“O fundo 3G, do Lemann, o Banco Clássico, do Abdalla, e alguns fundos estrangeiros que aqui estavam e aqui ficaram, foram os vencedores”, diz o professor da UFRJ
O engenheiro químico e doutor em Economia pela UFRJ Ronaldo Bicalho, analista do setor elétrico, afirma que a privatização da Eletrobras foi um “equívoco gigantesco”. “Estão desmanchando, implodindo o setor elétrico brasileiro por dentro”, disse o pesquisador, durante sua exposição no Canal Curto Circuito do Instituto de Economia da UFRJ sob o tema “Quem levou a Eletrobrás?
De acordo com Bicalho, a privatização, através da capitalização das ações da estatal “pingou” ao Estado R$ 25 bilhões, “como direito à renovação de suas concessões, das novas concessões para as suas 22 hidrelétricas por mais 30 anos”, que convertido ao dólar (arredondando) são 5 bilhões de dólares. “Cinco bilhões de dólares é exatamente quanto o governo françês pretende pagar para os acionistas privados de sua empresa elétrica (EDF-Électricité de France) para recuperar o controle total da sua empresa elétrica”, destacou.
O pesquisador do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da UFRJ e diretor do Ilumina (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético) mostra que a capitalização da Eletrobrás foi escolhida “porque é a forma de se obter o controle de uma empresa do tamanho da Eletrobrás pagando menos, pagando pouco”. A capitalização reduz o capital necessário para que grupos pudessem participar como protagonistas, favorecendo aqueles que já estão na empresa ou dentro da composição acionária”, diz Bicalho
Afinal, quem ganhou? Quem levou a Eletrobras?
Segundo Ronaldo Bicalho, no processo de capitalização, à princípio, não é simples de responder quem ganhou a Eletrobrás. O controle é diluído. Mas ele afirma que “a princípio, quando se olha não dá para dizer, mas sempre dá”.
Ao citar os comentários sobre o resultado da privatização, “uma diluição grande do controle, ninguém bombou, não teve um grande ator”, o especialista destaca que teve uma grande exceção, “a ausência do governo”.
“O que aconteceu, quem ganha? Nesse movimento ganha justamente quem já tinha uma posição mais consolidada dentro dessa composição acionária. Então, quem já estava numa posição boa, ficou nessa posição boa. Quais os grupos que saíram fortalecidos? Aqueles que já eram protagonistas dentro do jogo e reforçaram seus protagonismos, porque o grande protagonista, que era o governo, saiu de dentro da empresa e do grupo acionário. Quem era o segundo passou a ser o primeiro. Quem era importante? O fundo 3G do Lemann [3G Capital de Jorge Paulo Lemann] sai fortalecido, é um dos grandes vencedores. O Banco Clássico, do Abdalla, e alguns fundos estrangeiros que aqui estavam e aqui ficaram. Esse pessoal ganhou e vai levar a Eletrobras. O jogo foi armado para que isso acontecesse”, afirma Bicalho.
“Se tem uma diluição grande, o que significa manter meu protagonismo? O Banco Clássico, foi interesssante, ele não entrou, não comprou ações. Vamos dizer que você tenha 5%, não comprou ação, como diluiu muito, 3%, você mantém seu poder sem gastar. Assim como o 3G”, exemplificou o especialista.
Bicalho citou o ex-presidente da Eletrobrás, Wilson Pinto, que “voltou para fechar essa historia. Nunca se portou como um presidente da estatal. A volta dele fecha o circuito”.
Pinto assumiu a presidência da estatal de 2016 até 2021 de onde saiu para ocupar, não por acaso, a presidência da BR Distribuidora, ex-subsidiária da Petrobrás. “Como presidente da Eletrobrás “operou a empresa como se fosse privatizada”, diz Bicalho. Um dos últimos atos de Pinto, no início de 2021, foi a distribuição extraordinária de dividendos, lebrou Bicalho.
Wilson Pinto pediu para sair da BR e está sendo cotado para assumir a presidência da Eletrobrás privatizada.
CONSEQUÊNCIAS
Bicalho alerta para as consequências desastrosas após a privatização da Eletrobrás.
“Quem vai garantir a segurança do abastecimento? Quem vai garantir os investimentos? Quem vai garantir a transição energética? Perdeu-se a sustentação histórica, aquele pilar que sustentava a segurança do abastecimento de energia elétrica no Brasil nos últimos 80 anos. Vai ser essa Eletrobrás privatizada? Ela saiu da solução dos problemas, de tentar fazer parte da solução dos problemas, para ser uma agenda do mercado. Ela não é mais solução e cada vez mais vai ser um problema”.
“Para que as ações valorizem tem que atender ao mercado, entregar ao mercado aquilo que ele espera que você entregue: caixa, dividendos, principalmente dividendos. Eletrobrás não precisa se preocupar com segurança energética, tarifas, é só dividendos”. Para isso, tem que “cortar gastos, investimentos, pessoal, enxugar. É todo poder ao acionista, olha o que está acontecendo com a Petrobrás”, alertou o especialista.