“A taxa de juros é um instrumento muito poderoso para o desaquecimento da economia. A pergunta é, a economia brasileira precisa ser desaquecida com esse nível, ter a taxa mais alta do mundo hoje? Claramente não”, aponta o economista
O economista André Lara Resende afirmou, em entrevista ao programa Canal Livre, da Band, que a taxa de juros básica hoje de 13.75 está profundamente errada. Ele bateu de frente com a atual política do Banco Central. “É ele que causa a piora fiscal com o aumento dos gastos financeiros”, adverte o especialista, ex-diretor do BNDES, ex-diretor do Banco Central e um dos formuladores do Plano Real. André Lara Resende integrou a equipe de transição do governo do presidente Lula e foi nomeado para a Comissão de Assuntos Estratégicos do BNDES.
“Só para pôr isto em perspectiva, no mundo hoje, todos os países avançados têm taxas de juros real, ou seja a taxa nominal reduzida a taxa de inflação, negativas. Ainda que estejam todas subindo – todas as taxas nominais estão em processo de ajuste para cima, porque você saiu de um período de deflação com período de recuperação da inflação – em todo mundo essas taxas estão subindo, mas essas taxas [juros reais] continuam negativas”, destacou Resende.
Para o economista “a inflação não é sempre um excesso de demanda”. “Às vezes é. Não é sempre. Na de hoje, claramente, não é. Essa inflação de hoje foi provocada por choques negativos de oferta, essencialmente, a desorganização produtiva que ocorreu no mundo todo com a pandemia e, na saída da pandemia, com a guerra da Ucrânia, que desorganizou e teve aumentos de preços de energia: derivados de petróleo, de fertilizantes, e, portanto, de alimentos”, explicou.
Ele alegou que o país não pode investir ou aumentar salários por conta do risco fiscal. “Então”, prossegue o economista, “você diz: ‘eu estou aumentando a taxa de juros por causa do risco fiscal’. Só que ao aumentar a taxa de juros você aumenta o desequilíbrio fiscal. Teoricamente, você aumenta o risco fiscal, aí você tem que aumentar mais a taxa de juros? Olha, alguma coisa está profundamente errada”. Confira abaixo as teses defendidas por Lara Resende na entrevista!
Seguem os principais trechos da entrevista na íntegra
A palavra independência é inapropriada. A palavra correta é autonomia do Banco Central. O Banco Central, evidentemente, não pode ser independente dos poderes constituídos, se não ele seria um quarto poder. E corretamente o que você quer é que o Banco Central tenha autonomia operacional para conduzir as políticas determinadas pelo governo.
Evidentemente, o Banco Central é um órgão de Estado. Você quer que tenha uma certa continuidade na política, que ele seja protegido de pressões políticas espúrias. Normalmente, de ideias e pressões eleitoreiras. Enfim, de governo pré-eleição, etc. E com isso, a ideia de que os diretores do Banco Central tenham um mandato, não coincidente com os mandatos do Executivo, da Presidência da República, faz um pouco de sentido, porque os mercados financeiros precisam de certa previsibilidade. E e a ideia de grandes mudanças podem ser profundamente perturbadores e desorganizadoras do mercado financeiro e da economia. Então, faz sentido que você tenha autonomia operacional dos bancos centrais.
Agora, um banco central autônomo, parte do princípio de que a política monetária, a política do Banco Central, possa ser algo puramente técnico e não esteja submetida a circunstâncias, o que não é verdade. A teoria monetária, como toda teoria económica, é uma combinação de técnica, de noções sobre o funcionamento da economia, e como economia é uma ciência social, portanto, é uma ciência política, não uma ciência exata, ela tem necessariamente de estar ligada a circunstâncias políticas e precisam estar sempre em evolução, tanto que a teoria econômica está em permanente evolução. Não necessariamente que ela foi errada no passado. Ela é mais ou menos apropriada para as circunstância, e as circunstâncias nas últimas décadas, desce início do século 21, são muito diferentes das que foram na segunda metade do século 20.
A teoria monetária mudou muito. Como a condução da política monetária mudou, antes se pensava em base monetária, quantidade monetária, hoje sabe-se que não é assim que os bancos centrais funcionam. Os bancos centrais deixaram de acompanhar os agregados monetários e passaram a funcionar com um instrumento que é a taxa básica de juros. A taxa cobrada sobre as reservas bancárias.
A autonomia operacional do Banco Central é um avanço institucional. A taxa de juros básica hoje de 13,75% está correta? Na minha opinião, não. Está profundamente errada, e digo o porquê? Assim como eu acho que a taxa muito baixa, abaixo de 3%, também estava errada, porque, justamente como eu disse, o mercado financeiro não deve sofrer mudanças bruscas de direção. Então, a condução da política monetária deve ser a condução suave, com um direcionamento, previsibilidade, não tenho dúvida nenhuma sobre isso.
“O Brasil tem a taxa real mais do que o dobro do segundo lugar do mundo”
Essa taxa hoje é muito alta. Só para pôr isto em perspectiva. O mundo hoje, todos os países avançados têm taxas de juros real, ou seja a taxa nominal reduzida a taxa de inflação, negativas. Ainda que estejam todas subindo – todas as taxas nominais estão em processo de ajuste para cima -, porque você saiu de um período de deflação com período de recuperação da inflação. Em todo mundo essas taxas estão subindo, mas essas taxas [juros reais] continuam negativas. Alguns países, que têm essas taxas positivas, a maior se eu não me engano é a do México, e a segunda é do Chile, é em torno de 4% real. A nossa está em 8%, 8,5%. Então, o Brasil tem a taxa real mais do que o dobro do segundo da mais alta do mundo.
O efeito da taxa de juros sobre o crescimento da economia e o emprego é inequívoco. Sobe a taxa de juros, desaquece a economia e aumenta o desemprego. Este efeito de desaquecimento da economia e o aumento do desemprego sobre a inflação, que existia no passado era chamada curva de Phillips, que relacionava inversamente desemprego e inflação, desapareceu no mundo inteiro. Ou seja, não há mais essa relação. Ou seja, a taxa de inflação está desconectada da taxa do emprego e do desemprego. Especula-se o porquê e as razões disso? Muito provavelmente, o que me parece a explicação mais razoável, é justamente porque o emprego deixou de ser formal. Então, o emprego hoje é mais disperso, informalizado, e você reduziu muito o poder dos sindicatos. De certa forma, portanto, o salário deixou de ser um preço que sinaliza a questão de inflação. O salário mínimo ainda é muito correlacionado com a inflação, mas o salário em geral e o desemprego desapareceu.
“Essa inflação de hoje foi provocada por choques negativos de oferta, essencialmente, a desorganização produtiva que ocorreu no mundo todo com a pandemia e, na saída da pandemia, com a guerra da Ucrânia, que desorganizou e teve aumento de preço de energia: derivados de petróleo, de fertilizantes, e, portanto, de alimentos. E isso, portando, um choque negativo, e isso não se resolve com contração de demanda”
Portanto, onde a taxa de juros afeta a inflação? Uma subida da taxa de juro desaquece a economia, não tem muito efeito sobre a inflação, especialmente sobre uma inflação como a que nós temos hoje. A inflação não é sempre o mesmo fenômeno. A inflação não é sempre um excesso de demanda. Às vezes é. Não é sempre. Na de hoje, claramente, não é. Essa inflação de hoje foi provocada por choques negativos de oferta, essencialmente, a desorganização produtiva que ocorreu no mundo todo com a pandemia e, na saída da pandemia, com a guerra da Ucrânia, que desorganizou e teve aumento de preço de energia: derivados de petróleo, de fertilizantes, e, portanto, de alimentos. E isso, portando, um choque negativo, e isso não se resolve com contração de demanda.
O outro canal por onde funciona a taxa de juros, é através da valorização do câmbio. Valoriza o câmbio e isso pode reduzir, controlar a inflação, mas é pouco poderoso. Mas a taxa de juros é um instrumento muito poderoso para o desaquecimento da economia. A pergunta é, a economia brasileira precisa ser desaquecida com esse nível, ter a taxa mais alta do mundo hoje? Claramente não. Não.
E mais, esse é o ponto fundamental, o que está acontecendo agora, essa semana estão saindo os balanços de bancos, todos os resultados são muito aquém, muito abaixo do esperado. Todas as provisões dos devedores duvidosos estão aumentando drasticamente. O fato de que você teve quebras no varejo, o caso Americanas, e problemas em outras áreas do varejo estão levando os bancos a retrair drasticamente o crédito. Quando você tem uma contração de crédito como essa, você agrava o processo de desaquecimento da economia e de imbica com uma recessão que pode ser muito séria.
Neste contexto, você ter uma taxa de juros já há dois anos nesse nível? Claramente não. Agora, os objetivos do Banco Central determinados na lei que deu autonomia para o Banco Central são o controle da inflação, a estabilidade do sistema financeiro e a garantia do pleno emprego – estar mais próximo possível do pleno emprego. Obviamente, essa taxa de juros de 13,75% – 8% de juros real – é incompatível com esse objetivo. Na minha opinião, ela está errada.
TERRORISMO FISCAL ESTÁ ENCARECENDO O CRÉDITO
Esse terrorismo é feito permanentemente: o risco fiscal. O resultado do ano passado, depois de toda essa coisa, foi um superávit primário de 1,3%. A dívida PIB, a relaciona dívida/PIB caiu para 73%. Está se dizendo há anos que vai bater em 100%, 90%, caiu para 73%, é o nível mais baixo dos últimos anos. Acho que o mais baixo dos últimos seis ou sete anos. Me explica por que a dívida não é sustentável?
O que quer dizer risco fiscal? Risco de sustentabilidade? A dívida. Segundo, Jefrey Sachs – com quem nós tivemos uma reunião, ontem, já desse comitê do processo estratégico do BNDES, para discutir programas de investimento longo prazo -, repetiu o que tinha me dito no início neste mês, num jantar no Rio de Janeiro. Se você olha as contas brasileiras, os números brasileiros, esse país é um país que está perfeitamente bem, com economia em ordem. O endividamento, relação dívida/PIB perto de 70% é muito inferior a de qualquer dos países desenvolvidos. Em linha com os países em desenvolvimento, sendo que a dívida brasileira é integralmente em moeda nacional.
A nossa dívida é um pouquinho acima da média dos emergentes. Os emergentes são 50%, 60%, nós estamos em 70%. Nós somos um país maior. Quanto mais sofisticado é o mercado financeiro maior deve ser a dívida interna. Porque a dívida interna é o ativo sem risco do sistema financeiro. Então, ela tem que ter uma certa proporção. Muito mais coerente seria medir a proporção de dívida com ativos financeiros privados. Inclusive, porque a dívida pública é uma dívida do governo, uma dívida financeira, e é um ativo do setor privado. As pessoas esquecem isso. Se o governo for superavitário e reduzisse a dívida interna para zero, o setor privado reduziria o valor, perderia 70% do PIB em termos de riqueza financeira. Faz sentido isso?
“A situação fiscal brasileira é sustentável. Como é que se pode dizer, que há um risco fiscal? Ameaça fiscal? E, por causa disso, a taxa de juros tem que ser alta?”
Portanto, a situação fiscal brasileira é muito razoável. O Brasil tem nos últimos anos, durante a pandemia, sempre teve no século 21, em quase todos os anos, com algumas exceções, superávits primários, Depois teve alguns anos que teve déficit primário e depois voltou, e o ano passado voltou a ter superávit, 1,3% do PIB. Então, a situação fiscal brasileira é sustentável. Como é que se pode dizer, que há um risco fiscal? Ameaça fiscal? E, por causa disso, a taxa de juros tem que ser alta?
A taxa de juros básica quem determina é o Banco Central. A taxa de juro de longo prazo é fixada pelo mercado em base em quê? Na expectativa do custo de carregamento. Na expectativa de qual é a trajetória, daqui até lá, da taxa básica. Portanto, também ela é determinada pelo Banco Central. Ou pelo que o mercado espera que o Banco Central vá fazer. E, se o Banco Central quiser discordar, como já faz o banco do Japão, entre outros bancos, o Banco Central do Japão opera na curva inteira, de um dia a 10 anos. Agora acabou de abrir um pouquinho o espectro de 10 anos. Ele diz, eu compro e vendo nesses prazos os títulos. Com isto, ele determina então toda a estrutura da taxa de juros da dívida pública. Com isso, em vez de operar só em um dia, ele opera em toda a estrutura termo. E pode fazer isso perfeitamente e determinar toda a taxa de juros e acaba com essa loucura de dizer: o risco fiscal.
Quem financia o Brasil são os brasileiros, em moeda nacional. Vamos falar da dominação, investidores. Quem compra dívida pública não é investidor, é rentista, e não há conotação negativa, pejorativa, em rentista não. Rentista é qualquer pessoa que quer transferir no tempo sua poupança ou seus recursos, mantendo o valor. Investidor é quem investe com risco, porque na dívida pública não tem risco. Então, o seguinte, o retorno: comprar em NTN-B [letras do Tesouro Nacional] brasileira hoje de longo prazo, que paga inflação mais 6,5% ao ano, não existe nada no mundo tão bom. Nenhum investimento pode concorrer com isso. Por quê? Porque a taxa está profundamente errada.
“Quando você aumenta os juros, você aumenta o custo do financiamento da dívida, você aumenta o déficit. Você não aumenta o déficit primário, mas aumenta o déficit nominal. Você aumenta a dívida. Então, você diz: ‘eu estou aumentando a taxa de juros por causa do risco fiscal’. Só que ao aumentar a taxa de juros você aumenta o desequilíbrio fiscal. Teoricamente, você aumenta o risco fiscal, aí você tem que aumentar mais a taxa de juros? Olha, alguma coisa está profundamente errada”
A elevação da taxa de juros, está no site do Tesouro Nacional, nos últimos dois anos custou quase 2% do PIB, saída de 2,75% para 13,75%, custou quase 2% do PIB a mais em serviço de juros em 2021, e quase 4% do PIB em 2022. A PEC de transição é menos de 2% do PIB. Ou seja, exigiu uma emenda constitucional para aumentar os gastos públicos em 2% do PIB. Algumas canetadas do Banco Central aumenta em dois anos 6% do PIB de custo da dívida. Agora, faz sentido? Lembre-se, quando você aumenta os juros, você aumenta o custo do financiamento da dívida, você aumenta o déficit. Você não aumenta o déficit primário, mas aumenta o déficit nominal. Você aumenta a dívida. Então, você diz: ‘eu estou aumentando a taxa de juros por causa do risco fiscal’. Só que ao aumentar a taxa de juros você aumenta o desequilíbrio fiscal. Teoricamente, você aumenta o risco fiscal, aí você tem que aumentar mais a taxa de juros? Olha, alguma coisa está profundamente errada.
A PEC da transição foi em grande parte para o Bolsa Família foi uma gritaria fenomenal: ‘uma irresponsabilidade fiscal!”. O governo tem que gastar bem e ser coerente, não tenho dúvida sobre isso. Agora, o Bolsa Família é uma gritaria, o bolsa rentista dá 4% sobre a taxa de juros, e isto não tem problema nenhum.
“A ideia de que o Estado é um peso morto não é verdade”
É muito estranho que tenha havido essa prevalência ou dominância pelo menos, assim, na grande mídia, uma certa visão de que o Estado, na melhor das hipóteses, é um peso morto no país e só atrapalha: ‘se nós tirarmos o Estado, a economia capitalista funcionará’. Isso é profundamente falso. A economia capitalista depende de instituições e de regras, e depende do Estado. De um Estado competente. Não existe um bom funcionamento da economia sem um Estado competente. Então, a ideia de que o Estado é um peso morto não é verdade. O Estado contribui para a produtividade e a criatividade da economia, em conjunto com setor privado.
A alocação de quem criou isso, quem criou aquilo, no fundo é indissociável, nós devemos sempre a todo mundo, inclusive as pessoas que já morreram, ao passado, conhecimento, contribuição, como se organiza, como se pensa, conhecimento científico, tudo, isso é parte, é uma condição da humanidade. Como você redistribui, depende da organização política e dos valores que estão institucionalizados naquela sociedade. A sociedade capitalista tem uma forma de distribuir isso. Sabe-se que o capitalismo também nunca foi a mesma coisa, também evolui, mas a ideia de que o capitalismo é altamente suficiente na criação de riquezas, mas nem sempre é justo na distribuição dessa riqueza. A solução disso no início do século 20 foi a criação de sistema social, de educação pública, sistema de saúde pública, coisas que foram fundamentais. Regredir em relação a isso seria uma tragédia.
Hoje, o Brasil, em muitos aspectos, é um país desenvolvido e rico. Não vamos nos iludir. O Brasil é um país rico e um país de certa forma altamente educado. Agora, o Brasil é um país profundamente desigual, com pobreza inadmissível dado o nível que chegou. Pobreza, deseducação, problema de saúde e de saneamento. Então, você não resolve isso com políticas assistencialistas. A política assistencialista de transferência de renda é, como se diz, um paliativo. Pode ser um paliativo transitório, temporário.
A solução para a pobreza endêmica e a pobreza absoluta só tem uma, é o verdadeiro desenvolvimento. É crescimento e enriquecimento e sobretudo enriquecimento do ponto de vista de capital humano. De educação, de saúde, é isso é que é o enriquecimento. Isso é que tem que ser feito. O que nós precisamos, e isso é que o nosso Conselho Estratégico do BNDES está propondo, se propõe a fazer, é dizer qual é o programa? E nós temos que ter um programa que transcenda – muito mais importante do que mandatos do diretor do Banco Central que não coincidam com o mandato presidencial, do Executivo – é um programa de investimento de longo prazo.
“A solução para a pobreza endêmica e a pobreza absoluta só tem uma, é o verdadeiro desenvolvimento. É crescimento e enriquecimento e sobretudo enriquecimento do ponto de vista de capital humano. De educação, de saúde, é isso é que é o enriquecimento. Isso é que tem que ser feito. O que nós precisamos, e isso é que o nosso Conselho Estratégico do BNDES está propondo”
Então, vamos lá, por que o Brasil não cresce? Nos últimos anos o Brasil está preso a essa armadilha da renda média, crescimento muito abaixo do esperado dos países, por exemplo, de todos os países asiáticos. Só um número: nos últimos 40 anos a renda per capita da China foi multiplicada por 20, a do Brasil por dois. É possível isso? Alguma coisa errada? Nós temos que ver isso. Por quê? Se você for olhar, primeiro, a taxa de investimento do Brasil é muito baixa. A taxa de investimento do Brasil hoje é 17% do PIB e todos os países que cresceram rapidamente, asiáticos, são acima de 30%.
Ou seja, é o dobro da taxa de investimento do Brasil. A taxa de investimento público do Brasil despencou. A taxa de investimento público caiu de 9%, 10% para baixo de 2%. Isso não é o suficiente nem para repor a obsolescência do capital da infraestrutura do país. Então, o Brasil tem que voltar a investir. Ao contrário do que diz essa teoria antiestatal, radical, o investimento público não compete com investimento privado se o investimento público for muito bem-feito. Pelo contrário, ele é complementar ao investimento privado e ele pauta e cria oportunidades para o investimento privado.
“A taxa de investimento público caiu de 9%, 10% para baixo de 2%. Isso não é o suficiente nem para repor a obsolescência do capital da infraestrutura do país. Então, o Brasil tem que voltar a investir. Ao contrário do que diz essa teoria antiestatal, radical, o investimento público não compete com investimento privado se o investimento público for muito bem-feito. Pelo contrário, ele é complementar ao investimento privado e ele pauta e cria oportunidades para o investimento privado”.”
O papel do BNDES é o que sempre foi. É auxiliar no financiamento de projetos de investimentos tanto público quanto privado. Ele é um grande financiador dos investimentos privados. [Nos últimos anos] o BNDES desapareceu. Se você olhar os números de crédito, ele acabou. Então, nós temos que retomar o BNDES. O grande programa é: quando você tem um programa de desenvolvimento, de investimento, você precisa ter quais são os projetos. Nós temos uma certa obsessão de onde vai vir o financiamento. É importante de onde vai vir o financiamento, mas antes de saber de onde vai sair o financiamento, que projetos são esses? Que investimentos são feitos? Qual é a taxa de retorno desses investimentos?
Nós vamos ter que fazer uma ordenação desse investimento e dentro dessa ordenação um programa que vai, não é de quatro anos não, deve ser um programa de 10 anos, revisto permanentemente. Os investimentos devem ser feitos, devem estar submetidos a uma revisão de avaliação de taxa de retorno, se os custos estão corretos, e você vai reprogramando e reorganizando. Isso baliza todo o programa de investimento público e privado do país. Esta é a forma de fazer o país crescer. Para ele voltar a crescer em níveis muito acima do que ele tem crescido, e isso é fundamental.
O financiamento não é para empresas estrangeiras no exterior e de países no exterior, é financiamento às empresas brasileiras que prestam serviços no exterior. Então, esse é um financiamento de exportação brasileira. Exportação de serviço. Em princípio todo esse financiamento da exportação ajuda a economia brasileira, a indústria brasileira e o setor de serviço brasileiro, na sua exportação, gera divisas e tem um bom retorno. Claramente, toda vez que você faz empréstimos no exterior, como todo empréstimo, depende de garantia. Tem que ter boa garantia. Esse é o ponto fundamental.
O presidente Lula está muito interessado, claramente, em recompor o papel de liderança do Brasil no mundo, especialmente, na América Latina. O Brasil retraiu a sua diplomacia. O Brasil sempre teve um papel importante de diplomacia neste mundo hoje que é um mundo multipolar. Deixou de ser um mundo bipolar, da guerra fria, depois, para o mundo que parecia ter uma potência hegemônica, os Estados Unidos. Hoje tem mais de uma, claramente, tem duas grandes potências, Estados Unidos e China. Está muito tenso esse universo, e o Brasil com a sua história de diplomacia de grande sucesso, a diplomacia brasileira é respeitadíssima, não tem por que ter se retraído como se retraiu.
O presidente Lula, portanto, vincula a ideia desses financiamentos, que fazem sentido a esse financiamento da indústria brasileira, com a ideia de retomar esse papel estratégico da política externa brasileira na região.
“A ideia de perdas para o Tesouro é um mito”
O BNDES devolveu bilhões de reais ao Tesouro Nacional nos últimos anos. Isto inclusive reduziu muita a capacidade de empréstimo para frente do BNDES. A principal fonte dos recursos do BNDES vem do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). A ideia de capitalização do BNDES, o Tesouro pode capitalizar mais o BNDES para que ele possa ter um papel mais atuante, isso é uma das possibilidades, está em discussão. Referindo-se aos subsídios por parte do Tesouro aos empréstimos: a ideia de perdas para o Tesouro é um mito. Antes você tinha a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que era um custo abaixo do custo do financiamento do Tesouro – isto é subsídio.
Se você quer ser um banco de fomento, um banco de fomento por definição ele pode, em certas áreas, que não tem retorno – com certeza, se você quer o financiamento à saúde, se não for a saúde pública, de quem não tem dinheiro para pagar a Rede D’Or, não vai ter retorno -, então, você não pode portanto pagar, especialmente, se a taxa de juros básica é 8% real, você imagina quanto vai custar? Ninguém vai investir.
O BNDES, substitui a taxa que era TJLP – que permitia ela ser subsidiada no sentido que tinha redutor em relação ao custo do Tesouro – pela TLP [Taxa de Longo Prazo], que é uma taxa baseada no custo do Tesouro, que é determinado pelo Banco Central que põe na Lua, e além do mais com um período de curto prazo, com alta volatilidade. Isto inviabiliza qualquer empréstimo.
Hoje, como está demonstrado, qualquer empresa que está usando o crédito, a não ser que seja de capital de giro de curto prazo, aliás, as empresas de varejo com o risco sacado é capital de giro, quebram em dois anos. Com essa taxa qualquer um quebra. É impossível investir com esta taxa.
“O país não cresce porque não investe. Por que o país não investe? O país não investe porque a taxa de juros é impeditiva de investir”
Se nós fazemos o diagnóstico do país, o país não cresce porque não investe. Por que o país não investe? O país não investe porque a taxa de juros é impeditiva de investir. E por isto eu digo o seguinte: vamos definir o que é investidor e o que é rentista. Rentista é quem vive emprestando dinheiro em papéis financeiros, sobretudo da dívida pública ou de alguns emissores privados. Investidor é quem de fato corre risco e investe na expansão da capacidade produtiva e organizacional da economia brasileira.
São coisas muito diferentes. Esse vício do mercado financeiro, o investidor, que não é investidor, isso é um rentista, aqueles que vivem de juros, de renda. De novo isto não é pejorativo. É perfeitamente razoável que a economia tenha rentista. Uma economia rica tem rentista. O que eu estou defendendo é que o custo do Tesouro não pode estar no nível que está porque o Banco Central está botando a taxa de juros errada.
Se a taxa de juros no Brasil estivesse correta… O Banco Central controla a taxa de juro. Ele não deve fazer variações bruscas na taxa de juros, como já disse aqui. Quais são os limites da taxa de juros? Não faça grandes variações, não faça movimentos bruscos. Nunca ponha a taxa de juros, a não ser em casos excepcionais, é preciso estimular a economia, abaixo da taxa esperada da meta de inflação. E o Banco Central pôs. É única vez, nesse século 21, foi que esse Banco Central pôs o juro abaixo da meta de inflação. Segundo, nunca ponha a taxa de juros, a não ser em circunstâncias excepcionais, que você precise desaquecer a economia, acima da taxa de crescimento esperada da economia, por definição. Com isso, a relação dívida/PIB vai convergir se não houver déficit primário.
O investimento que tem efeito mais imediato sobre a recuperação da economia, seria sem dúvida nenhuma a habitação, saneamento e infraestrutura. Habitação e saneamento para começar. tem impacto imediato na construção Civil para recuperação da economia. No longo prazo, que tem fonte de investimento externo é claramente o investimento que se chama ambiental, recompor a riqueza ambiental do Brasil, claramente a Floresta Amazônica.
A ideia do Brasil avançar na reindustrialização, a ideia de que a economia tenha uma agenda produtivista e não financista, produtivista para o país, e que essa nova produção, aumento da produtividade, seja numa economia descarbonizada, ou seja, de energia limpa, que é a agenda que está sendo imposta, exigida no mundo inteiro, é fundamental. E para isso, o Brasil, como país de referência, é por causa da Amazônia, tem linhas muito favoráveis no mundo e abundantes e não são linhas de bancos privados, porque são mais caras. Vamos pegar as linhas mais baratas de todos os organismos internacionais, de estados que estão dispostos a financiar, o que eu chamaria, este investimento ambiental do Brasil.
Isso tem efeito a curto prazo na recuperação da economia, menos. Mas tem efeito fundamental na credibilidade do país, na recuperação a longo prazo e no direcionamento para onde nós vamos. E isso precisa ser definido imediatamente.
“O Brasil hoje tem 73% de dívida financeira pública e tem 20% do PIB em reservas internacionais, então o Brasil hoje não precisa de dinheiro externo”
O Brasil hoje tem 73% de dívida financeira pública e tem 20% do PIB em reservas internacionais, então o Brasil hoje não precisa de dinheiro externo. É sempre bom ter mais, mas o Brasil não precisa, não depende de recursos externos, isso é um cacoete de um período em que o Brasil no século 20 foi sempre dependente de recursos externos. É claro, se ele começar a crescer muito rapidamente ele pode até depender, porque isso pode levar a ter que a importação de bens, de capital, leve a precisar de linhas externas. O investimento externo não traz só recurso financeiro. Ele pode trazer tecnologia, e isso é o que se deve procurar, é absorção de tecnologia. Esse é o critério que você deve avaliar para trazer investimento externo.. Ele está trazendo tecnologia, está absorvendo tecnologia? Isso é fundamental.
Por que você tem que ser tão dependente de investimento externo? Se tiver tecnologia, uma grande absorção de tecnologia aqui, perfeito.
Os EUA gastaram e aí criou inflação… A inflação americana não tem nada a ver com o que gastou. Os Estados Unidos multiplicaram a base monetária em 2007/2008 para salvar o sistema financeiro, não estou fazendo demagogia… Os EUA não gastaram, gastaram não é a palavra, emitiram moeda. Passaram a base monetária de 3% do PIB para 10% do PIB e depois 27% do PIB. Não teve inflação nenhuma, depois de multiplicarem a base monetária por um fator de 10, passaram 10, 11 anos com deflação. Quando veio a pandemia, EUA dobrou a dose, mais uma vez pegou a base monetária que estava muito mais alta e triplicou, e distribuiu cheque para a população, corretamente, para evitar uma catástrofe com a pandemia. Com a saída da pandemia, as pessoas estavam desesperadas para viajar, comprar coisas, deixar de comprar só em plataforma digital, ir a lojas, a restaurantes, esse efeito coincidiu com o efeito em que a economia no mundo todo estava desorganizada. Os portos estavam encalhados, as mercadorias não tinham como entrar… todas as redes produtivas… um amigo disse, você não tem noção…. não tinha chips para entregar automóveis. A oferta se contraiu, houve uma pressão inflacionária, carros, a oferta se contraiu. Em cima dessa pressão inflacionária, havia a guerra da Ucrânia, que subiu o preço de energia, de petróleo e de alimentos, e no caso de fertilizantes. Essa foi a inflação. Não tem nada a ver como os Estados Unidos gastou mais.
Se taxa de juro alta combatesse a inflação, não precisávamos ter feito o Plano Real. Quando assumi o Banco Central a taxa de juro era a maior da história e não tinha nenhum sinal de que a inflação ia ceder.
Que gasto maior? Estamos saindo de um superávit primário de 1,3% no ano passado. O autorizado pela PEC é mais 2%. Se gastar tudo, e a arrecadação vai surpreender, mais uma vez esse ano a arrecadação vai surpreender positivamente.. Se a arrecadação ficasse como está, no mesmo nível, se você gastasse os 2% autorizado pela PEC, que não vai conseguir. Ela autorizou e você não tem tempo para gastar, você teria equilíbrio primário. O orçamento, a previsão é que você deve ter um déficit primário de 1%, isso é grave? Não.
Se você reduzisse a taxa de juros, moderadamente, não é para fazer uma coisa drástica, levar a taxa de juro real igual do México, levar para 8%, isso economizaria mais do que esses 2% que temos de gasto na PEC.