
“Se o que os EUA querem realmente é uma solução negociada, devem parar de ameaçar e chantagear a China e buscar o diálogo baseado na igualdade, respeito e benefício mútuo”, reitera Pequim.
Após o presidente Trump admitir que poderia vir a reduzir as astronômicas tarifas que ele próprio desencadeou contra as exportações chinesas, o porta-voz do Ministério do Comércio da China, He Yadong, disse a repórteres na quinta-feira (24) que “quem amarrou o sino deve desamarrá-lo”, um conhecido ditado chinês.
A declaração de Trump, dois dias antes, foi proferida em uma situação de balbúrdia em Washington, depois de nova derrubada nas ações em Wall Street e nos treasuries – os título do Tesouro norte-americano -, na seqüência de ameaça, depois desmentida, de demissão do presidente do Fed, Jerome Powell, e em paralelo à afirmação do secretário do Tesouro, Scott Bessent, de que as tarifas contra a China eram “insustentáveis”.
“MUI BONS COM A CHINA”
Trump chegou a dizer que “vamos ser muito bons com a China”, segundo comentou a mídia dos EUA, acrescentando ainda que tão logo um acordo seja alcançado com Pequim, as tarifas dos EUA sobre as importações chinesas cairão “substancialmente”.
“145% é muito alto, e não será tão alto”, disse o presidente dos EUA a repórteres no Salão Oval, relatou o USA Today. “Não, não vai chegar nem perto disso. Vai cair substancialmente. Mas não será zero – costumava ser zero”, disse ele.
Sobre isso, o Wall Street Journal afirmou que Trump “ainda não tomou uma decisão final”, segundo fontes que ouviu.
Em arroubos anteriores, Trump acusara o mundo inteiro, contra todas as evidências – do dólar e FMI às 750 bases no exterior e guerras eternas -, de “abusar” e “explorar” aos EUA, e lançou uma guerra tarifária contra o planeta inteiro, com uma moratória de 90 dias, da qual só a China foi excluída.
Na semana anterior, depois de, por sucessivos lances, aumentar o tarifaço para 145%, após a China exercer seu direito de retaliar com 125% Trump havia simplesmente escalado para 245%, alegando que a China ousara contrarrestar.
No dia em que ensaiou essa meia volta, Trump também se reunira com executivos da Walmart e corporações análogas que dependem dos produtos baratos e de qualidade da China para lucrar nos próprios EUA. Já entrara em vigor a proibição chinesa à entrega de aviões da Boeing, à compra do GNL norte-americano e o reforço das restrições na exportação das terras raras, cruciais para a alta tecnologia.
Sem ter para onde correr, Trump teve de isentar iphones, televisores de tela plana e chips do tarifaço, sob risco da Apple e assemelhadas irem ao chão e a inflação explodir.
“Os aumentos unilaterais de tarifas foram iniciados pelos EUA. Se os EUA realmente querem resolver a questão, devem ouvir as vozes racionais da comunidade internacional e de suas próprias partes interessadas domésticas, remover completamente todas as medidas tarifárias unilaterais contra a China e encontrar uma maneira de resolver as diferenças através do diálogo igualitário”, acrescentou o porta-voz He.
“TENTATIVA DE AGARRAR O VENTO”
Autoridades chinesas também negaram que os dois lados estejam conversando. Trump havia dito a repórteres na véspera que havia conversas diretas entre autoridades norte-americanas e chinesas “todos os dias” sobre comércio, embora sem dar detalhes.
“São todas notícias falsas”, disse Guo Jiakun, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, na quinta-feira, quando questionado sobre o assunto. “Até onde sei, China e Estados Unidos não se envolveram em nenhuma consulta ou negociação sobre a questão tarifária, muito menos chegaram a algum acordo.”
“Qualquer afirmação sobre o progresso das negociações de comércio sino-americano é desprovida de sentido, como tentar agarrar o vento”, acrescentou. “Se quiserem briga, brigaremos até o fim; se quiserem conversar, a porta está aberta”.
Na quarta-feira, a chancelaria chinesa se manifestou sublinhando que se o que os EUA querem realmente é uma solução negociada, “devem parar de ameaçar e chantagear a China e buscar o diálogo baseado na igualdade, respeito e benefício mútuo”.
“Esta guerra tarifária foi lançada pelos EUA. Deixamos muito claro que a China não procura uma guerra, mas também não temos medo dela”, reiterou o porta-voz, que lembrou que a China desde o primeiro dia tem dito que numa guerra comercial “não há vencedores”.
TRUMP SOB PRESSÃO
Como assinalou em editorial o jornal chinês em língua inglesa Global Times, que é um porta-voz oficioso de Pequim, “o erro dos EUA não é apenas que a ‘tarifa de 145% é muito alta’, mas, mais importante, que, sob o pretexto de ‘reequilíbrio comercial’, impõe restrições comerciais e exerce pressão nas negociações, usando tarifas como ferramenta para ameaças e coerção”. “As ‘tarifas recíprocas’ não funcionaram como Washington esperava”, apontou a publicação.
O GT citou ainda uma pesquisa recente da CNBC que revelou que a maioria acredita que as tarifas são “ruins para os trabalhadores americanos, a inflação e a economia em geral”.
Também se referiu ao estudo do Peterson Institute for International Economics que advertiu que o crescimento econômico dos EUA em 2025 “deve cair dos 2,5% do ano anterior para apenas 0,1%”. A instituição recomenda, para reverter esse desastre, a alteração das políticas comerciais e tarifárias falhas de Washington. “Segundo relatos, grupos de lobby dos setores de agricultura, construção, manufatura, varejo e tecnologia têm instado a Casa Branca a aliviar ainda mais as medidas tarifárias”.
Já a China estabeleceu como meta crescer este ano 5%, tendo inclusive ultrapassado, com 5,4%, no primeiro trimestre.
SEM BULLYING
Ainda de acordo com o GT, “dizer uma coisa sobre querer chegar a um acordo com a China, por outro lado, aplicar simultaneamente pressão máxima não é a maneira certa de se envolver com a China, e simplesmente não funcionará”.
“Tanto a China quanto os EUA são grandes potências, e as grandes potências devem agir como tal. Os EUA mencionaram repetidamente um “grande negócio” a ser feito com a China. De fato, se houver um verdadeiro “grande acordo” entre a China e os EUA, deve ser baseado no respeito mútuo, na coexistência pacífica e na cooperação ganha-ganha. Esse é o caminho certo para as relações China-EUA na nova era”.
Como diz um ditado chinês: “Não apenas ouvimos o que se diz, mas também observamos o que se faz”. Espera-se que o lado dos EUA una forças com o lado chinês para puxar na mesma direção, para que os dois países possam abordar suas respectivas preocupações por meio de diálogo e consulta em pé de igualdade e promover conjuntamente o desenvolvimento saudável, estável e sustentável das relações econômicas e comerciais bilaterais.
No início da semana, Pequim havia reagido a declarações de Trump sobre os países terem de “escolher” entre ter comércio com os EUA ou com a China, advertindo contra tais imposições e chamando os parceiros a trabalhar em conjunto para enfrentar desafios, se opor ao bullying unilateral e sustentar o multilateralismo.
O Wall Street Journal noticiou no começo deste mês que o governo Trump planejava usar as negociações comerciais com outros países para isolar a China. “Se o comércio internacional regredir à lei da selva, onde os fortes devoram os fracos, todos os países acabarão como vítimas”, alertou a China.
Um relatório divulgado pelo think tank australiano Lowy Institute for International Policy em janeiro deste ano mostrou que desde 2023, cerca de 70% das economias mundiais (145) terão maior comércio com a China do que com os Estados Unidos. Atualmente A China é o maior parceiro comercial de 60 economias, quase o dobro dos Estados Unidos. Em 2018, 92 economias ao redor do mundo tiveram mais que o dobro de comércio com a China do que com os EUA, agora são 112.
Como o portal chinês Guancha destacou, para o economista Paul Krugman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2008, nesta rodada de guerra comercial, “é a China, não os Estados Unidos, que está em vantagem”.
Para Krugman, Trump não entende o verdadeiro significado do comércio, ou seja, o foco do comércio é “o que você pode comprar, não o que você pode vender”. Ele explicou que a maior parte do que os Estados Unidos vendem para a China são produtos agrícolas – como a soja -, para os quais a China pode facilmente encontrar substitutos, enquanto é difícil para os Estados Unidos encontrar substitutos para produtos chineses.
Por sua vez, o economista Zheng Zhixian, do Instituto Coreano de Política Econômica Internacional, analisou que os norte-americanos que dependem de bens de consumo chineses sentirão o impacto das tarifas mais fortemente. Como os Estados Unidos têm dificuldade em encontrar substitutos para produtos de consumo fabricados na China, o país pode enfrentar pressão devido ao aumento dos preços.
Em contraste, a China tem implementado ativamente uma estratégia de diversificação de importações desde o primeiro mandato de Trump, não apenas estabelecendo canais alternativos de fornecimento, mas também melhorando significativamente sua taxa de autossuficiência em matérias-primas.