Na lógica do capitalismo nascente nos séculos XVII e XVIII, os negros africanos passaram a integrar a cesta de “mercadorias” transacionadas pelos “negociantes” europeus mundo afora
O presidente de Portugal, Rebelo de Sousa, deu início recentemente às discussões sobre as responsabilidades pela escravidão implantada em várias partes do mundo nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX. Um passo importante, sem dúvida, para o esclarecimento das causas e dos responsáveis por este verdadeiro genocídio que o capitalismo embrionário, em sua fase colonial, perpetrou contra as populações do continente africano.
ACUMULAÇÃO PRIMITIVA
O filósofo alemão Karl Marx chamou esta fase triste da história da Humanidade de “acumulação primitiva do capital”. Nela, os comerciantes, representantes da burguesia nascente, acumularam riquezas cometendo crimes hediondos contra as classes despossuídas dentro de seus próprios países e em várias partes do mundo.
A ganância por lucros cada vez maiores fez com que esses comerciantes desenterrassem o escravismo, método de exploração que a Humanidade já havia superado há tempos. O continente africano, mas não só ele, foi a principal vítima desta ganância colonial.
Inglaterra, Portugal, Espanha, Países Baixos e outros foram os pioneiros na expansão de seus domínios sobre outros povos e no tráfico de escravos.
Na lógica do capitalismo nascente, os negros africanos passaram a integrar a cesta de “mercadorias” transacionadas pelos “negociantes” mundo afora. A colonização do “Novo Mundo” e a extração de suas riquezas se deu à base da exploração impiedosa da mão de obra escrava. No Brasil, os colonizadores iniciaram escravizando os índios e depois passaram a traficar escravos africanos.
BRASIL RESISTE DESDE O INÍCIO
Desde muito cedo, as primeiras gerações nascidas no Brasil resistiram a essa aberração nascida na acumulação primitiva do capital, assim como à espoliação de suas riquezas pelos colonizadores.
Dentro do país se iniciou neste período uma luta encarniçada – que prossegue até hoje – entre aqueles que queriam se livrar do domínio estrangeiro – inicialmente colonial e depois imperialista – e os setores que queriam e se beneficiavam com a permanência do Brasil como uma colônia.
O regime de escravidão estava intimamente ligado ao colonialismo imposto pelos países dominantes da economia mundial.
Acabar com a escravidão negra africana estava associado à luta para se colocar um ponto final ao regime colonial, que era dominante no planeta naquele período. Antes de implantar a “escravidão assalariada”, a burguesia comercial se refastelou com a exploração da mão de obra efetivamente escrava em praticamente todas as suas colônias.
Inglaterra e Portugal, por exemplo, mesmo não conseguindo manter o regime de escravidão em seus próprios territórios, mantiveram a escravidão negra por muito tempo em suas colônias.
Às vezes se pergunta como se permitiu que o regime escravista, que havia sido superado muito antes na Europa, substituído que foi pelo feudalismo, retorna tão violento para ser utilizado por este mesmo continente.
GANÂNCIA DESENFREADA
A resposta é simples. A ganância desenfreada da burguesia nascente não teve limites e nem um contraponto forte o suficiente para limitar os seus crimes. Ela sentiu que tinha força para implantar a escravidão e o fez. Assim como agora, a burguesia, em sua fase imperialista, trabalha incessantemente para destruir a resistência dos tralhadores e implantar a mais torpe deterioração das relações de trabalho.
Portugal reconhecer os erros cometidos em sua fase colonialista é um avanço, sem dúvida. Principalmente se estiver implícita a revisão do próprio regime colonial. Mas não se deve esquecer que outros países também devem explicações. Entre eles a Inglaterra, em cujo império, “o sol não se punha” e que, mesmo com o fim da escravidão, esquartejou e assaltou, junto com outras potências imperialistas, o continente africano.
Nesse quadro, parece estranho que algumas pessoas, entre elas o historiador Luiz Felipe de Alencastro, cobrem, como o fez, em sua reportagem, publicada neste sábado (27) pelo G1, que o Brasil seja também responsabilizado pelo regime escravista implantado nele pelas potências coloniais da época.
Não há explicação para isso a não ser a submissão à ideologia colonizada, um complexo de vira-lata que prevalece em alguns membros da elite do país. O Brasil, assim como outros países, foi vítima dos colonialistas e de seus representantes internos. Isso ocorreu porque haviam brasileiros que se beneficiaram naquele período dos crimes contra a população africana. Quanto a isso não há dúvida.
Assim como, atualmente, aconteceu com os vendilhões da pátria e defensores da espoliação da classe operária, como Paulo Guedes, Bolsonaro e outros, só para citar os mais empedernidos. Eles também se beneficiaram de suas negociatas criminosas com o imperialismo e de suas leis de “liberdades econômicas”, que nada mais são do que a volta disfarçada da escravidão através de uma forte precarização das relações de trabalho.
VENDILHÕES DA PÁTRIA
Os tristes personagens citados acima não representam o Brasil. Aqueles que se beneficiaram internamente com a escravidão negra também não. O historiador em questão se esquece que eles são apenas a voz interna dos exploradores externos, os serviçais dos colonialistas e imperialistas que dominaram e continuam explorando o Brasil. Quem representa o Brasil de fato são os patriotas que lutaram antes e seguem lutando hoje contra o colonialismo e o imperialismo. Esses não devem nada a ninguém.
Logo nos primeiros tempos do Brasil colônia, Zumbi e seus companheiros se levantaram contra a escravidão no país. Os primeiros e mais importantes defensores da independência do Brasil. Tiradentes e José Bonifácio também defenderam o fim da escravidão. A luta pelo fim desta excrescência imposta pelo colonialismo tomou corpo dentro do país após a conquista da liberdade em 1822. A batalha encarniçada contra o latifúndio intimamente ligado ao escravismo e ao comércio colonial de açúcar e minérios extraídos do Brasil demorou mas, finalmente, enterrou a escravidão e 1888.
A verdadeira forma de reparar os erros do passado deve ter como objetivo a eliminação total do colonialismo e da exploração dos povos.
A Humanidade acabou com a escravidão enterrando o colonialismo e, agora, luta para impedir a sua volta com o imperialismo decadente. Episódios recentes como as guerras contra o Iraque, a Líbia, a Síria, a Rússia e o genocídio da população palestina pelo regime fascista de Israel, apoiado pelos EUA, são mostras de que a ganância do imperialismo, atual fase do capitalismo, está em busca de uma nova escravização de populações inteiras, assim como ocorreu no passado.
SÉRGIO CRUZ