de 2013 (por R$ 573 mil) e outro em fevereiro de 2014 (por R$ 550 mil). Somadas, as transações lhe renderam um lucro de R$ 813 mil —diferença entre os R$ 310 mil investidos nas compras e o R$ 1,12 milhão que recebeu com as vendas.
O Coaf havia detectado outras movimentações suspeitas na conta do parlamentar bolsonarista. Numa delas foram flagrados 48 depósitos feitos em valores nunca superiores a R$ 2 mil num espaço de cinco dias.
Os investigadores consideram essas operações como típicas de quem quer esconder a origem dos recursos depositados. Agora vêm à tona essa quantidade enorme de imóveis negociados de forma suspeita e, também com características típicas de lavagem de dinheiro.
Também tiveram quebrados os sigilos de duas ex-funcionárias do gabinete de Flávio Bolsonaro. Raimunda Veras Magalhães, de 68 anos, mãe do miliciano foragido Adriano Magalhães Nóbrega, manda chuva da milícia do Rio das Pedras e chefe do Escritório do Crime, organização criminosa investigada pela morte da vereadora Marielle Franco, e a mulher do assassino de aluguel, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega.
As duas foram nomeadas por Flávio Bolsonaro. A mãe de Adriano trabalhou até 2016 e a mulher até 2018. O assassino profissional chegou a ser homenageado por Flávio Bolsonaro em 2004 com a Medalha Tiradentes.
Também terão seus sigilos quebrados a mulher de Flávio, Fernanda Bolsonaro, a empresa de ambos, Bolsotini Chocolates e Café Ltda, as duas filhas de Queiroz, Nathalia e Evelyn, e a mulher do ex-assessor.
No sábado, a defesa de Queiroz entrou com um habeas corpus para anular as quebras de sigilo bancário e fiscal na investigação, sob o argumento de que a decisão judicial não tinha “embasamento legal”.
O advogado de Queiroz, Paulo Klein acusa o Ministério Público de ter burlado a Justiça ao omitir que o hoje senador Flávio Bolsonaro, na época dos fatos deputado estadual, era um dos investigados, para evitar que ele se valesse do foro especial por prerrogativa de função.
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