“Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles em nada, em nada”, diz, na gravação, Fabrício Queiroz
A gravação em que Fabrício Queiroz, o faz-tudo de Bolsonaro, oferece cargos na Câmara e no Senado, com o patrocínio oculto do senador Flávio Bolsonaro, já tem uma comprovação de autenticidade: o próprio Queiroz.
A gravação foi divulgada pelo jornal “O Globo”, em seu site, quinta-feira (24/10). Nela, diz Queiroz:
“Tem mais de 500 cargos lá, cara, na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles em nada, em nada. Vinte continho aí pra gente caía bem pra caralho, caía bem pra caralho, meu irmão, entendeu?
“Não precisa vincular ao nome. Só chegar lá e, pô cara, o gabinete do Flávio faz fila de deputados e senadores, pessoal para conversar com ele, faz fila.
“Só chegar lá e, pô meu irmão, ‘nomeia fulano aí para trabalhar contigo aí’, salariozinho bom desse aí, cara, para a gente que é pai de família, cai como uma uva.”
Em nota, o advogado de Queiroz explicou que seu cliente “vê com naturalidade o fato dele ser uma pessoa que ainda detenha algum capital político, uma vez que nunca cometeu qualquer crime, tendo contribuído de forma significativa na campanha de diversos políticos no Estado do Rio de Janeiro. A indicação de eventuais assessores não constitui qualquer ilícito ou algo imoral, já que, repita -se, Fabrício Queiroz jamais cometeu qualquer ato criminoso”.
Quanto à essa última parte, alguém que tem 10 “autos de resistência” (ou seja, mortes de “suspeitos”) nas costas, durante sua passagem pela PM do Rio, e é amigo do chefe do Escritório do Crime, Adriano da Nóbrega – cuja mulher e mãe estavam lotadas no gabinete de Flávio Bolsonaro -, não é exatamente um santo (v. HP 24/04/2019, Bolsonaro e as milícias).
Mas, deixemos isso e vamos ao “capital político” que Queiroz acumulou.
O único capital político conhecido de Queiroz chama-se Bolsonaro – o pai, por consequência, os filhos, sobretudo Flávio Bolsonaro, de quem foi “motorista” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde suas movimentações bancárias suspeitas foram detectadas pelo Coaf.
Sobre a gravação, Flávio Bolsonaro emitiu nota, em que diz:
“O senador Flávio Bolsonaro não mantém qualquer contato com Fabrício Queiroz há quase um ano. O áudio comprova que seu ex-assessor não possui qualquer influência junto ao gabinete do senador, tanto que sugere ao suposto interlocutor buscar outros caminhos para ter acesso a cargos.”
Uma interpretação estranha daquilo que Queiroz diz na gravação: que é possível conseguir um encosto de R$ 20 mil no Senado ou na Câmara sem vinculação aparente com os Bolsonaros, mas debaixo da marquise do gabinete de Flávio.
Em seguida, diz o filho de Bolsonaro:
“Se é que a voz no áudio é de Queiroz, estaria usando o nome do senador sem sua autorização e promete algo impossível, que jamais poderia entregar.”
Queiroz, ao contrário de Flávio Bolsonaro, não tem dúvidas que a voz é sua.
Mas, se o áudio “comprova que [Queiroz] não possui qualquer influência junto ao gabinete do senador”, por que o filho de Bolsonaro diz que ele “estaria usando o nome do senador sem sua autorização”?
Provavelmente, para provar que “não possui qualquer influência” no gabinete do mesmo Flávio Bolsonaro…
O CASO
Fabrício Queiroz, registrado como “motorista” no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, movimentou R$ 1,2 milhão entre 2016 e 2017 e R$ 7 milhões entre 2014 e 2017.
As movimentações, constatou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), eram “incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional e a capacidade financeira” do motorista de Flávio Bolsonaro – um faz-tudo de longa data de Jair Bolsonaro.
Havia vários depósitos (total de R$ 24 mil) na conta da esposa de Bolsonaro (v. HP 09/12/2018, Bolsonaro agora diz que quer explicações do motorista que depositou 24 mil na conta de sua mulher).
Porém, o que chamou atenção, em seguida, foram as movimentações de Flávio Bolsonaro (v. HP 19/01/2019, Quem fazia os depósitos na conta de Flávio Bolsonaro?; e HP 26/01/2019, Renda de Flávio Bolsonaro não sustenta sua movimentação financeira, diz Coaf).
Flávio e seu pai tentaram tudo para impedir as investigações.
Sem sucesso, em todas as instâncias da Justiça. Até que o atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, foi em socorro deles, suspendendo – somente para impedir o inquérito sobre Flávio Bolsonaro – todas as investigações do Brasil com base em dados do Coaf, da Receita e do Banco Central (HP 17/07/2019, Para livrar Flávio Bolsonaro de investigações, Toffoli suspendeu a lei e até a si mesmo).
Posteriormente, o sr. Gilmar Mendes somou-se a Toffoli nessa edificante operação (HP 01/10/2019, Gilmar Mendes entra na “operação abafa” em favor de Flávio Bolsonaro).
C.L.
Matérias relacionadas: