É o presidente do BC que joga os juros na Lua e, agora, cinicamente tenta creditar ao governo a culpa pelo estrangulamento da produção. De 2021 até agora foram R$ 450 bilhões a mais nas despesas só pelo aumento dos juros
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou, nesta sexta-feira (12), em entrevista à CNN, que a culpa pelos juros altos não é dele, mas sim do governo “que deve muito”. O cinismo da declaração confirma o que a maioria dos economistas têm observado. Que o chefe do BC não tem nenhuma relação, mínima que seja, com a verdade e com a realidade brasileira.
BANCO CENTRAL AUTÔNOMO
Se não, vejamos. Ele prega que o Banco Central tem que ser autônomo. Ou seja, que o monopólio do uso da política monetária seja só dele, sem nenhuma interferência do governo. Traduzindo ainda mais. Só ele pode usar a taxa de juros básica da economia, a Selic, como bem entender, sem que ninguém possa reclamar. Baseado nesta premissa, alegando uma inflação de demanda inexistente, ele subiu a taxa de juros de 2% no início de 2021 para 13,75% atualmente.
Essa decisão, tomada exclusivamente pelo BC, significou uma elevação bilionária das despesas com os juros da divida brasileira que o governo tem que pagar. Fruto desta decisão, o Brasil, que gastava, em 2021, R$ 350 bilhões de juros, três anos depois, agora em 2023, terá que pagar R$ 800 bilhões de juros. Esses são dados oficiais. Ou seja, Campos Neto provocou uma elevação de R$ 450 bilhões nas despesas do governo em dois anos com a alta dos juros da dívida.
E agora, cinicamente, ele diz que a culpa pela elevação do endividamento público é do governo. E ainda tenta jogar o empresariado produtivo, que está sendo estrangulado por esses juros estratosférico, o maior juro real do mundo, contra o governo. Inventou que o Planalto estaria “competindo com você [empresário] pelo dinheiro que tem disponível para aplicar em projetos”. É mentira. Ele sobe os juros, e, com isso, os bancos e rentistas, que ele representa, aumentam seus ganhos e toda a sociedade perde, inclusive o setor produtivo.
De todo o Orçamento da União, praticamente metade dele, é destinado ao pagamento dos juros e rolagem da dívida. A cada um ponto percentual de elevação dos juros corresponde a um aumento de cerca de 70 bilhões nas despesas do governo com juros. É esta ganância desenfreada da oligarquia financeira, que colocou Campos Neto no BC, que está estrangulando toda a economia. O gasto com os juros – definido pelo “BC autônomo”- é o principal fator de aumento do endividamento do governo.
CAPACIDADE DE INVESTIMENTO
Campos Neto esconde a defesa dos interesses dessa oligarquia financeira alegando que faz tudo para combater a inflação. Uma inflação que, como todos sabem, não é de demanda, é de oferta. E que, portanto, não responde à elevação dos juros. Mas, ele faz-se de surdo e segue com a maior taxa de juros do mundo. O cinismo está no fato de que o sujeito está perfeitamente ciente de que é esta sua loucura especulativa que está reduzindo a capacidade de investimentos, tanto do setor privado quanto do governo. Mas Campos Neto mente, e tenta culpar o governo por todo este descalabro.
Felizmente a sociedade, e principalmente o mundo produtivo, não está caindo nesta conversa e não para de protestar. Em debate sobre juros, inflação e crescimento, realizado no Senado Federal, no final de abril, Campos Neto foi contestado pelo presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade. “Se nós não temos uma inflação de oferta, onde é que está a demanda?”, indagou o líder empresarial.
“Porque as nossas empresas, presidente Roberto Campos”, seguiu Braga de Andrade, “estão sofrendo muito com uma demanda fraca. Nós estamos vendo aí setores que têm passado por diversas dificuldades. No setor automobilístico, recentemente, férias coletivas, desemprego, diversos setores que têm realmente enfrentado dificuldades porque não têm a demanda necessária”, afirmou o presidente da CNI, que continuou expondo a realidade da indústria brasileira. “Nós estamos produzindo pouco. Quando a gente olha a capacidade ocupada das nossas fábricas, está abaixo de 60%. Nós temos uma capacidade produtiva ainda muito grande, muito forte”, argumentou.
Já o presidente da Fiesp, Josué Gomes, denunciou que “o Brasil hoje pratica uma taxa de juros reais de uma magnitude que é inconcebível: 8%”. “E sempre que se coloca esse debate, os técnicos costumam argumentar que a ‘pré-condição’ para que os juros caiam no país é a questão fiscal”, prosseguiu. “O problema é que os próprios juros reais que vêm sendo praticados nos últimos 29 anos, tão mais altos que no resto do mundo, são causadores do problema fiscal”, argumentou Gomes.
JUROS EMPOBRECEM O PAÍS
Josué Gomes destacou que estes juros empobrecem o país, ao diminuírem a capacidade de crescimento da economia nacional. “Eles forçam, por um lado, uma menor capacidade de arrecadação do Estado e, por outro, uma necessidade do Estado de socorrer pessoas que ficaram em situações mais fragilizadas pelo próprio não crescimento da economia”, enfatizou o dirigente da Fiesp. “O Brasil precisa romper esse ciclo, sob pena de continuar empobrecendo. Se a inflação aleija e o câmbio mata, os juros empobrecem”, argumentou.
Apesar das narrativas de Campos Neto, o objetivo real dos juros altos praticados por ele, em total dissonância com os objetivos do governo Lula, é provocar uma recessão. Este objetivo, de desaquecer a economia e elevar o desemprego, ficou explicitado no comunicado divulgado na última ata do Copom. “Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores mais recentes de atividade econômica segue corroborando o cenário de desaceleração esperado pelo Copom, ainda que exibindo maior resiliência no mercado de trabalho”, diz o trecho, claramente recessivo do documento.
E, por fim, mas não menos importante, é a outra alegação falsa, usada por Campos Neto para advogar o corte nos investimentos públicos e o estrangulamento do setor produtivo. A existência de um suposto “desequilíbrio nas contas públicas”. Esta “tese” oportunista foi desmascarada pelo economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, que afirma, e prova, que não há crise fiscal nenhuma no país. Ele afirma que esse pretexto é usado para justificar a transferência de recursos da sociedade para o setor especulativo.
NÃO HÁ CRISE FISCAL
Em recente entrevista à jornalista da Globo Miriam Leitão, Lara Resende, argumentou que “a dívida pública é em reais – moeda emitida pelo governo – e não está fora do controle como apregoam os representantes do mercado financeiro”. Ele destacou que a única saída para a crise do país é o aumento dos investimentos públicos.
“O Brasil tem hoje quase 20%, um pouco menos, de reservas internacionais, ou seja, ele vendeu mais do que importou e isso criou reservas, o que é uma extraordinária segurança pro Brasil. É óbvio que essas reservas internacionais têm que ser deduzidas. É algo que o país tem de um ativo que tem que ser deduzido do passivo, que é a dívida que ele emitiu. Se você pegar 73% e deduzir os 20% dá 53%”, disse.
Lara acrescentou que “o Tesouro tem uma conta única do Tesouro no Banco Central e essa conta no final do ano passado estava com quase 10% do PIB em moeda. É um ativo do Tesouro. O Tesouro emitiu a dívida estava com moeda. Os dois, moeda e dívida, são passivos do Tesouro. Então ele só fez uma troca: ele disse emiti mais de dívida e retirei da moeda que está na minha conta no Banco Central. Isso também tem que ser deduzido para a dívida líquida líquida das reservas internacionais e das reservas em reais do Tesouro no Banco Central. E isso nós chegamos ao número de 45% do PIB”, destacou o economista.
Depois de afirmar que vários países do mundo têm dívidas até maiores do que seu PIB, Resende lembrou que a dívida pública interna do Brasil é em moeda por um país que emite sua própria moeda. “Não é o caso dos países europeus que têm dívida em moeda única, emitida pelo Banco Central europeu”, lembrou.
“O governo federal sempre poderá pagar sua dívida, dívida e moeda são ambos passivos do governo. Moeda é passivo do Tesouro que não paga juros e que não tem data de vencimento de resgate. Dívida tem prazo de resgate, mas vimos nos últimos anos alguns países com taxa de juros quase a zero. Então dívida e moeda não faz diferença, ambos são passivos do estado, e não faz diferença nenhuma. No século 19, a moeda é líquida e a dívida não é”, explicou.
“Em economias com sistema financeiro sofisticado e líquido como é hoje, a dívida pública toda é líquida. Você compra e vende em um segundo. A moeda é simplesmente uma unidade de conta. É aceito porque a sociedade confia neste governo, neste estado organizado e legítimo. O que provoca a desconfiança da moeda não é uma questão econômica, não é uma relação de dívida/PIB, se o governo vai poder pagar ou não, como incorretamente se fala muitas vezes”, argumentou.
PAÍS TEM QUE CRESCER
“Isso é analogia de passado quando o governo para emitir sua dívida precisava ter lastro metálico. Hoje quando você tem uma moeda fiduciária, o governo pode sempre pagar, e ele é toda líquida. Então essa é uma economia de puro crédito. O que garante é a confiança no estado organizado. O que produz a hiperinflação, desorganização, é a desconfiança na desorganização do estado”, prosseguiu.
“Basicamente é o seguinte: a única coisa que se sabe é que a dívida/ PIB é o numerador é dívida e o denominador é o PIB. O numerador cresce com o custo da dívida, que é a taxa de juros alta. Taxa de juros alto piora a relação dívida/ PIB. Crescimento aumenta o PIB, o numerador, portanto reduz a relação dívida/PIB”, apontou o economista.
“E o ponto fundamental é, se a taxa de juros for inferior à taxa de crescimento, a relação dívida/PIB vai cair. Se for o contrário vai subir. É simplesmente isso. Se tiver a taxa de juros mais alta que a taxa de crescimento, para que a dívida PIB não suba precisa de gerar um superávit primário para pagar o excesso de juros sobre o crescimento. Veja a distorção. É óbvio que o que precisa fazer é fazer a economia crescer e ter juros baixos. A lógica no Brasil está invertida: define-se que há um risco fiscal, ninguém sabe o que é risco fiscal”, afirmou Resende.
“Com a taxa básica a 8% real, uma empresa de primeiríssima linha não está pagando menos de 18% a 20% ao ano. Evidentemente isso é um custo proibitivo. Toda empresa que estiver endividada, mesmo que seja no capital de giro, corre o risco de se tornar inviável. Temos inúmeros casos de insolvência. É claro que isso está provocando uma recessão muito séria e ameaçando uma quebra de empresa em todos os setores. A indústria é um setor que foi profundamente punido por impostos e com juros como esse se torna inviável. E o varejo que ia bem, também. É dramático”, afirmou Lara Resende.
Em suma, o país inteiro já sabe que Campos Neto está sabotando o Brasil em benefício de meia dúzia de especuladores. E que seu cinismo mostra que ele está irredutível. Portanto, o que resta ao país é derrotar sua política nefasta e retomar imediatamente o crescimento da economia. Estas últimas declarações dele à CNN não deixam dúvidas quanto à inevitabilidade e a urgência desta providência.
SÉRGIO CRUZ