No sábado, Bolsonaro mandou que seu filho Flávio – deputado estadual pelo Rio e senador eleito – fosse ao Palácio da Alvorada.
Considerando o desastre que foi a entrevista de Flávio Bolsonaro na Record, na mesma noite de sexta-feira em que foi divulgado (pela Globo) que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf – encontrara 48 depósitos suspeitos em sua conta, entende-se a ordem do pai ao filho.
Na entrevista, Flávio Bolsonaro parecia, no início, à beira da histeria – e, depois de alguns minutos, atravessou a fronteira. Deve ter sido por isso que toda a entrevista durou oito minutos.
Depois de tentar chutar a barriga (metaforicamente falando, como diz a ministra Damares Alves) de todos os órgãos de comunicação, com uma exceção (a Record, evidentemente), Flávio Bolsonaro queixou-se de que seu sigilo bancário fora quebrado ilegalmente.
Isso é, literalmente, mentira.
Existe decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) permitindo que o Ministério Público solicite informações ao Coaf, sem que isso seja uma quebra do sigilo bancário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também tem decisão semelhante. A condição é que o pedido do MP ao Coaf seja feito no correr de uma investigação e não para abrir uma investigação.
Foi exatamente em meio às investigações da Operação Furna da Onça que o MP solicitou o relatório do Coaf que identificou a movimentação suspeita na conta de Fabrício Queiroz, e o relatório que detectou os depósitos suspeitos na conta de Flávio Bolsonaro.
Mas, recapitulemos o assunto, desde sexta-feira até sábado (19/01).
LONGO BRAÇO
O pedido de Flávio Bolsonaro ao STF para impedir as investigações sobre seu motorista, Fabrício Queiroz, e paralisar toda a Operação Furna da Onça, que apura a corrupção na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), era ainda mais interessado – e mal intencionado – do que nos pareceu (v. Fux suspende investigações sobre Queiroz a pedido de Flávio Bolsonaro e Marco Aurélio, do STF, diz que tem “remetido ao lixo” pedidos como o de Flávio Bolsonaro).
Não era Queiroz quem o filho de Bolsonaro queria escafeder do longo braço da Justiça e da Lei.
Ou, melhor, não era apenas Queiroz, com sua movimentação de R$ 1,2 milhão na conta bancária, inteiramente incompatível com seus rendimentos e seu patrimônio, que Flávio Bolsonaro queria impedir que fosse investigado.
Antes de Queiroz, era, diretamente, a si próprio.
É verdade que isso já era claro na própria tentativa de impedir a investigação sobre Queiroz (afinal, de quem esse serviçal de Bolsonaro era laranja?).
O que não se sabia ainda era que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) já identificara 48 depósitos suspeitos – em um único mês – na conta de Flávio Bolsonaro, realizados na agência bancária da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Todos os 48 depósitos têm o mesmo valor: R$ 2 mil, num total, portanto, de R$ 96 mil.
Além disso, os depósitos foram feitos em apenas cinco dias:
a) No dia 9 de junho de 2017 houve 10 depósitos na conta de Flávio Bolsonaro, em apenas 5 minutos (das 11 h e 2 minutos até às 11 h e 7 minutos).
b) No dia 15 de junho de 2017 houve 5 depósitos, no espaço de apenas 2 minutos (das 16h e 58 minutos até às 17 h).
c) No dia 27 de junho de 2017 houve 10 depósitos em 3 minutos (das 12 h e 21 minutos até às 12 h e 24 minutos).
d) No dia 28 de junho de 2017 houve 8 depósitos em 4 minutos (das 10 h e 52 minutos até às 10 h e 56 minutos.
e) No dia 13 de julho de 2017 houve 15 depósitos em 6 minutos.
O relatório do Coaf acrescenta que esse fracionamento é um indício de que se tentava burlar a fiscalização.
O objetivo dos pequenos depósitos em grande número é impedir que se saiba a origem do dinheiro – inclusive quem depositou (o que, aliás, no caso de Flávio Bolsonaro, foi bem sucedido: o Coaf não conseguiu descobrir quem depositou).
O Relatório de Inteligência Financeira (RIF) do Coaf foi, realmente, solicitado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) – e divulgado pelo Jornal Nacional da TV Globo, na sexta-feira.
Portanto, Flávio Bolsonaro estava bem informado sobre as investigações do Ministério Público.
No entanto, ao contrário do que disse em seu pedido para impedir a investigação, o relatório sobre ele não foi solicitado depois da sua diplomação como senador.
A diplomação foi no dia 18 de dezembro. A solicitação ao Coaf foi no dia 14 de dezembro – e o relatório foi entregue ao Ministério Público no dia 17 de dezembro.
QUEIROZ
A questão é: quem depositava na conta de Flávio Bolsonaro?
Sem esquecer que há, também, um repasse de R$ 24 mil para a mulher de Jair Bolsonaro que este disse que era para si – segundo ele, parte do pagamento de um empréstimo, a suspeita é evidente, até mais do que isso, óbvia:
Queiroz recolhia o dinheiro dos funcionários na sua conta e depois depositava na conta de Flávio Bolsonaro – e talvez em outras.
Não é uma suspeita vã ou uma hipótese abstrata.
Esse é um esquema absolutamente comum na baixa corrupção em casas legislativas: por ele, o parlamentar, além de ganhar os seus proventos oficiais, confisca uma parte dos salários dos funcionários de seu gabinete.
Na Alerj, onde 10 deputados foram presos na mesma Operação (Furna da Onça) que localizou as movimentações financeiras suspeitas do motorista de Flávio Bolsonaro, esse procedimento era recorrente. Tinha até um nome: “rachadinha”.
LÓGICA
Se foi isso o que aconteceu, pelo menos as coisas ficam explicadas:
1) Queiroz, que tinha a confiança de Bolsonaro, foi colocado no gabinete de seu filho na Alerj.
2) Para transferir dinheiro ilegalmente, usaram uma série de funcionários, alguns verdadeiros, outros apenas nominais, ou seja, fantasmas.
3) Para isso, Queiroz colaborou com toda a sua família – mulher e duas filhas, todas foram nomeadas para o gabinete de Flávio Bolsonaro, e, com mais seis funcionários, transferiam dinheiro de seus salários para a conta de Queiroz.
4) Queiroz fazia saques, muitos saques de pequenos valores, para burlar a fiscalização.
5) Na conta de Flávio Bolsonaro eram feitos depósitos, muitos depósitos de pequenos valores, para burlar a fiscalização.
6) Além da conta de Flávio Bolsonaro, Queiroz fazia outros repasses – por exemplo, para a conta de Michelle Bolsonaro, dinheiro que, segundo Jair Bolsonaro, era para ele.
Alguém já defendeu que a explicação mais simples de alguma coisa é a verdadeira – mas isso é falso.
Porém, a explicação mais lógica deve ser a verdadeira. Sobretudo, quando não há outra.
C.L.